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Famílias mudam estratégia em migração para os EUA e não querem voltar ao Brasil

Raquel Lopes, Ricardo Della Coletta e Pedro Ladeira/Folhapress
29 dez 2021 às 21:30
- iStock
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Gerente operacional de um hotel em Governador Valadares (MG), Eduardo José Fernandes Ramos, 59, foi para os Estados Unidos e lá ficou por 17 anos, de 1989 a 2006. Nesse período, chegou a morar um tempo no Canadá.


Sua intenção era ficar em território americano por alguns anos e depois voltar para o Brasil para seguir a vida com o dinheiro que guardou -quantia que lhe possibilitou comprar carro e casa no retorno.

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"Quando você vai para lá e tem uma vida regrada, consegue fazer um bom dinheiro. Eu juntei algum e trouxe para cá", disse Ramos. Ele tem três irmãs que continuam morando nos EUA e conseguiram regularizar sua permanência no país.

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Assim como ele, muitas pessoas de Governador Valadares e municípios da região, que historicamente têm o maior número de emigrantes, ficavam um tempo nos EUA e depois retornavam ao Brasil. Agora, famílias inteiras estão se mudando sem ter planos para voltar.

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Isso tem causado, inclusive, o esvaziamento de cidades do leste de Minas Gerais. Em Tarumirim, que tem cerca de 14.500 habirantes, 1.800 famílias deixaram o município neste ano. Já em Alpercata, 5% da população foi embora, cerca de 350 pessoas.


"Esperar que as pessoas voltem só por ser a cidade natal deixou de ser importante. Elas não estão mais criando laços com o município", diz o prefeito de Alpercata, Rafael França.

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O movimento de famílias que deixam o Brasil tem sido percebido por pesquisadores, autoridades políticas e policiais e por quem acolhe essas pessoas nos Estados Unidos. A Folha publicou reportagens nos últimos dias que permitem compreender esse cenário.


Sandra Nicoli, historiadora e mestra em gestão integrada do território, explicou que a emigração em Governador Valadares começou na década de 1960. Essa "cultura da migração" foi se espalhando para os municípios da região a partir do final da década de 1970.

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Os anos 1980 registraram um grande crescimento no movimento de pessoas que escolhiam deixar o país devido à crise econômica brasileira -o período ficou conhecido como a "década perdida". À época, a maioria das pessoas que migravam era jovem, viajava sozinha e pensava em retornar ao Brasil.


Atualmente, o movimento de migração é caracterizado por um número maior de famílias se organizando para morar em definitivo nos EUA. O perfil predominante é de pessoas que buscam serviço braçal, mas há também cidadãos que deixam cargos públicos, empresas e microempresas para trás.

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A decisão do retorno não está mais incluída no projeto migratório. Em muitos casos, as pessoas entram de forma irregular, mas há famílias com acesso legal aos Estados Unidos.


"São famílias que possuem uma condição financeira mínima, têm casa, carro, uma pequena empresa, propriedade rural, mas não enxergam uma perspectiva de futuro se continuarem vivendo no Brasil. A ideia do retorno não está permeada no projeto migratório, [as famílias] querem migrar e ficar", explicou a pesquisadora.

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Nicoli apontou ainda que, depois do pico da emigração na década de 1980, o crescimento voltou a partir de 2015 devido a um cenário econômico, político e ambiental que acarretou essa decisão. No entanto, segundo a especialista, o auge desse movimento se deu a partir do ano de 2018.


Governador Valadares e municípios ao redor que fazem parte da bacia hidrográfica do Rio Doce foram afetados, em 2015, pela lama da Samarco, após o rompimento da barragem de rejeitos de minérios em Fundão, no distrito de Bento Rodrigues, em Mariana (MG).

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Com o agravamento da atual crise econômica e política no Brasil, o crescimento do fluxo migratório continuou em 2019, mas foi reduzido em 2020 devido à crise sanitária e às medidas restritivas decorrentes da pandemia de Covid-19. No entanto, quem havia decidido emigrar e não o fez nesse período já estava se preparando para deixar o país em 2021, que registrou um salto no número de migrantes.


