A violência que assola as cidades brasileiras tem deixado mais marcas e vítimas do que as registradas nos boletins de ocorrência. Junto com o número cada vez mais alto de crianças e jovens vítimas de assassinatos cresce também, em uma estatística silenciosa, o número de mães que sofrem com a perda, o luto e, em vários momentos, com a sensação de impunidade.
É o caso da advogada Alessandra Soares, mãe de João Roberto Amorim Soares, morto em 2008, com dois tiros. À época com 3 anos, João estava no carro com a mãe e o irmão mais velho, Vinicius. Na noite do dia 6 de junho de 2008, o veículo foi metralhado por policiais militares na Tijuca, zona norte do Rio de Janeiro.
Os militares deram 17 tiros no veículo ao confundirem o carro com o de criminosos em fuga. Alessandra estava grávida de Amanda, hoje com 5 anos, quando ocorreu a tragédia, mas ainda não sabia. Ela e Vinícius foram feridos por estilhaços de vidro. Nos quase seis anos sem João, Alessandra luta por justiça, não apenas pela morte do filho, como também dos filhos de vários brasileiros que perderam a vida para a violência.
Leia mais:
Presidente Lula fará procedimento endovascular nesta quinta
Balneário Camboriú veste Papai Noel de verde e amarelo e gera polêmica
Câmara aprova cadastro nacional para monitorar facções criminosas
Três de cada dez cidades da Amazônia Legal têm presença de facções
"Continuamos participando dos movimentos em prol da paz e da justiça, pois o que ocorreu conosco continua ocorrendo. Pouca coisa ou nada mudou", lamentou, ao ressaltar que os dois policiais militares envolvidos no caso foram absolvidos pelo júri.
O cabo Willian de Paula será julgado novamente, pois o Ministério Público recorreu e conseguiu anular o resultado. O novo julgamento está marcado para 28 de agosto deste ano. O soldado Elias Gonçalves recorreu da sentença e o processo foi desmembrado. Ele foi absolvido em 2011. O recurso de apelação ainda será julgado. Em 2009, os policiais foram expulsos da corporação.
"A polícia não pode continuar agindo de forma tão irresponsável, colocando a vida de cidadãos em risco. É necessária uma reformulação da Polícia Militar que tem uma cultura de repressão, tortura. Essa postura violenta vemos diariamente nas abordagens policias", diz a advogada.
O número de militares expulsos da Polícia Militar do Rio de Janeiro mais que dobrou nos últimos anos, de acordo com a corporação. Na época da divulgação dos dados, a corporação informou que não irá tolerar desvio de conduta.
Em agosto de 2011, o estado do Rio foi condenado a indenizar a família em R$ 500 mil, pagar as despesas com funeral de João e dois terços do salário mínimo mensal no período em que a vítima teria entre 14 e 65 anos, e uma quantia mensal correspondente a dez salários mínimos até junho de 2012, quando completaram cinco anos do caso.
O sentimento de perda e de luta por justiça também faz parte do cotidiano de Adriana Silveira Machado. Ela era mãe de Luísa Paula da Silva, uma das 12 vítimas do massacre na Escola Tasso da Silveira, em Realengo, zona oeste do Rio de Janeiro. No dia 7 de abril de 2011, o ex-aluno Wellington Menezes entrou armado na escola e matou 12 alunos e ferindo 12.
"É muito complicado, porque é uma dor que não tem fim e você tem que estar de pé pelo filho que ficou aqui. É uma mistura de sentimento e de dor. O Dia das Mães nunca mais será o mesmo", conta Adriana Machado, que preside a Associação Anjos de Realengo. Luísa tinha 14 anos na época da tragédia e completaria 18 este ano.
O outro filho de Adriana tem 19 anos. Segundo ela, Carlos Roberto sente falta da irmã. "Na verdade [com a tragédia], morre um pouco de cada um da família. Temos que começar da estaca zero, renascer, caminhar aos pouquinhos".
Superação
"A esperança de encontrar a minha filha é o que me move todos os dias, me faz levantar da cama e continuar com o meu trabalho, ajudando outras famílias". A declaração é de Vera Lúcia Ranu, 55, mãe de Fabiana Renata, desaparecida em 1992, quando tinha 13 anos. Em novembro daquele ano, a filha saiu de casa para ir à escola, no bairro Jaraguá, na zona oeste de São Paulo. Desde então, nunca mais foi vista.
Com outras mães de crianças desaparecidas, ela fundou, em 1996, a Associação Mães da Sé. Hoje, coordena a Associação Nacional de Prevenção e Busca a Pessoas Desaparecidas – Mães em Luta.
O interesse pelo trabalho de prevenção surgiu a partir da percepção de que, apesar do esforço de busca, o número de desaparecidos só crescia. "Resolvi trabalhar para levar à sociedade informação sobre as principais causas desse problema", relatou. Segundo Vera, os conflitos familiares correspondem a 70% dos casos. "O desaparecimento ainda é um tabu muito grande, porque muitas famílias acham que isso não pode acontecer com elas. É preciso falar sobre isso", apontou.
Em nove anos, a associação que ela coordena ajudou a encontrar 250 pessoas, das quais 60% são crianças e adolescentes. O cadastro da entidade possui aproximadamente 1,3 mil pessoas.