Michelle Obama fez um discurso potente, mais aplaudido do que o seu marido, em defesa de Kamala Harris na convenção democrata na noite desta terça-feira (20). "Algo maravilhosamente mágico está no ar, não? Um sentimento familiar. Vocês sabem do que estou falando. É o poder contagioso da esperança", disse. "América, a esperança está voltando."
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Ao mesmo tempo em que injetou uma mensagem de otimismo, a ex-primeira-dama pintou um quadro sombrio do que significaria um retorno de Donald Trump à Casa Branca, e enfatizou que as próximas 11 semanas até a eleição serão duras e exigirão trabalho árduo da base do partido.
Michelle construiu seu discurso em torno de uma ideia central de uma história repetida por Kamala sobre sua mãe. A vice-presidente conta que ouvia da matriarca que não deveria ficar à toa por aí reclamando. "Faça algo", dizia ela.
"Não podemos nos dar ao luxo de ficar à tôa por aí e esperar alguém nos dizer para fazer algo. Não reclame se alguém da campanha não te procurou diretamente para pedir o seu apoio. Simplesmente não há tempo para esse tipo de bobagem", disse. "Considere esse então o seu pedido oficial: Michelle Obama está te pedindo para fazer algo!"
A reação da plateia ao discurso foi enérgica. Neste, e em outros momentos, o público entoou em resposta: "faça algo! Faça algo!".
"Não importa o quão bem você se sinta esta noite, amanhã ou no dia seguinte, essa vai ser uma batalha difícil. Nós não podemos ser nossos próprios piores inimigos. Não podemos alimentar as ansiedades se esse país é capaz de eleger alguém como Kamala -em vez disso, temos que fazer de tudo para fazer alguém como Kamala ser eleita", disse.
Partindo de sua experiência ao lado de Barack Obama, Michelle afirmou que a reta final da campanha será difícil, e que Kamala e Walz serão alvos de todo o tipo de ataque.
"Meu marido e eu, infelizmente, sabemos um pouco o que é isso. Por anos, Donald Trump fez tudo a seu alcance para que as pessoas tivessem medo de nós. A visão de mundo limitada dele o fez se sentir ameaçado pela existência de duas pessoas trabalhadoras, de alta escolaridade e bem-sucedidas que, por acaso, eram negras", afirmou.
"Quem vai dizer para Trump que o trabalho que ele está atrás talvez seja um desses 'trabalhos negros'?", completou, em referência à frase sobre imigrantes estarem "roubando trabalhos de negros" no debate em junho que virou motivo de piada entre democratas. Nesse momento, a ex-primeira-dama foi ovacionada pelo público.
Em linha com a estratégia da campanha de Kamala, Michelle buscou descrever Trump como uma pessoa pequena e disparou uma série de ataques às ideias básicas que fundamentam o repertório trumpista.
Comparando a ascensão de Kamala de uma filha de classe média com a de Trump, que herdou sua riqueza do pai, Michelle disse que a vice entende que pesoas como ela não têm como "cair par cima".
"Nós nunca vamos nos beneficiar da ação afirmativa da riqueza geracional. Se nós falirmos um negócio, não temos segunda, terceira ou quarta chances. Se as coisas não derem certo, não temos como ficar reclamando ou trapacear os outros. Não temos como mudar as regras do jogo para que a gente sempre vença", disse, sendo mais uma vez fortemente aplaudida.
"Não poderia ser mais óbvio: dos dos principais candidatos desta corrida, apenas Kamala verdadeiramente entende o trabalho invisível e o compromisso inabalável que sempre fez a América grande", afirmou, em um ataque direto ao slogan indissociável de Trump: "Faça a América grande de novo".
"Ninguém tem o monopólio do que significa ser americano. Ninguém!", exclamou, sob aplausos. "Kamala mostrou seu patriotismo não por cuspir ódio e amargura, mas vivendo uma vida de serviço público e sempre abrindo portas de oportunidade para os outros."
