O governo federal prepara para esta quinta-feira (25), Dia da Indústria, o anúncio de medidas econômicas que visam baratear o preço dos carros populares 0 km, que, atualmente, não custam menos de R$ 65 mil. A ideia é fazer os populares retornarem à casa dos R$ 50 mil. No entanto, alguns pontos do projeto já são motivo de discussão entre economistas e profissionais da indústria automobilística.
Entre as ideias que pairam pelos corredores do Planalto, destacam-se a redução de impostos como IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados) e uma proposta de negociação com os governadores dos estados brasileiros para diminuir o ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços), que pesam no valor final dos automóveis. Outro ponto citável é a utilização do FGTS (Fundo de Garantia do Tempo de Serviço) para impedir que haja endividamento dos compradores - fazendo o fundo ser uma espécie de seguro para quitar as prestações que não forem pagas -, ou até mesmo utilizá-lo de maneira direta para diminuir as parcelas. Há também o plano de negociar com as montadoras uma redução na margem de lucro das empresas, o que também seria repassado ao consumidor.
Para o economista e professor da UEL (Universidade Estadual de Londrina) Sinival Pitaguari, a possibilidade dos carros populares regredirem de valor é difícil de prever, já que as empresas são multinacionais estrangeiras. Ele ressalta que antigamente muitos veículos não tinham equipamentos de segurança que hoje são obrigatórios. Mesmo com o avanço dos recursos tecnológicos e, consequentemente, dos preços atrelados, o professor defende que ainda assim é possível um carro 0 km custar R$ 50 mil.
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"Apenas a título de comparação, um sedan de tamanho intermediário entre 'compacto' e 'médio' no Brasil, com motorização 1.6 e com muitas tecnologias que já se tornaram itens obrigatórios por lei, como freio ABS e airbag, ou por demanda de mercado - como vidros elétricos, direção hidráulica ou elétrica e piloto automático - custam na faixa dos US$ 15 mil nos Estados Unidos e, no Brasil, ultrapassa os R$ 100 mil. Isso considerando um imposto de importação de 35%, outros impostos locais e a taxa de câmbio em aproximadamente R$ 5,00 por dólar. Se a gente desconsiderasse esse imposto de 35% de importação para um carro fabricado no Brasil e considerasse um carro mais simples do que o citado antes, digamos, um Hatch compacto motor 1.0 com o novo 'kit básico' (apenas airbag frontal, ABS, direção hidráulica, vidros elétricos, ar-condicionado, cinto de 3 pontas para todos os passageiros), deveria, a princípio, já estar custando R$ 50 mil sem nenhuma medida adicional de incentivo do governo", analisa Pitaguari.
Segundo o economista, o valor atual dos automóveis no país é reflexo de uma margem de lucro exorbitante das empresas estrangeiras. "A explicação para que os carros mais populares estejam custando mais de R$ 65 mil provavelmente está na margem de lucro que as montadoras estão trabalhando no Brasil, bem superiores às margens que suas matrizes trabalham em outros países. Além disso, de fato no mundo todo houve uma inflação no mercado de automóveis, provocados pelo desequilíbrio causado pela pandemia da covid-19 no fornecimento de insumos importados, como semicondutores, grande parte provindos da China e outros países asiáticos", diz.
O fantasma dos juros altos
Especialista em desenvolvimento econômico e também professora da UEL, Katy Maia afirma que a taxa de juros elevada é um entrave para qualquer medida econômica apresentar resultados ao setor automobilístico. Atualmente, o BC (Banco Central) opera com a Taxa Selic a 13,75%, um dos maiores percentuais dos últimos anos.
"As taxas de juros exorbitantes estão prejudicando os investimentos produtivos e incentivando a especulação financeira. No geral, as medidas podem auxiliar, mas se as taxas de juros não forem reduzidas gradualmente, os efeitos esperados podem não se concretizar", pondera a economista.
De acordo com um levantamento da Money You/Infinity Asset, o Brasil possui a maior taxa de juros reais (quando se desconta a inflação) do mundo, com 6,82% ao ano, seguido do México (6,13%), Colômbia (5,13%) e Chile (4,89%). Assim como Maia, Pitaguari defende que a redução da taxa de juros é essencial para que os consumidores consigam ter acesso a crédito, a fim de financiar com mais facilidade os veículos.
"O Brasil é o país campeão mundial de taxas de juros reais, e isso ocorre por dois motivos: a taxa básica de juros estipulada pelo BC por pura decisão política do Copom [Comitê de Política Monetária] e pela alta concentração do mercado bancário, que aumenta, e muito, a diferença entre a taxa básica definida pelo BC e a taxa cobrada dos consumidores. Como a maioria dos brasileiros que compram carro popular utilizam o financiamento, isso tem um impacto enorme do custo e, consequentemente, provoca impactos negativos sobre a demanda. Aí vem uma das explicações que estavam faltando para o preço elevado dos automóveis. Há uma relação inversa entre o custo de qualquer mercadoria produzida e a escala de produção. Quanto maior o número de unidades de um automóvel de mesmo modelo for fabricado, menor será o custo. No Brasil, de 2014 para cá, as vendas de automóveis despencaram em mais de 30%, em média, e, com certeza, para os carros populares o percentual foi maior do que para carros de luxo", avalia o professor.
