SÃO PAULO - O caso Daniel Silveira servirá de parâmetro para a
discussão sobre um eventual indulto a Jair Bolsonaro em 2026. Ele é réu no
processo da trama golpista e deve ser julgado ainda neste ano pelo Supremo.
Se o ex-presidente for condenado, e o próximo presidente lhe
conceder a graça, o STF (Supremo Tribunal Federal) poderá usar o episódio do
deputado cassado para derrubar o decreto, em um cenário de crise entre os
Poderes Executivo e Judiciário.
Do mesmo modo, a pressão pelo indulto, afirmam
especialistas, significa a busca por uma alternativa ao projeto da anistia,
parado no Congresso.
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"O STF estaria resguardado se negasse um indulto ao
ex-presidente, porque criou um precedente com Daniel Silveira", diz
Juliana Cesario Alvim Gomes, professora de direito constitucional da UFMG
(Universidade Federal de Minas Gerais).
"O ex-presidente pode ser condenado por crimes mais
graves do que os de Silveira, o que seria outra justificativa para a
intervenção do Supremo", afirma ela.
Réu, Bolsonaro é acusado de ter cometido cinco crimes: golpe
de Estado, organização criminosa armada, dano qualificado pela violência e
grave ameaça contra o patrimônio da União, com considerável prejuízo para a vítima,
além de deterioração do patrimônio tombado e tentativa de abolição violenta do
Estado Democrático de Direito.
Caso seja condenado pelos crimes da trama golpista, a pena
pode passar de 40 anos de prisão. O ex-presidente também já foi condenado pelo TSE
por ataques e mentiras sobre o sistema eleitoral, portanto hoje está inelegível
ao menos até 2030.
Em 2022, o STF condenou Silveira a 8 anos e 9 meses de
prisão pelos crimes de ameaça ao Estado Democrático de Direito e coação no
curso do processo. Um ano antes, o então deputado gravara um vídeo em que
atacava os ministros do STF, defendia o fechamento do Supremo e pedia um novo
AI-5, instrumento de repressão da ditadura militar.
Depois do julgamento, Bolsonaro concedeu indulto individual
ao aliado, derrubado pelo STF, sob o argumento de desvio de finalidade. No
entendimento dos ministros, não é possível conceder perdão quando há ameaça de
agressão física e incitação à invasão às sedes dos três Poderes.
Com isso, Silveira perdeu, em definitivo, seu mandato de
deputado federal, como fora decidido em seu julgamento.
Embora exista tal precedente, a professora Juliana Gomes
afirma que a Constituição não veda, em específico, o emprego do perdão para
casos de golpe de Estado, como faz com outros crimes, como o de tráfico de
drogas e violência contra a mulher.
Segundo ela, o STF poderia negar o indulto a Bolsonaro
porque a Constituição não pode ser lida num caminho oposto ao da preservação da
democracia. "É preciso esperar para ver em que condições se dará o julgamento,
mas as acusações contra Bolsonaro são mais severas que as de Silveira."
A pressão por um indulto ao ex-presidente tem aumentado nas
últimas semanas. Em entrevista à Folha, o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ),
filho mais velho do ex-mandatário, afirmou que sua família apoiará o candidato
que se comprometer em brigar com o Supremo pelo indulto, usando a força, se
preciso for.
Professora de direito constitucional da PUC-SP, Gabriela
Zancaner prevê uma fase aguda na crise entre Executivo e Judiciário. Afinal, o
ex-presidente tem uma popularidade muito maior do que Silveira.
"As pessoas veem algumas decisões do Supremo como
arbitrárias, mas a nossa Constituição diz que um poder regula o outro",
diz ela. "É natural que o STF exerça esse controle, desde que previsto em
lei."
Na Presidência, Bolsonaro acumulou uma série de declarações
golpistas às claras, provocou crises entre os Poderes, colocou em xeque a
realização das eleições de 2022, ameaçou não cumprir decisões do STF e
estimulou com mentiras e ilações uma campanha para desacreditar o sistema
eleitoral do país.
Após a derrota para Lula, incentivou a criação e a
manutenção dos acampamentos golpistas que se alastraram pelo país e deram
origem aos ataques do 8 de janeiro.
Nesse mesmo período, adotou conduta que contribuiu para
manter seus apoiadores esperançosos de que permaneceria no poder e, como ele
mesmo admitiu publicamente, reuniu-se com militares e assessores próximos para
discutir formas de intervir no TSE e anular as eleições.
Para o cientista político Aldo Fornazieri, da FESPSP
(Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo), o tema será uma pauta
dominante na corrida eleitoral. Todos os pré-candidatos de direita já se
comprometeram em conceder o indulto. "Ninguém é maluco de desperdiçar o apoio
de Bolsonaro", afirma.
Ele não descarta, porém, que haja uma negociação entre STF e
Executivo para evitar que a decisão sobre o destino do ex-presidente cause uma
crise entre os Poderes. De todo modo, a insistência no indulto, neste momento,
significa uma alternativa ao projeto da anistia, parado no Congresso.
"O indulto é mais factível, porque é prerrogativa do
presidente, não é lei. Acho que vai ter uma pressão grande na eleição e a
direita tende a vencê-la, porque o governo Lula está sem comando, uma
bagunça", diz o cientista político.
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