Buenos Aires amanheceu fria na última quinta-feira (14). Às cinco da manhã, milhares de pessoas – em sua maioria mulheres – se aglomeravam ao lado do Congresso Nacional argentino. Aguardavam o resultado da votação que, horas mais tarde, descriminalizaria o aborto na Argentina até a 14ª semana de gestação. A permissão legal também se estende aos casos de estupro, risco de vida à mãe e má formação do feto. O projeto levou às ruas manifestantes a favor e contrários ao aborto.
Nesta sexta-feira (22), os londrinenses também se manifestaram sobre o polêmico assunto com diferentes argumentos para defender ou refutar o aborto.
Em diversas cidades do País ocorreram manifestações a favor da legalização do aborto. Em Londrina, o ato foi realizado na rotatória da Avenida JK com a Higienópolis.
As mais de 150 pessoas que participaram das quase três horas de ato escreveram cartazes, discursaram a favor da causa e deram relatos. Era comum ver pessoas – em sua grande maioria homens – xingando e fazendo gestos obscenos às manifestantes ao passarem de carro.
Leia mais:
CMTU credencia ambulantes para a venda em cemitérios no Dia das Mães
TRE-PR e Câmara de Londrina se unem para incentivar participação nas eleições
Patrulha Escolar reforça policiamento nos colégios estaduais de Londrina
Cine Diversidade exibe documentário sobre ativista trans Marsha P. Johnson
De acordo com Meire Moreno, uma das organizadoras do evento, a manifestação tem como pauta principal a legalização do aborto gratuito e seguro. Outros pontos defendidos são a educação sexual nas escolas para tratar de temas como quando engravidar e uso de contraceptivos.
Segundo Meire, as mobilizações serão mantidas em todo o País até que as pautas sejam atendidas. "Por ano, mais de um milhão de abortos clandestinos são realizados no Brasil. A maioria das mulheres que morrem são pobres e negras."
Para ela, as leis que restringem o aborto não impedem que mulheres recorram ao procedimento. "Na verdade, essas leis fazem com que as mulheres fiquem com medo de procurar ajuda e assim morram tentando procedimentos em lugares insalubres e de maneira arriscada."
Ainda de acordo com Meire, o país vive um momento de conservadorismo muito forte. "A legalização do aborto não é uma questão de crença e nem de opinião. Ninguém deseja que as pessoas façam o aborto. O que a gente quer é que as mulheres parem de morrer tentando fazer aborto. O dogma de uma igreja não pode servir como referência para fazer virar lei já que as pessoas que têm religiosidades diversas", opinou.
Para a estudante Gabriela Placidino, a importância de se fazer manifestações é levar informações para esclarecimento das pessoas. "Eu apoio porque tenho dados, eu sei o que acontece, não é só acreditar."
No Brasil, o aborto só é permitido em casos de gravidez resultante de estupro, quando há risco de morte para a gestante e quando o feto é anencéfalo. De acordo com o artigo 124 do Código Penal Brasileiro, escrito em 1940, o aborto é considerado um crime contra a vida, com pena prevista entre um e três anos de prisão, caso seja provocado pela própria gestante ou com seu consentimento.
De acordo com dados da ONU, em 130 países dos 165 analisados, a interrupção da gravidez é permitida apenas quando a saúde física e psíquica da mãe está ameaçada. Somente um terço desses países leva em conta a situação econômica e social da mulher para que se permita o aborto.
Formada em Relações Públicas e Serviço Social, Nayara Damião fez sua pesquisa de mestrado sobre o aborto no cotidiano de trabalho das assistentes sociais. Segundo ela, o aborto é uma realidade no mundo todo, sendo legalizado ou não. "No Brasil, as mulheres que têm dinheiro abortam de maneira menos insegura, em clínicas minimamente higiênicas. Quem morre são as pobres e negras, que não tem condições de pagar por esse atendimento."
Sobre a atual situação do debate, Nayara acredita que há pouco avanço. "Tem uma grande força conservadora tentando regredir aquilo que já foi conquistado. Como por exemplo a PL 5069 em 2013 e a PEC Cavalo de Troia. Precisamos abrir o diálogo sobre o assunto. Hoje, vemos o contrário, a censura e a recusa em falar sobre aborto, o que só acarreta em mais mortes de mulheres."
TERÇO PELA VIDA
Também nesta sexta-feira (22), a Paróquia Nossa Senhora Rainha dos Apóstolos, na avenida Tiradentes, um terço "em prol da vida" no mesmo dia em que as manifestantes a favor do aborto se reuniram na avenida JK.
Segundo Gabriela Rossetto, uma das organizadoras do evento, o objetivo do terço é "não somente uma movimentação cristã, mas também apresentar e ensinar o valor do ser humano, tão deturpado pela sociedade, independente de sexo, religião ou crença". Antes do terço, Gabriela e as outras organizadoras fizeram uma breve introdução falando sobre aborto.
Gabriela diz que a legalização do aborto é apresentada como uma solução para um problema, quando, na verdade, gera outros. "Retirar um bebê do ventre da mãe não gera mais creches, empregos, capacitação profissional e muito menos livra as mulheres de relacionamentos abusivos. Contudo, contribui para que elas fiquem reféns de traumas psicológicos e físicos." Além disso, ela também defende que a legalização do aborto não garantiria a assistência necessária às mulheres depois da retirada do feto. "A saúde pública brasileira é caótica em todos os sentidos. A precariedade do serviço público não será diferente com a legalização do aborto."
Além do evento, Gabriela diz que será criada uma página no Facebook na qual mulheres poderão ter acesso às informações sobre aborto para motivar a continuidade da gravidez.