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Entrevista

Arcebispo de Ribeirão critica padre Marcelo no cinema

Redação - Folha de Londrina
12 out 2003 às 16:54

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Falta de compostura e deboche da religião. É desta forma que o arcebispo de Ribeirão Preto, dom Arnaldo Ribeiro, 73, com seu jeito de falar macio e pausado, se refere à postura do padre Marcelo Rossi, um dos protagonistas do filme "Maria, Mãe do Filho de Deus", que estreou na sexta-feira em todo o país. "Eu não teria coragem de dar autorização para o padre Marcelo vir a Ribeirão", diz.

Às vésperas de completar seu jubileu de ouro de ordenação sacerdotal, dom Arnaldo concedeu entrevista exclusiva à Folha em seu gabinete, na Cúria. Durante uma hora, ele fez elogios à organização do MST, falou que o sacrifício do papa só vai terminar com a morte, disse que não será surpresa se o novo papa for um brasileiro e comentou o crescimento das igrejas evangélicas no Brasil.

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Mesmo sem a autorização do arcebispo de Ribeirão Preto, Dom Arnaldo Ribeiro, o padre Marcelo Rossi deve visitar a cidade no final deste mês para divulgar o filme "Maria, Mãe do Filho de Deus", dirigido por Moacyr Góes, que foi lançado na última sexta-feira.

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Nos últimos dias, padre Marcelo peregrinou por 12 capitais brasileiras para divulgar o filme.

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Além de interpretar a si mesmo e ao anjo Gabriel (sem asas), o padre participou da produção e foi responsável pela escolha do elenco, que tem Giovanna Antonelli, no papel de Maria, e Luigi Baricelli, interpretando Jesus. O padre Marcelo também opinou nos diálogos do filme. A idéia do padre é levar o filme para ser assistido pelo papa João Paulo 2º.


A Folha tentou ouvir o padre sobre as declarações do arcebispo, mas ele estava viajando e não atendeu o celular.

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Leia a seguir os principais trechos da entrevista.


Folha - O senhor está comemorando o jubileu de ouro de ordenação. Quais as suas realizações na diocese de Ribeirão?

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Dom Arnaldo Ribeiro - A celebração do jubileu é um agradecimento a Deus por minha ordenação, minha história durante esses 50 anos na igreja. Com meu trabalho em Ribeirão, elevei o número de paróquias, de 54 para 72, e o número de padres, de 34 para 82. Fiz reformas em igrejas, ergui seminário e implantei um plano de saúde para os padres.


Também consegui melhorar o patrimônio da diocese. Eu tinha sete imóveis e passei para 42.

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A diocese é uma pequena indústria que tem que ser bem administrada.


Folha - Qual é a receita e a despesa dessa indústria?

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Dom Arnaldo - Olha, da Igreja Católica em Ribeirão eu não sei. Mas, no ano passado, eu gastei R$ 1,9 milhão aqui na Cúria. Sobraram R$ 20 mil. Minha despesa é a manutenção do seminário, da Cúria, do plano de saúde dos padres. Agora, cada paróquia tem as suas entradas e gastos.


Folha - O senhor acha que é papel da Igreja Católica interferir em questões políticas? No caso do Orçamento Participativo, o senhor esteve na prefeitura e na Câmara fazendo pressão para a volta das reuniões. No caso da Febem, o senhor também interferiu.

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Dom Arnaldo - No caso do Orçamento Participativo, eu só entreguei aquilo que o povo me pediu para entregar. No caso da Febem, fui chamado pelo Ministério Público e pela OAB porque, querendo ou não querendo, sou uma autoridade. E uma autoridade respeitada. Eu apóio coisas que são importantes para a população, como a luta contra a superlotação das cadeias.


Já me pediram para interferir em determinadas greves. Eu não aceitei porque não é papel meu interferir para alguém ganhar R$ 5 menos ou R$ 5 mais. Em época de política, quando os candidatos me pedem audiência, eu respondo que, se eles vierem todos juntos para discutir os problemas da cidade, eu os atendo. Mas, se vierem sozinhos, eu não atendo. Não aceito fazer papel de bolinha de pingue-pongue.


Folha - O senhor é contrário à participação de padres na política?
Dom Arnaldo - Na política partidária, sim.


Folha - A região já teve um padre prefeito [Plinio Toldo, ex-prefeito de São Simão]...


Dom Arnaldo - Enquanto ele foi prefeito, não me trouxe nenhum problema. Depois que saiu, houve vários problemas, porque havia briguinha daqui e dali. Quando eu cheguei a Ribeirão, ele veio conversar comigo. Eu lhe disse que seria a última vez que ele participava de uma eleição.


Folha - O crescimento das igrejas evangélicas nos últimos anos foi bem maior que o das católicas. Isso assusta?


Dom Arnaldo - Não foi bem maior, foi grande. Mas, temos que entender os motivos disso. Todos precisam de Deus, e talvez eu não saiba falar de Deus para eles e, então, procuram em outro lugar. Eu nunca poderia falar mal dos crentes que procuram as igrejas crentes. Posso falar mal, às vezes, de alguns pastores, que não merecem crédito.