A ex-primeira-dama fez um discurso emocionado, falando do luto de ter perdido a mãe recentemente.
"Recentemente, eu tenho vivido o luto daquela esperança. Um sentimento de tristeza em relação ao futuro. E isso tem se misturado com meu luto pessoal. A última vez que estive em Chicago foi para o enterro da minha mãe. A mulher que me mostrou o poder da minha própria voz. Eu ainda sinto a perda dela profundamente, não tinha certeza que eu conseguiria estar aqui hoje. Mas meu senso de dever que preciso honrar sua memória, honrar os sacrifícios que os mais velhos fizeram para nos dar um futuro melhor", disse.
Vinte anos após o discurso histórico que o projetou para o estrelato político, os Obama voltaram a uma convenção democrata em Chicago, seu berço político, para jogar seu peso atrás da candidatura de Kamala Harris.
O ex-presidente e a mulher, Michelle, são os dois nomes mais populares do partido. Ambos foram ovacionados ao discursar no evento nesta terça (20), em uma noite dedicada a apresentar quem é a candidata ao eleitorado e contrastá-la com o adversário, Donald Trump.
"Agora é hora de a gente parar que as mulheres arrumem a nossa bagunça sem ter o cargo para isso", disse o governador de Illinois, J.B. Pritzker.
Outro destaque da noite foi o marido de Kamala, Douglas Emhoff, que se apresentou em um discurso bem-humorado como um filho da classe média que, como Kamala, trabalhou no McDonald's quando jovem.
Ele buscou falar do lado mais privado da companheira, contando como os dois se conheceram em um encontro às cegas, e o papel de Kamala como madrasta dos dois filhos de Emhoff, que a chamam de "mamala".
Judeu, ele também disse que a vice o incentivou a adotar a bandeira do antissemitismo nos últimos meses. "Kamala é uma guerreira alegre. Ela está fazendo pelo país o que ela fez a vida toda pelas pessoas que ela ama. A sua paixão vai beneficiar a todos nós quando ela for a nossa presidente", afirmou.
A mensagem foi uma continuidade da reproduzida em um vídeo transmitido no telão, intitulado "a lutadora". Na véspera, o tema foi "a protetora".
Em uma estratégia para ressaltar as diferenças entre Kamala e seu oponente, Donald Trump, e tentar conquistar votos para além da sua bolha, democratas levaram ao palco nomes republicanos.
O principal foi o prefeito de Mesa, no estado-pêndulo de Arizona, John Giles. "Eu me sinto um pouco deslocado aqui, mas me sinto mais em casa do que no Partido Republicano atual", disse.
"Nosso GOP [bom e velho partido, na sigla em inglês] foi sequestrado por extremistas e transformado em um culto. O culto a Donald Trump", afirmou, comparando em seguida o empresário a uma criança.
"Eu tenho uma mensagem urgente para a maioria dos americanos que, como eu, estão no centro político: o Partido Republicano de John McCain acabou. E nós não devemos nada para o que sobrou dele. Então vamos virar a página. Vamos colocar o país em primeiro lugar. Vamos colocar os adultos na sala que nosso país merece", completou.
Stephanie Grisham, ex-secretária de imprensa do empresário, quando ele era presidente, e chefe de gabinete da ex-primeira-dama Melania, também discursou. Grisham foi a primeira funcionária de alto escalão do governo Trump a pedir demissão após o 6 de Janeiro.
"Atrás das câmeras, Trump zomba de seus apoiadores, chamando-os de 'habitantes do porão'. Quando as pessoas estavam morrendo na UTI, ele estava bravo porque as câmeras não estavam voltadas para ele. Ele não tem empatia. Não tem moral. Não tem fidelidade à verdade", disse.
"Kamala Harris fala a verdade. Ela respeita o povo americano. E ela tem meu voto", completou.
Na mesma linha, Kyle Sweetser, que afirma ter sido um eleitor de Trump, também explicou por que mudou de lado. "Votei em Trump porque ele disse que ajudaria trabalhadores da indústria. Mas percebi que ele não estava a meu favor, mas sim ao seu próprio bolso", disse.
