Integrantes do movimento antimanicomial ocupam há cem dias uma sala no anexo do Ministério da Saúde, de onde deveria despachar o novo coordenador Nacional de Saúde Mental, Valencius Wurch Duarte Filho. Há quase três meses no cargo, o coordenador nunca sentou-se em sua mesa. Ele trabalha num local improvisado, enquanto manifestantes cozinham em panelas elétricas, dormem e têm aulas no espaço reservado para suas atividades.
"Passamos Natal, Ano Novo, carnaval e, se não houver nenhum sinal do ministério para a saída do coordenador, aqui também vamos passar a Páscoa", afirmou Alyne Alvarez, secretária executiva da Rede Nacional Internúcleo de Luta Antimanicomial. "Lamento essa reação, estou aberto ao diálogo, mas, no que depender de mim, fico no cargo", disse Duarte Filho. "Trabalhar numa sala improvisada não está atrapalhando a minha produtividade."
As reações contrárias ao coordenador começaram ainda em dezembro, quando seu nome foi anunciado. Duarte Filho foi diretor técnico da Casa de Saúde Doutor Eiras, em Paracambi, no Rio, apontado como o maior hospital psiquiátrico privado da América Latina e fechado em 2012, depois de denúncias de violações de direitos humanos.
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Defesa
Afirma que as denúncias contra o hospital foram feitas três anos depois de ele deixar a direção da unidade. "Saí justamente por discordar da forma como a administração da instituição estava sendo conduzida", diz. O discurso não convence movimentos contrários à sua permanência no cargo. "Ele representa uma ameaça, um retrocesso a tudo que já foi realizado. E os problemas identificados na Casa de Saúde que ele administrava não surgiram de uma hora para outra", avalia Alyne.
Polêmicas. Além de sua passagem na direção do hospital psiquiátrico, o coordenador é considerado pelo grupo como contrário à desospitalização de pacientes psiquiátricos. O coordenador repete o argumento usado pelo ministro da Saúde, Marcelo Castro, seu ex-professor e ferrenho defensor. "Tinha restrições a um modelo inicial proposto. Mas o formato foi alterado", afirma.
Duarte Filho diz ter como principal meta melhorar a qualidade da rede de atenção psicossocial, os centros onde são atendidos pacientes com problemas de saúde mental. "Esse é um processo contínuo. Precisamos criar mais casas de atendimento". A qualificação de pessoal é apontada por ele como um de seus maiores desafios.
"Vamos incentivar o treinamento, que deve ser uma atribuição de Estados e municípios", garante ele. O coordenador defende a garantia de leitos de retaguarda para atendimento de pacientes de saúde mental, em hospitais gerais.
"Eles são garantia para o próprio paciente. São indispensáveis", diz. "Isso é totalmente diferente dos asilares, aqueles em que pessoas ficam indefinidamente. Esses têm que acabar."
Há 34 anos na profissão, Duarte Filho diz ter orgulho do seu trabalho e estar satisfeito com a nomeação para o cargo. "Essa é uma oportunidade, quero mostrar a todos que posso fazer um bom trabalho", promete.
O coordenador não está sozinho na determinação. Opositores ao seu nome já fizeram quatro reuniões com o ministério, para pedir a sua saída, sem resultado.
Os manifestantes dizem que não vão desistir. A ideia é mudar a tática. Fazer mais manifestações e convencer o Congresso a criar uma frente parlamentar e uma comissão da verdade para apurar abusos nos hospitais psiquiátricos.
A ocupação da sala é feita por rodízios. A cada três ou quatro dias, integrantes do movimentos são trocados. "Já vieram pessoas de todas as partes do País", diz Alyne. Nas salas, estudam, fazem rodas de conversa com pacientes atendidos em Centros de Atendimento Psicossocial e ouvem palestras. Entre os palestrantes, o ex-coordenador do programa de saúde mental do ministério, Pedro Delgado.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.