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Produtor Rural Pessoa Física Não é Empresa

03 nov 2014 às 22:16
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A frase parece óbvia. Mesmo no senso geral, já se consegue saber a diferença entre alguém que simplesmente desenvolve por si uma atividade agropecuária, ainda que com ajuda de empregados, de uma verdadeira empresa instalada no ramo. Apenas para começar, um cidadão comum apontaria – e com razão – o registro na Junta Comercial como um dos traços distintivos entre uma figura e outra. O Fisco, entretanto, teima em refutar essa constatação.

Na sua coluna de hoje (03.11.2014) na revista Conjur, Raul Haidar, ao contestar a novel Instrução Normativa nº 1.500 que "re-regulamenta" o Imposto de Renda Pessoa Física, se referiu à Receita Federal como um "leão assaz galhofeiro", que zomba, trata com desdém os contribuintes. Guardadas as devidas proporções, é isso que fez e faz o Fisco em relação aos produtores rurais pessoa física.

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Para a Receita Federal, produtor rural, pelo tão-só fato de desenvolver atividade econômica, deve ser equiparado às empresas mercantis. Claro que as intenções dessa equiparação fictícia não são vazias. Ao se utilizar de tal construção teórica, a Fazenda Pública se autolegitima a cobrar o tributo denominado salário-educação sobre os produtores rurais, contribuição social cobrada das empresas na alíquota de 2,5% sobre a folha de pagamentos delas.

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A interpretação é, contudo, equivocada. E ultrapassada. Já faz oito anos que o Superior Tribunal de Justiça, Corte guardiã das normas federais, decidiu que o "produtor-empregador rural pessoa física (...) não se enquadra no conceito de empresa, para fins de incidência do salário-educação". Desde então, o Judiciário em geral vem acolhendo pacificamente essa posição.

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E não poderia ser diferente. Há diversas razões jurídicas a não autorizar a equiparação entre empresas e produtores rurais. Para entendermos a matéria, façamos o caminho argumentativo já traçado pelos nossos Tribunais. A conclusão não será outra senão a da impossibilidade de tributação do salário-educação sobre os produtores rurais pessoa física.


A primeira razão jurídica decorre da própria leitura dos dispositivos legais que instituem o salário-educação, aliado a uma interpretação sistemática dos princípios constitucionais tributários.

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Isso significa, em outras palavras, que em nenhum momento a lei e a Constituição Federal dizem qualquer coisa a respeito da cobrança do salário-educação de pessoas "equiparadas a empresas". E se não dizem, não cabe à Administração Pública realizar uma interpretação extensiva do conceito de "empresa".


Veja-se o art. 212, § 5º, da Constituição Federal, que dispõe o salário-educação: "a educação básica pública terá como fonte adicional de financiamento a contribuição social do salário-educação, recolhida pelas empresas na forma da lei". A mesma redação consta do art. 15 da Lei nº 9.424/1996: "o Salário-Educação, previsto no art. 212, § 5º, da Constituição Federal e devido pelas empresas, na forma em que vier a ser disposto em regulamento (...)".

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Até o momento, o ordenamento só nos trouxe a informação de que o salário-educação deve ser recolhido pelas empresas. Mas daí poderia se questionar o que a lei entende por empresa e, mais, se dentro desse conceito se insere a figura do produtor rural.


A resposta surge desses mesmos dispositivos legais citados. Note-se que o art. 15 acima transcrito se refere a um "regulamento". Pois bem, o regulamento em questão é o Decreto nº 6.003/2006, que regulamenta a arrecadação, a fiscalização e a cobrança da contribuição social do salário-educação, ou seja, dá as informações operacionais sobre o tributo. E logo em seu art. 2º, traz o conceito de "empresa" para fins de cobrança do salário-educação:

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"Art. 2º São contribuintes do salário-educação as empresas em geral e as entidades públicas e privadas vinculadas ao Regime Geral da Previdência Social, entendendo-se como tais, para fins desta incidência, qualquer firma individual ou sociedade que assuma o risco de atividade econômica, urbana ou rural, com fins lucrativos ou não, bem assim a sociedade de economia mista, a empresa pública e demais sociedades instituídas e mantidas pelo Poder Público, nos termos do art. 173, § 2o, da Constituição."


Firma individual ou sociedade que assume o risco de atividade econômica. Esse é o conceito de empresa pela própria lei e decreto que dispõe sobre a matéria. Só. Qualquer interpretação que fuja desse sentido fere os princípios mais basilares do Direito Tributário, como o é o princípio da reserva legal (só se pode tributar o que estiver disposto em lei anterior que o defina).

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Aliás, se fosse para equiparar produtores rurais "pessoa física" às empresas, não haveria qualquer razão para distingui-los dos produtores rurais "pessoa jurídica".


É o que dispõe o nosso Código Civil, em seu art. 971. Segundo a norma, o "empresário, cuja atividade rural constitua sua principal profissão, pode, observadas as formalidades de que tratam o art. 968 e seus parágrafos, requerer inscrição no Registro Público de Empresas Mercantis (leia-se: Junta Comercial) da respectiva sede, caso em que, depois de inscrito, ficará equiparado, para todos os efeitos, ao empresário sujeito a registro."

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Eis aí a única hipótese autorizada por lei para equiparação de produtor rural à empresa: quando ele realmente o quer, inscrevendo-se na Junta e se tornando "produtor rural pessoa jurídica".
A lei escolheu essa diferenciação, e por um motivo: diferenciar simples empreendedores rurais de verdadeiras empresas no ramo do agronegócio. Essas, sim, se constituem sob a forma de sociedade ou firma individual. Essas, sim, possuem registro na Junta Comercial e inscrição no CNPJ. Essas, sim, devem recolher o salário-educação.


À margem do ordenamento e da jurisprudência, o Fisco mantém o entendimento abusivo de que produtores rurais pessoa física são equiparados às empresas para fins tributários. Apesar da fácil reversão dessa ilegalidade no Judiciário, muitos produtores rurais continuam pagando o salário-educação por simples desconhecimento dessa ilicitude. Deixam de usar, assim, esse dinheiro para incrementar o seu próprio negócio. Ou seja, na sina de supostamente recolher mais fundos aos cofres públicos, o Fisco acaba prejudicando o desenvolvimento dos negócios rurais. Resultado: o interesse público a que serve acaba se esvaziando com o seu próprio ilícito.

Texto de autoria do advogado Lucas Teixeira de Rezende, sócio do escritório Nobre & Cruvinel - Sociedade de Advogados.


Acesse: www.nobrecruvinel.com


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