Falando de Literatura

Análise de haicais de Guimarães Rosa e haicais de Carlos Martins

24 abr 2024 às 22:24

HAICAIS – Carlos Martins

Texto de Carlos Martins

Dois grandes incentivos para me aprofundar na obra de Guimarães Rosa, foi ter a honra de acompanhar os projetos da trilogia rosiana do confrade Carlos Viegas, - HaiKais Transrosianos, Haicais para Diadorim e Sertão dos Gerais – e o presente que recebi dele, o único livro de poemas de Rosa, Magma.

Vencedor do Concurso de Poesia da Academia Brasileir de Letras, em 1936, no entanto só viria ser

publicado postumamente em 1997, em uma edição delicada e bem cuidada da Editora Nova Fronteira. Os poemas são construídos em uma linguagem mais “comportada” em relação ao léxico, ainda sem o vibrante, metafísico e mágico estilo iniciado em Sagarana, em 1946, até seu último livro em vida, Tutaméia, de 1967, “elegantemente bárbaro”, como qualificado pela estudiosa americana de Rosa, Mary Lou Daniel.

Em Magma, à pag. 33, ele compôs uma série de 9 poemas intitulada Hai-Kais, uma forma livre do poema mínimo japonês, que abrange temas diversos, de maneira lírica. Aí – após outra releitura – me imaginei “conversando” com o mestre, de uma forma aberta, sem compromisso de uma ligação clara entre os haicais. Portanto, não se trata de intertextualização ou honkadori diretamente; se o for, será apenas um encadeamento muito sutil com alguma coisa no correspondente rosiano.

Após duas ou três leituras, como um flâneur na Paulicéia, saí colhendo haicais e, por acreditar que todos teriam qualquer coisa de Magma, posteriormente os relacionei com os de Hai-kais. Há apenas uma exceção nessa metodologia, no primeiro encadeamento (“Imensidão”), cujo haicai foi composto há alguns anos, sob cena com minha falecida cachorra labradora.

É o que se encontra a seguir. Abaixo do título dado por Guimarães Rosa, haicai de Carlos Martins.

Imensidão

Ah, o perfume

da pelagem da cachorra

ao sol de outono

Carlos Martins

*

Romance – I

Sobre colchões e sinas

na calçada dos adictos

Paineira em flor

Carlos Martins

*

Egoísmo

Alfeneiro em flor

Casal de pardais estará

também perfumado?

Carlos Martins

*

Mundo pequeno

Flâneur flanando

A cidade tão luminosa

sob o sol de outono

Carlos Martins


Romance – II

Céu azul profundo

O banco vazio ao meu lado

já não importa

Carlos Martins

*

Infinito

Cabeça tatuada

na cabeça da moça

Trevas de outono

Carlos Martins

*

Evocação

Velhinho no ônibus

de panamá estrelado

Ar-condicionado

Carlos Martins

*

Turismo sentimental

Noite de outono

A latição da vigilante

cachorra pedrês

Carlos Martins

*

Turbulência

Presente do mundo

que sopra pela janela

Frescor outonal

Carlos Martins


Carlos Martins é haicaísta, criador e administraor do grupo O Zen do Haicai (Facebook)

Outono, 2024

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