"Eu não sou de esquerda, mas acredito que nossos líderes devem despertar o melhor de nós, não o pior. por isso eu vou votar em Kamala Harris."
Democratas também aproveitaram para reforçar a ligação -negada pela campanha de Trump- entre o ex-presidente e o Projeto 2025, um calhamaço de propostas conservadoras radicais capitaneado pela Fundação Heritage e impopular entre o eleitorado.
Em um gesto algo cênico, o deputado Malcolm Kenyatta, da Pensilvânia, apontado como o estado mais importante para a eleição neste ano, levou ao palco uma obra com o título "Projeto 2025" na capa. "É interessante, porque geralmente os republicanos estão tentando banir livros, mas eles estão tentando enfiar esse goela abaixo."
"São todas as 900 páginas dele. É um plano radical para nos levar ao passado, falir a classe média, e elevar os preços para as famílias trabalhadoras como a minha e a sua. Sob o Projeto 2025, uma família com dois filhos ganhando US$ 75 mil ao ano vai pagar US$ 1.800 a mais em impostos federais", afirmou.
A economia foi o enfoque dos ataques da noite -uma tentativa de virar o jogo em um território em que o eleitorado avalia Trump como uma escolha melhor do que Kamala.
Bernie Sanders, uma liderança da esquerda americana, repetiu seu mantra de que "precisamos de uma economia que funcione para todos nós, não apenas para os bilionários".
O senador defendeu o fim de contribuições privadas a campanhas, o reconhecimento do direito à saúde como um direito humano, o aumento do salário mínimo e de professores, e a redução do preço de medicamentos.
"Esse não é um programa radical. Deixe-me dizer o que é um programa radical é: o Projeto 2025 de Trump", atacou.
Bernie fugiu do script que a organização havia antecipado a jornalistas ao cobrar a necessidade de um cessar-fogo em Gaza. A fala foi aplaudida.
Democratas também levaram ao palco dois nepobabies: os netos de Jimmy Carter e John Kennedy.
Jack Schlossberg, que além de integrar a dinastia política mais famosa dos EUA é um influenciador nas redes sociais, relembrou os marcos da carreira de seu avô: o homem mais jovem a ser eleito presidente, o primeiro católico, o que levou o homem à lua. E o comparou a Kamala.
"O chamado à ação de JFK é agora nosso porque, mais uma vez, o bastão foi passado para uma geração mais nova, para uma líder que compartilha a energia, a visão e o otimismo com o futuro do meu avô", disse.
"Kamala Harris carrega o legado de meu avô", disse Jason Carter. "O corpo dele pode estar fraco hoje, mas seu espírito está mais forte do que nunca, e ele não vê a hora de votar em Kamala Harris", completou, sobre o quase centenário democrata.
Os democratas transformaram o roll call, processo protocolar em que a delegação de cada estado declara o voto de seus delegados no candidato já sabido, em uma balada. As luzes do United Center foram apagadas, e um DJ colocava uma música associada a cada lugar. Nevada, por exemplo, berço da banda The Killers, foi de "Mr. Brightside". Nova York, de "Empire State of Mind", de Jay-Z. Texas, com "Texas Hold 'Em", de Beyoncé.
'Mas o maior destaque foi a Geórgia, que levou à pista do evento o rapper Lil Jon. O músico foi a atração principal da balada pós-convenção mais disputada da semana, na segunda.
Também levaram celebridades à convenção Nova York, com o diretor Spike Lee, e o Texas, com a atriz Eva Longoria.
Kamala e Walz fizeram uma rápida aparição após a votação, em uma transmissão no telão central da convenção a partir de Milwaukee, onde fez um comício nesta terça no mesmo local que sediou a convenção republicana, no mês passado. A participação foi confusa, ainda mais porque a democrata começou sua fala dizendo "boa noite, Milwaukee".