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CARTOGRAFIA DOS AFETOS (memórias de uma cidade invisível)

21 nov 2014 às 17:12
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Desde que o Arrigo Barnabé nos apontou as nuvens vermelhas no céu e a noite que descia tranquila em Londrina, meus olhos não despregam dessa paisagem. Para mim, desde o distante 1981, Londrina é uma valsa e tem a voz raríssima da Tetê Espindola. Mas não só. Londrina é sensorial. Além de sons e imagens, tem cheiros e textura de terra. E no lusco fusco, o serrilhado dos promontórios e pequenas colinas que cercam a cidade embaçam-se. Na linha do horizonte, que define o que se vê do que se imagina ver, a cidade esbarra nos seus limites. E avisa que esse privilégio de ainda ter um horizonte de campo com inúmeros tons de verde pode durar pouco.


Olho para o céu e olho para o chão. Como sou apegado às coisas antigas, em desuso, ando por aí à caça de sensações. Coisa de desocupado. Nos domingos de tarde, caminho pelo centro e procurando as rachaduras nas paredes dos velhos armazéns, restos de tinta craquelada em janelas de outros tempos e muros aos pedaços. Londrina não tem a antiguidade vetusta, clássica, das cidades históricas. Tem uma antiguidade intimista, pertencente a poucos. Pelo menos aos poucos que ainda garimpam histórias na rua Sergipe, no começo da Duque de Caxias, na avenida Celso Garcia, naquele pedacinho de rua onde ficava o Cadeião, hoje restaurado. O Cadeião tornou-se Centro Cultural, bonito, modernizado. Sorte nossa. Mas insisto em procurar ali a rua de paralelepípedos e casas de madeira. A cidade que passou e foi deixando seus vestígios, suas impressões digitais nas casas de peroba rosa, nas construções que perderam o reboco, que mostram vísceras de tijolos assentados com barro vermelho.

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Passo pelo museu de arte, antiga estação rodoviária, jardim de encontros e despedidas. Não está lá o "bar da rodoviária." Mas, memorioso que sou, sinto o cheiro do sanduiche de pernil acebolado, especiaria a nos esperar no desembarque dos pinga-pinga desse norte do Paraná.

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O TEMPO



Um encontro fortuito me põe diante de um homem magro, rosto escavado de rugas, barba rala. Um chapéu de abas largas, grande demais, equilibrava-se na cabeça. Empertigado, tinha certa altivez nos gestos e no andar. Um Dom Quixote pé vermelho. Esse cavaleiro empunhou enxadas ao invés de lanças, mas também as abandonara. Ele, de repente, começa a contar as aventuras e a prosperidade nas lavouras de café. Descreve os sonhos e as grandezas possíveis daqueles tempos, as possibilidades infinitas de enriquecimento, a chegada de novas famílias e novas colheitas e vida cheia de esperanças e sonhos. Ele fala por uma necessidade grande falar. Depois se cala. E conta da realidade dura depois da geada. Milhões de pés de café ressequidos pelo gelo. Penso que 1975 foi nosso "crash.", o espelho da Nova York de 1929. Não se espalhou pelo mundo, ficou entre nós. Queimando e doendo até hoje. Só cheiro do café permanece. E homens como ele, meu irmão de laços memoriais.


O Dom Quixote ajeita o chapéu, sorri e se despede. Pergunto se ainda tem propriedade rural. Ele diz que vendeu há muitos anos. "Os tempos mudaram," adverte. E se vai, com o chapéu e andar de outros tempos, um andar meio desaprumado. Como Londrina.


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