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Entrevista com a poeta Barbara Lia

27 jul 2021 às 14:00
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ossa entrevistada é a poeta e romancista Barbara Lia.
Bárbara nasceu em Assai (PR).Poeta, Escritora e Professora de História. Publicou vários livros, entre eles: O sal das rosas (Lumme/2007), A última chuva (Mulheres Emergentes/2007), Solidão Calcinada (Imprensa Oficial - PR/2008), Forasteira (Vidráguas/2016) e As filhas de Manuela (Triunfal/2017.). Integra várias Antologias Nacionais e Internacionais. Destaque em Prêmios Literários, entre eles: Helena Kolody (2006 e 2007), Prêmio SESC (2004 e 2005), Prêmio UFES (2009) e Prémio Fund. Eça de Queiroz – Portugal (2015).

Quando iniciou o seu interesse pela Poesia?

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Nasci em uma família de poetas e leitores de Poesia. Cresci ouvindo meu pai e minha avó paterna recitar poemas. Acontece que eles recitavam Alan Poe, Castro Alves, Vicente de Carvalho... Cresci meio aos épicos e nunca me imaginei poeta, pois eu não me via a escrever um épico. Aos doze anos meu sonho era escrever romances. A Poesia era o deleite, música pela casa, eu a encantar-me com as palavras. As Palavras sempre me seduziram, mas ser Poeta nunca foi parte dos meus sonhos, acontece que eu já era. Escrever poemas é só um dos quesitos para ser Poeta neste mundo. Ser Poeta também é perceber a musicalidade da chuva, o arrebatamento de um céu estrelado e as pequeninas coisas que iluminam o dia e até o que nos entristece. Meu interesse pela Poesia existia na menina correndo atrás de um lençol de borboletas, ou admirando a beleza do miolo de uma romã. Sempre existiu. Estava lá, desde que comecei a perceber o mundo.

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Sente na sua obra a influência de algum ou alguns poetas?

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A forma como minha poesia se faz é mistério para mim. Eu não busco traços, vestígios de DNA de outros nos meus textos. Um dia, um poeta disse que um poema meu lembrava Manoel de Barros, e outra pessoa disse que outra poesia remetia a Orides Fontela. Depende do poema lido. Um poema da infância pode apontar esta similaridade terna com Manoel de Barros e meus poemas metafísicos podem evocar Orides Fontela (que eu admiro imensamente). Na apresentação do meu livro "Forasteira”, meu amigo poeta, escritor e tradutor Fernando Koproski disse que sou filha de Vinícius de Moraes com Florbela Espanca. Um editor um dia "me acusou” de - excesso de Metafísica. Sendo poeta eu vi como um elogio. As coisas rasas não me interessam. Espanto as pessoas com este desejo de mergulhar muito fundo. Assusto. Querer mergulhar na Existência, principalmente neste tempo de amores líquidos e superficialidades, acaba por ser mesmo algo assustador. Sigo neste – mergulho. Escrevo da forma como sei, busco dar voz ao meu íntimo. No entanto, eu percebi que ler os poemas de Emily Dickinson anos a fio levou-me a escrever palavras iniciando com letra maiúscula no meio de um verso e a usar excessivamente o travessão. Há uma influência, sim. Mas temporária e de forma leve. Foi enquanto escrevia que aflorou minha voz. Há uma dor guardada nos meus versos, mas também voos e esperança. Há, principalmente, um desejo utópico de que as coisas das alturas desçam ao chão. Isto é impossível, mas é assim que o poema se faz. E ser Poeta permite.
Em sua Monografia (DUAS TENDÊNCIAS DA NOVÍSSIMA POESIA CURITIBANA NO ALVORECER DO SÉCULO XXI), o poeta Márcio Claudino inicia assim o texto que fala sobre a minha Poesia: "A poesia de Bárbara Lia quer sempre atrair o universo do sonhador para o real, para a rua, para a casa, para os amigos e para o que mais lhe pertence intimamente: filhos, amigos, amores: "guardei nas dobras da alma / os que amo e são meus”.
Então os que me influenciaram tinham esta espécie de olhar para mais longe, perfurando astros, mares, flores e corações. É a vida de quem sai da bolha. É o risco. É o preço que o Poeta paga. É uma espécie de confraria atemporal, este estar atada aos que nos encantam, como galhos de uma árvore frondosa e bonita: a criação.



Qual é a reação dos leitores? Eles elogiam? Enviam sugestões?