Nicoli acrescentou que, apesar de a maior parte dos migrantes brasileiros escolher os EUA, desde os anos 2000 há outros destinos em alta, como Portugal, Itália e Inglaterra. Em território americano, Massachusetts ainda é o estado que abriga a maioria dos brasileiros no país.


Vivendo em Middlesex, no estado de Nova Jersey, Marcos Silva, 21, não pensa em voltar ao Brasil. Ele tem pai e dois irmãos morando legalmente nos EUA. Trabalhando no ramo de construção civil, chega a receber semanalmente US$ 1.120 (R$ 6.333) mesmo estando em situação irregular.


"Eu não vejo mais o Brasil como uma morada. Aqui [EUA] é totalmente diferente e a gente tem muito mais oportunidade, estou conseguindo viver tranquilamente", disse.


Silva chegou ao país no ano passado e contou com vantagens que nem todos os migrantes possuem quando tentam ir aos EUA: familiares em situação legal e uma estrutura mínima para recomeçar a vida.


Os que não podem contar com essa possibilidade frequentemente acabam contraindo dívidas enormes ao entrarem no país de forma irregular. Isso porque chegam a pagar até US$ 25 mil (R$ 141,3 mil) para pessoas que promovem a migração clandestina.


O cônsul-geral do Brasil em Boston, Benedicto Fonseca Filho, explicou à Folha que as famílias recém-chegadas aos EUA acabam se hospedando com parentes e amigos em condições precárias. "Muitas vezes em violação às regras de ocupação e de segurança locais, o que tem multiplicado os casos de ameaça de despejo", disse.


As pessoas que promovem a migração sempre arrumam um "jeitinho" para que o "cliente" consiga entrar em território americano. Fernandes Ramos conseguiu entrar "legalmente" em 1989 como turista, porém com um passaporte falsificado.


"Eles [agentes que promovem a migração irregular] tinham o passaporte com visto. Essa página foi colocada no passaporte que tem minha foto. Cheguei por vias legais e fiquei nessa situação até o tempo que o turista pode permanecer no país", contou Ramos.


Assim como ele, o produtor rural Aldair Martins, 70, entrou com o passaporte falsificado, embora tenha viajado para uma estadia temporária. No seu caso, os dois filhos já estavam nos EUA. "Hoje eu não penso em ir para lá. Um dia, quem sabe, posso tentar [conseguir legalmente] o visto. Na época, queria ver minhas netas e tinha vontade de ir para conseguir mais alguma coisa", explicou.


O delegado da Polícia Federal Cristiano Campidelli explicou que é praticamente impossível falsificar o passaporte desde que um novo modelo do documento passou a ser utilizado. Além de vários mecanismos de segurança, a versão atual possui um chip que impõe obstáculos aos falsificadores.


A atualização, no entanto, não impede estratégias para entrar nos EUA que independem da tecnologia. Campidelli explicou que ainda são muitas as pessoas que atravessam o deserto, pulam cercas e muros e cruzam rios de barco ou a nado de forma encoberta para não serem pegas pelas autoridades.


Depois que o ex-presidente Donald Trump determinou o fim da separação de famílias de imigrantes, porém, as pessoas que promovem a emigração passaram a usar crianças.


Dessa forma, cresceu o interesse pelo "cai cai", sistema em que a pessoa vai acompanhada de um parente em primeiro grau menor de idade, entrega-se às autoridades americanas e é liberada para responder ao processo em liberdade.


"Houve um 'boom' do 'cai cai' em 2019, na época do ex-presidente Donald Trump. Mas essa moda antiga, transpondo a fronteira seja pelo rio, deserto ou pulando cerca, nunca parou, também porque muitas pessoas não têm uma criança para levar", afirmou o delegado.


Há também quem se entrega sozinho aos agentes americanos para fazer uma solicitação formal de asilo. Nesses casos, é comum que os responsáveis por promover a emigração ilegal ensinem aos "clientes" táticas para convencer as autoridades. A estratégia mais comum é a alegação de que o solicitante está sendo ameaçado de morte no Brasil ou foi torturado por agentes públicos, como policiais e políticos.

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