A diminuição do número de católicos se explica com muita facilidade. Primeiro, os escravos se declaravam católicos, mas não eram. Se como católicos eram maltratados, imagine se declarassem suas verdadeiras crenças. O segundo fator é a honestidade. Algum tempo atrás, muitas pessoas se declaravam católicos não-praticantes, quando questionados sobre sua religião. Hoje, dizem que não acreditam em nada.


Folha - Recentemente, o papa acenou com a possibilidade de proibir missas como as do padre Marcelo Rossi. O que o senhor acha do estilo dele?


Dom Arnaldo - Eu não teria coragem de dar licença para o padre Marcelo rezar missa em Ribeirão Preto.


Folha - Ele já pediu para vir a Ribeirão?


Dom Arnaldo - Não pediu, mas sei que esteve em Ribeirão lançando um livro. Mas muita gente pediu, e eu sempre disse não. Hoje, o padre Marcelo é coqueluche. Você assiste ao padre Marcelo na televisão e quer que todas as nossas paróquias façam missas do mesmo jeito.


Outro dia, eu vi na TV o padre Marcelo jogando água benta com brocha para atingir mais gente. Eu acho que isso é ridículo. Há uma nobreza no ofício da missa que precisa ser respeitada.


Folha - O senhor acha errado um padre fazer um filme como fez o padre Marcelo, que está lançando "Maria, Mãe do Filho de Deus"?


Dom Arnaldo - É preciso ter um pouco de compostura. Eu vi esses dias no jornal que um padre [Pedro] na novela "Mulheres Apaixonadas" vai largar a batina por causa de uma mulher.


Isso é mensagem que se transmite para o povo? Não, isso é deboche da religião. Eu não teria cara para fazer isso [o filme] de jeito nenhum.


Folha - O papa nomeou o sétimo cardeal brasileiro. O senhor acha que sete cardeais correspondem ao tamanho da Igreja Católica no Brasil?


Dom Arnaldo - Para quem tinha um só, é um grande avanço. O Brasil é o país que tem o maior número de bispos do mundo, mais de 400. Mas nós não temos um peso de tradição, como os europeus têm. Eles têm 2.000 anos de tradição e isso pesa.


Folha - O papa está com a saúde debilitada. O senhor acha que o próximo papa pode sair da América Latina?


Dom Arnaldo - Li esses dias uma lista de 20 nomes que poderiam ser o novo papa. Na lista tem cardeal do Brasil, do mundo inteiro. Você olha para cada um dos cardeais e fica pensando quem será o novo papa. Quando sai o cardeal eleito você leva um susto. Quem diria que o João 23, aquele redondinho, velho, iria ser o grande papa que ele foi?


Folha - Se um brasileiro fosse eleito papa, não seria uma surpresa para o senhor?


Dom Arnaldo - Não seria e vou dizer mais. Mesmo que eu olhe para eles hoje com o nariz torcido, eu iria olhar para eles de uma maneira bem diferente. É o dom do Espírito Santo. Eu conheci seis papas e paro diante deles com uma veneração imensa. Reconheço as limitações de todos eles. Quem diria que aquele moço de 58 anos, João Paulo 2º, ia fazer o que ele fez nesses 25 anos e que ficaria tanto tempo no cargo? Em janeiro, estive com ele por 15 minutos e achei que ele estava excelente, dentro da limitação de velhice e doença. Ele leu meu relatório inteirinho e no fim se despediu de mim dizendo: "Até a próxima vez". Eu disse: "Se Deus quiser". A próxima visita será em 2005. Quem sabe ele não supera essa doença toda e ainda nos espera em 2005.


Folha - O senhor não acha que ele deveria renunciar?


Dom Arnaldo - Não. Ele está fazendo um sacrifício e disse que vai levar sua cruz até o fim.


Folha - O fim não pode ser a renúncia?


Dom Arnaldo - Não, é a morte. Ele recebeu a missão de tomar conta de nós. É um velhinho que vai morrer deixando para nós uma mensagem de fibra. Ele faz questão de conversar com a gente em português.


Folha - A Igreja Católica mantém em um sítio um centro de formação do MST (Movimento dos Trabalhadores Sem Terra). O que o senhor acha do MST?


Dom Arnaldo - Eu tenho um contrato social lá no sítio Pau D'Alho com o MST. Eles não me pagam nada e eu não pago nada a eles. Estamos felizes com o trabalho que eles [os sem-terra] estão fazendo lá. É um resgate da cultura camponesa.


O MST não é santo, mas esses sem-terra com os quais estamos trabalhando estão merecendo o nosso apoio. Eu exijo que todas as atividades do MST no sítio sigam a doutrina social da Igreja Católica.


Folha- Por exemplo?


Dom Arnaldo - Imagine se eles vão fazer lá um curso de comunismo. Se isso acontecer lá dentro, automaticamente o convênio é cortado.


Estamos contentes com o convênio. É uma forma de desmistificação do MST e uma prova de que a reforma agrária pode dar certo.


Folha - O senhor apóia invasões do MST?


Dom Arnaldo - Não. Mas apóio que eles possam pedir as coisas para o assentamento. O MST é o grupo mais organizado do Brasil. Os sem-terra não mudam de postura. Acho que devemos ter uma posição crítica sobre o MST, mas não ter medo dele.

Informações Folha Online


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