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Após criar o meu blog quase na mesma época do meu primeiro livro (O sorriso de Leonardo) eu entrei em contato com os leitores. Há quase vinte anos eu ouço e recolho palavras de elogios, sempre com a mesma alegria. Desde a primeira vez que mostrei meus poemas até poucos dias atrás quando alguém comentou no Facebook: ‘gosto imensamente do que você escreve’. Procuro prestar atenção aos elogios de estranhos e guardo isto como um Prêmio. Nunca enviei um livro de Poesia ao Jabuti, mas me sinto premiadíssima com estas palavras, ou só de ver brilhar um olhar... Foi em 1997 eu recebi o primeiro "elogio” de estranhos quando fui ao Congresso de Poesia de Bento Gonçalves, as garota nada disseram, foi um elogio/gesto. Foi a primeira vez que meus poemas entraram em um Projeto, o "Buffet de Poesia” do poeta pernambucano Carlos Barros. No Congresso fomos a uma escola para escrever poemas na vidraça. Vi duas garotas de uns doze anos copiando um poema em seu caderno, quando me aproximei elas anotavam um poema meu. Recebo aquilo como um sopro/aviso, uma espécie de certeza de que escrever Poesia era necessário, mas também era necessário dar ao mundo os poemas. Naquele ano eu cedi aos pedidos do meu amigo Carlos Barros que me incentivava a – tirar os poemas da gaveta. Meu primeiro livro foi publicado apenas em 2004 e nunca mais deixei de publicar. Criei meu blog, perdi a timidez diante das plateias e me assumi Poeta para o mundo. Guardo com carinho cada palavra que recebi por anos a fio.



Segundo a sua percepção esta época de pandemia mundial é boa ou é ruim para a criação literária? Você se sente mais ou menos inspirado?

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Acredito que cada pessoa recebe de uma maneira uma catástrofe deste tamanho. Eu estou paralisada. No início eu acreditei que, na minha pequena família, o vírus poderia atingir somente a mim. Era uma pessoa velha, com comorbidades e recebi a notícia com receio de ficar pouco tempo ainda neste mundo. Ainda assim, escrevi poemas, terminei um romance em 2020. A vida buscava uma normalidade, sempre interrompida pelo medo, a agonia... Eu pensava: os governantes não fazem nada. Nada fazem para evitar riscos de contaminação, para tornar mais fácil a vida de todos. Na virada do ano, assim que surgiu a notícia da China, eu baixei o mapa da pandemia do Hospital Johns Hopkins. Eu me desesperava por não fazerem nada quanto à vinda de estrangeiros para o Brasil. Bastava uma barreira sanitária em aeroportos para minimizar tudo, mas nada acontecia. Foi difícil concentrar na criação enquanto começava a pior tragédia do meu país, sob a batuta de um presidente que escolhe a morte. Ano passado eu produzi pouco, mas o ano não passou em branco. Terminei um romance. Em fevereiro deste ano editei um livro dos poemas escritos em 2020 ("Põe a mão em mim, viro água”). Quando pessoas da idade dos meus filhos começaram a morrer: paralisei. Não consegui mais me concentrar e criar, pois meu coração e meu pensamento segue o tempo todo nesta espera, da vacina, de que nada aconteça, de que isto acabe. Mas segue a agonia. Cada dia uma notícia. Muitos morreram, muitos foram atingidos pelo vírus, muitos conseguiram passar incólumes.
Sei que escritos já surgem e surgirão deste cenário. É cedo ainda para conhecer tudo que os Artistas do Mundo deixarão como espelho desta época. No Brasil é tão trágico e tão avassalador que admiro os que conseguem criar neste momento. Sou mãe e avó, neste momento e sigo neste compasso de espera. Tudo indica que a vacinação vai trazer mais tranquilidade. Quem sabe um dia o medo dilua e a vida retome um ritmo mais suave.



Fale um pouco de seu novo romance.

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Minha vida é uma ciranda. Sempre estou a escrever um livro, com outro em algum concurso, um livro recentemente publicado e a ideia de outro que nasce e fica como um ruído puxando meu pensamento para esta criação, palavras, personagens, etc.
Falar de um livro que nasce é estranho, posso escrevê-lo em um ano, como foi com "Solidão Calcinada”; ou demorar dez anos como aconteceu com "As filhas de Manuela”. Recentemente tive uma ideia sobre um novo romance. Será um livro difícil de escrever. Será um desafio. Mas eu gosto de desafios. Vou escrever um romance sobre relacionamentos virtuais, e eu não me adapto ao mundo virtual. Um romance moderno, afinal.
O romance que concluí no final de 2020 está em um concurso. Melhor não falar sobre títulos e enredos. Ele precisa permanecer inédito. Assim, la nave va...


Barbara, você gosta de interpretar poemas? Como se sente declamando?

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Demorei a me sentir confortável interpretando poemas. Devo ao projeto – Porão Loquax – e as noites poéticas no Wonka Bar a transformação de alguém que não queria subir ao palco para alguém que consegue ler um poema ou texto para uma plateia. Acho difícil dizer poemas em um ambiente em que as pessoas não querem ouvir poesia. Recitais em ambientes inapropriados. Lá naquele invólucro poético do Wonka Bar eu consegui ir soltando a voz, até conseguir ler poemas e até gostar de estar em um palco. A primeira vez que fui convidada para apresentar meus poemas no Porão Loquax, a convite do poeta Mário Domingues, eu conversei com a Melina Mulazani. Artista incrível, atriz, cantora. Ela apresentou a maioria dos poemas naquela noite. Foi assim o início. Sempre com suporte dos poetas que são performers. Sou aquele escritor à moda antiga, prefiro que apenas meus textos sejam conhecidos. Não sou uma pessoa do palco, mas entrei no ritmo, aprendi aos poucos. Percebi que o próprio poema nos leva pela mão.


