Pesquisar

Canais

Serviços

Publicidade

O Cheiro do Ralo - Lourenço Mutarelli

28 set 2004 às 11:00
Mutarelli desenhado por si mesmo - Reprodução
siga o Bonde no Google News!
Publicidade
Publicidade

Eu sempre tive um pé atrás com artistas que transitam de uma área para outra. Cantores excelentes com livros chinfrins, poetas com filmes medíocres, atores com discos terríveis e por aí segue.

É sob essa perspectiva que inicio a leitura de "O Cheiro do Ralo", o primeiro romance de Lourenço Mutarelli.

Cadastre-se em nossa newsletter

Publicidade
Publicidade


Mutarelli é conhecido por sua produção nos quadrinhos. Excelente produção, acrescente-se. Quadrinhos com uma dose auto-biográfica e intimista, com um traço carregado e sujo. Temáticas universais representadas e enfrentadas pelos personagens em seus álbuns, como solidão, saudade, abandono, indecisão, tristeza, morte e fracasso, entre várias outras.

Leia mais:

Imagem de destaque

Mãos de Cavalo - Daniel Galera

Imagem de destaque

Dois Irmãos - Milton Hatoum

Imagem de destaque

Memória de Minhas Putas Tristes - Gabriel García Márquez

Imagem de destaque

O Fotógrafo - Cristovão Tezza


Elementos como personagens profundos, cadência narrativa adequada, reflexões sobre a condição humana e beleza textual já davam indícios de uma literariedade na obra do autor.

Publicidade


Mas me lembrava sempre de exemplos de excelentes letristas com seus livros meia-boca. E fincava um pé firme na terra pra afirmar um sei não desconfiado.


Quebrei a cara.

Publicidade


O livro é grande. Mutarelli consegue transpor sua narrativa de quadrinho para a prosa de modo muito eficiente, tendo o texto toques cinematográficos. Não surpreende tanto, visto a proximidade entre a arte seqüencial do cinema e da história em quadrinho, e a apropriação de inúmeros autores modernos de uma "prosa cinematográfica" no transcorrer do século XX.


Inclusive, existe o planejamento para um filme a partir de "O Cheiro do Ralo".

Publicidade


Li comentários sobre o livro que o enquadravam no realismo urbano. Acho que seria mais um expressionismo urbano, onde o espaço é quase um personagem. (Ah sim, vou pôr um "neo" antes). Um neo-expressionismo urbano tupiniquim. (Perfeito!)


A linguagem enxuta e econômica e as descrições abertas acabam por abarcar o universal na sua ausência, pelas várias possibilidades apresentadas, deixando a personalização ao gosto do leitor. Os mal-entendidos dos personagens são repassados ao leitor através da linguagem.

Publicidade


A velocidade da narrativa parece guardar algo ainda de sua confecção. O livro foi escrito em 5 dias. Outros 10 foram usados trabalhando a linguagem e adequando o texto. O lançamento foi um mês depois. Tudo muito rápido. Assim como a leitura das 140 páginas.


A história se desenrola a partir de um personagem principal, inominado. Ele se parece com o garoto propaganda da Bombril. Seu trabalho é a compra de usados. Relógios, TVs, pratarias, instrumentos musicais, um olho de vidro, uma carteira de cigarro autografada por Steve Mc Queen e qualquer tipo de tralha que o interesse.

Publicidade


Esse homem tem um problema: o ralo do banheiro de sua loja fedendo. Fedendo MUITO. E uma paranóia quase psicótica pela garçonete de uma lanchonete onde almoça. Ou melhor, pela bunda da garçonete. O que acaba gerando uma relação doentia de obsessão por tão formosa bunda.


Entretanto, o lanche lhe faz mal. Mas como se privar do prazer da visão daquela maravilhosa bunda?

Publicidade


Sendo assim, praticamente obrigado pela bunda a comer esses lanches prejudiciais aos seus intestinos, o personagem vê, ou melhor, respira o aumento do fedor do seu ralo.


Mau-cheiro que ele acaba por se habituar, e algumas vezes, achar agradável e até gostar.


Do mesmo modo que nós acabamos por gostar do protagonista, mesmo sendo ele um sujeito mesquinho e egoísta que manipula as pessoas e compra as situações. O tempo todo controla as situações via dinheiro, incriminando inocentes ou humilhando necessitados.


Infelizmente, é um personagem terrivelmente humano. E talvez seja isso que torne esse miserável tão simpático a ponto de nos chocar o final da história. Esse desfecho, embora drástico, me parece ser um dos únicos possíveis.


Mais duas crias-romances estão a caminho: ainda esse ano o autor lança "Natimorto" e "Jesus Kid". Segundo Mutarelli, a linguagem de "Natimorto" é ainda mais magra que a de "Cheiro do Ralo". "Jesus Kid" era um roteiro pra cinema que perdeu o controle e se transubstanciou em romance. Uma peça de teatro assinada por ele deve ser lançada no próximo ano. E também mais um álbum de quadrinhos.


O passeio de Mutarelli pela prosa parece ter sido agradável. O autor mesmo afirma ser esse o trabalho que mais o tem empolgado nos últimos tempos. Aprovado na sua primeira incursão, aguarda-se o teste do segundo e terceiro livro, ou melhor, da formação de um corpus, uma obra literária.


Aguardo pra ver o segundo romance. Com a cara arrumada e o pé no lugar.

Leituras Relacionadas: Eu Te Amo, Lucimar (Lourenço Mutarelli), Memórias Sentimentais de João Miramar (Oswald de Andrade), Clube da Luta (Chuck Palahniuk), Cartas na Rua (Charles Bukowski), O Vampiro de Curitiba (Dalton Trevisan) e Secreções, Excreções e Desatinos (Rubem Fonseca).


Publicidade

Últimas notícias

Publicidade