Redução de impostos
Enquanto Katy Maia afirma que uma solução viável para o barateamento dos carros populares é a redução de impostos sobre os veículos, Pitaguari reflete que talvez toda essa discussão sobre os preços dos automóveis pode ter outras soluções paralelas. Para ele, há outras prioridades que podem ser deixadas de lado com a efetivação da redução de impostos.
"Vale a pena? Não há outras prioridades? Por que o Estado tem que reduzir impostos sobre automóveis?
Não é melhor o Estado manter ou até elevar os impostos sobre os automóveis e investir mais no transporte público? Não é melhor o Estado investir em transporte mais barato e eficiente como ferrovias do que em rodovias? Mais automóveis vai significar mais poluição, mais problemas de trânsito, mais acidentes com custo para a saúde pública, maiores custos com melhorias do sistema viário, e muitos outros problemas.
Quem o Estado deve priorizar? Os mais pobres, que não poderiam comprar um carro nem se ele custasse apenas a 'bagatela' de R$ 25 mil, ou uma parcela mínima da população, que pode se dar ao luxo de comprar um carro zero, mesmo que seja popular?", questiona.
O futuro do FGTS
Utilizado históricamente para a aquisição da casa própria e só liberado em casos de extrema necessidade, o FGTS também entrou em pauta nas medidas de fomento à economia do governo. O ministro do Trabalho e Emprego, Luiz Marinho (PT), já afirmou ser radicalmente contra a proposta. Para ele, o fundo deve ser reservado à sua gênesis. Os economistas entrevistados pela reportagem também se colocaram contra a ideia.
"O FGTS foi criado com o intuito de ser uma fonte barata de financiamento para a casa própria e outras finalidades de investimento para fins sociais. Para um trabalhador que já tenha casa própria, tenha um emprego estável, pode até ser uma vantagem usar o FGTS para comprar um carro, do que recorrer ao financiamento bancário. Mas quantos assalariados podem, de fato, comprar um carro zero? E aí, se muitos que têm condições usarem essa fonte, os fundos do FGTS serão reduzidos para uso das suas finalidades sociais", analisa Sinival Pitaguari.
Katy Maia também vê a situação da mesma maneira. "Eu penso que o uso do FGTS, neste caso, não seja adequado, deve-se manter tal uso para aquisição da casa própria", pontua a economista.
Empregos
Pitaguari também ressalta que a medida pode, sim, gerar mais empregos para os brasileiros. No entanto, ele diz que isso, talvez, não seja o foco principal do governo com esse projeto, já que outros setores podem trazer resultados mais rápidos e significativos.
"Qualquer política pública que estimule a demanda agregada, inclusive essa de reduzir impostos sobre os automóveis, tem impacto positivo sobre a geração de renda. Entretanto, há muitos outros setores que podem gerar mais empregos com menor dispêndio de dinheiro do que a indústria automobilística, que hoje está bastante automatizada, isto é, utiliza proporcionalmente bem menos mão de obra para produzir um automóvel do que no passado", afirma.
Para o professor da UEL, o investimento do governo em outros tipos de projetos que gerassem efetivamente empregos já seria o bastante para animar a indústria automobilística.
"Quem tem emprego de carteira assinada, tem renda e crédito para financiar um carro. Quem está vivendo no subemprego ou com o Auxílio Brasil [Bolsa Família], não têm condições de comprar automóvel", conclui.
Carros mais 'pelados'
Pitaguari aposta que as ações, previstas para serem anunciadas pelo governo nesta quinta-feira (25), serão baseadas na redução de componentes dos veículos e também em prazos maiores para financiamentos. Porém, as medidas só terão impacto real se mantidas por um longo período.
"O que se imagina é um acordo onde o governo vá reduzir impostos, e as empresas vão eliminar alguns componentes dos automóveis para deixá-los mais baratos. Ou seja, será um automóvel mais 'pelado'. E, finalmente, deverá haver também alguma medida para esticar os prazos dos financiamentos. Se tudo isso for confirmado, deve trazer um impacto positivo nas vendas de automóveis. Porém, esse impacto não será duradouro por si só, principalmente se forem medidas por tempo determinado. Leva alguns meses, um ano, talvez mais, para se esgotar a demanda reprimida dos consumidores e passaram a poder comprar um carro 0 km", finaliza Pitaguari.
Laércio Voloch, membro da CTPNAT (Câmara Temática de Gestão e Coordenação do Pnatrans) do Contran (Conselho Nacional de Trânsito), analisa que as medidas do governo vêm em tempo propício, já que a frota brasileira está envelhecendo nos últimos anos. No entanto, ele demonstra preocupação com a ideia de "carros mais pelados".
"É muito importante que não haja nenhuma alteração em relação às exigências de itens de segurança dos veículos, pois o Brasil ainda está entre os países que mais se morre em sinistros de trânsito. Qualquer redução dos itens de segurança iria contra as próprias metas estabelecidas pelo governo federal para redução dos óbitos no trânsito, estipuladas no Pnatrans (Plano Nacional de Redução de Mortes e Lesões no Trânsito) e na Agenda 2030 da ONU (Organização das Nações Unidas), que é o de redução em 50% no número de óbitos por grupo de habitantes e por grupo de veículos até o final da década", conclui Voloch.
*Sob supervisão de Fernanda Circhia e Luís Fernando Wiltemburg