Você já publicou livros de poesia. Qual é o mais elogiado?

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Meus livros de Poesia não são tão citados como alguns poemas. Pode parecer estranho, mas percebo isto desde sempre. Os sites de Literatura, as publicações de Poesia e meu próprio blog, foram ferramentas utilizadas para apresentar meus poemas aos leitores. Foi o advento do blog, dos sites, foi neste momento que comecei a mostrar meus poemas. Eles foram publicados nestes desbravadores da Internet. No site Capitu, no site Blocos online. Depois surgiu o site Cronópios e tantos outros. Minha Poesia pousou em muitos lugares. Meus livros, não. As edições têm tiragem pequena. Não há livros meus de Poesia em livrarias (nem mesmo romances). Cada livro que lanço acaba com rapidez e resta esta certeza de que algumas pessoas possuem meus livros e algumas Bibliotecas também. Tenho dez livros de Poesia editados. Seis romances. Cada livro meu tem um poema que ressalta. Começa com – O sorriso de Leonardo – do livro com este título. Profana (do livro Noir). Um tango com Deus (A última chuva), e os poemas são mais lembrados que os títulos dos livros. Os sonetos que dialogam com heterônimos de Fernando Pessoa estão em meu livro Respirar, mas foi uma publicação deles no Jornal Rascunho que foi mais lida e alguns poetas disseram que gostaram destes poemas. A sequência de poemas a Rimbaud foi a mais lida no Site Cronópios de todas as séries de poemas que publiquei naquele site. Então é o que as pessoas citam quando falam comigo sobre minha Poesia. Com os romances se processa de outra forma. As pessoas precisam do livro físico. Meu primeiro romance "Solidão Calcinada” foi um dos mais lidos, com estudos acadêmicos e eu o considerava o romance que as pessoas gostavam mais, até editar "As filhas de Manuela”. Eles foram os mais comentados e elogiados, entre todos os romances que publiquei. Também tiveram tiragens maiores e distribuição maior.


Sobre os títulos dos poemas. Você considera importante os títulos? Pensa que o título é supérfluo?


Eu já não me preocupo em colocar títulos nos poemas. Meus primeiro livros traziam poemas com títulos. Quando editei "A flor dentro da árvore” e cada poema tinha como título um verso de Emily Dickinson eu descobri a beleza da epígrafe na Poesia. Depois eu repeti em uma série que – inicialmente – se chamava Musas de Acetileno. Agora é uma prática em meus poemas/diálogos. Acho que o título pode ser importante em alguns poemas, mas é não é algo necessário.


Se você fosse obrigada a escolher um poema de sua autoria que represente o seu estilo, a sua voz poética, qual escolheria?


Eu diria como Mário de Andrade:
"Eu sou trezentos, sou trezentos-e-cinquenta,
Mas um dia afinal eu toparei comigo...”.


Escolher um único poema de alguém caleidoscópio, que já viveu tantas vidas, amores, momentos, mundos e etc... É bem complicado. É impossível escolher um único poema. Quando meu livro "Forasteira” foi editado eu percebi que ele era carregado de dor. Eu sempre fui triste, mas não escrevia com aquela dor extremada. Penso que era prenúncio do que viria. Todo poeta é um xamã a antecipar o futuro. E neste livro há um poema que retrata a – dimensão angústia. Penso nele agora que vivemos nesta dimensão. Ele tem meu DNA poético, visceral. Em outro momento, certamente, eu escolheria outro poema.



Quais são os projetos para o segundo semestre de 2021?


Quando iniciou a pandemia eu senti a urgência de fazer algo que pretendo há muito: reunir meus poemas em uma Antologia. Percebi que esta tarefa não será fácil. Estou nadando em poemas há mais de um ano. Pensei em algo assim: setenta poemas para editar quando eu fizer setenta anos. Até conversei com uma das filhas para que ela atentasse para isto se a COVID me atacasse e algo acontecesse, falei do meu desejo de editar uma Antologia. Como reunir setenta poemas entre tantos? Devo ficar focada nisto nos próximos meses. A ideia de publicar apenas setenta poemas já não existe, e preciso peneirar entre quase mil e quinhentos poemas os que serão parte desta Antologia. E, dentro deste casulo apocalíptico, devo escrever o livro que foca nas relações virtuais e seus desdobramentos. Um romance moderno.

Entrevista realizada por Isabel Furini e publicada no Paraná Imprensa em 25 de julho de 2021.


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