No mês de agosto de 1979, a vida de Anastácio Panfilo Braga mudaria de rumo. Aos 25 anos de idade, no auge de sua juventude, Braga estava com amigos comemorando o aniversário de um colega às margens do rio Tibagi. Após muitos brindes ao aniversariante, músicas altas para competir com o som do grandioso Tibagi e tragadas de cigarro (fumava de três a cinco carteiras por dia), que emolduravam a festa; voltara para casa em Ibiporã.
Ao dirigir seu Corsel Luxo sozinho, rumo à sua casa, entrou em uma rua vazia e bateu o carro na traseira de um caminhão que estava parado. O acidente foi grave, deixando o jovem com 3 tipos de traumatismos, 19 dias em coma e 30 dias internado em Londrina.
Quando recebeu alta dos médicos, foi para casa. Com o passar dos dias começaram pequenas hemorragias pelo nariz. Voltou para o hospital para verificar o que estava acontecendo. Segundo orientações médicas, era para colocar gelo até que o sangue parasse. Fez o que lhe foi dito, mas vieram muitas dores de cabeça e zunidos. Um dia deitou vendo as cores do mundo e ao acordar a única cor que via era a preta.
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Foi levado às pressas ao hospital, onde o encaminharam diretamente para o centro cirúrgico. Após seis horas de uma cirurgia no cérebro, cuja chance de sucesso era de apenas 5%, Braga não via mais as cores do lindo céu azul do norte do Paraná e também não sentiria mais o cheiro da chuva e nem o gosto do sorvete em dias de calor.
O sangue da hemorragia que impediu com gelo (conforme orientações médicas anteriores) logo após o acidente, comprimiu o cérebro, atrofiando o nervo ótico e inibindo os sentidos do olfato e paladar. Acontecera um erro médico, ao orientar Braga a estancar a hemorragia, o correto seria deixar vazar o sangue que estava no cérebro.
Após a cirurgia, a notícia era animadora: com o tempo os sentidos de Braga voltariam. Mas isso nunca aconteceu.
Neste instante estava só em seu mundo de escuridão, sem cores e sabores. Líder de um grupo de samba, era sempre rodeados de "amigos e amigas", mas agora estava somente com sua mãe, todos haviam sumido. Devido à sua nova situação foi recomendado a trancar sua faculdade, pois não teria como acompanhar a turma por enquanto. Assim deixara o campus da Universidade Estadual de Londrina – UEL, e o universo dos números da turma do 2º Ciências Contábeis.
Nunca desanimou ou ficou revoltado com sua nova rotina. Resolveu lutar e correr atrás do futuro.
Com o passar do tempo viu que a visão não voltava, então, após uma conversa com seu dentista, resolveu se inscrever no Instituto dos Cegos do Paraná, em Londrina. Foi o segundo aluno. Começou com o Braile. Após dois anos de muita batalha e esforço já estava alfabetizado - escrevia e lia em braile - e também já sabia se orientar com a técnica da mobilidade para se proteger e andar sozinho sem depender de alguém o tempo todo.
Durante esse período voltou para a UEL para tentar refazer sua matrícula. Esbarrou na burocracia de um edital, que informava que não haveria vagas. Mas ao reencontrar um dos professores responsáveis pelo curso de Ciências Contábeis, a sua vaga lhe foi devolvida.
Assim voltara à aula. Durante as explicações somente escutava, levava para casa o material que precisava e com a ajuda, o conteúdo era lido para ele. As provas eram realizadas na sala dos professores, porque precisavam de um tempo maior que os outros alunos, pois fazia tudo em braile, eram em média 10 folhas por prova. Por ser um alunos com deficiência visual, em nenhum momento foi tratado de maneira diferente.
Ao lembrar do tempo de faculdade, conta rindo: "Me saia melhor nas matérias que a maioria dos alunos, pois realmente prestava atenção nas explicações do professor, não tinha como me distrair, porque só escutava."
Em 1983, se tornara o primeiro deficiênte visual a se formar pela UEL.
Mas Braga sempre foi sonhador e teimoso, não quis ficar com a aposentadoria de inválido e nem trabalhando em uma indústria fazendo trabalhos mecânicos, queria mais. Resolveu ir para a grandiosa São Paulo como todo sonhador brasileiro da década de 80, em busca de realização profissional. Começou a fazer um curso para programador e manutenção de computadores, voltada para deficiênte visuais, ficara lá durante os anos de 1984 e 1985.
Durante esses anos morou em uma pensão com todo tipo de gente. Um certo dia um amigo de Londrina encontrou-o na cidade dos milhões de habitantes. Seria o destino mais uma vez mudando o trajeto do seu caminho. Ao ver o local onde Braga residia, levou-o consigo para morar. O dinheiro que pagaria na pensão seu amigo disse que era para guardar e comprar uma máquina Perkins (máquina de escrever), que custa em média R$ 3 mil.
Em 1988, surgiu a oportunidade de um concurso público para programador em Curitiba, com vagas para deficientes visuais. Passou no concurso e veio para a capital paranaense em 1989. Atualmente leciona aulas de matemática para reforço escolar, oficinas de xadrez em uma escola da rede municipal e também dá aulas de Braile na Biblioteca Pública Municipal, em Curitiba.
Ao falar sobre a vida diz: "Ela é tudo o que o criador deixou para o nosso bem, sem tirar o direito de todos nos respeitarmos."
Braga também dá um recado para quem teve o rumo da vida alterada de alguma maneira, fala alto e forte " Nunca esmoreça e tenha sempre força, nunca desanime."
Leitura em braile
Anastácio em sua sala de trabalho
Capa da máquina Perkins usada para escrever em braile
Anastácio escuta as horas em seu relógio "falante"
Reguete usada para escrever manualmente em braile. É usada da diretira para a esquerda.
Anastácio em sua sala de trabalho.
Máquina Perkins para escrever. Ela possui somente 6 teclas.
Anastácio na rua XV de Novembro. Vários locais centrais de Curitiba, possuem piso tátil para deficiênte visuais.