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Obituário

Beth Camargo, uma incentivadora da cultura em Londrina

Fernanda Circhia - Redação Bonde
31 jan 2018 às 17:14

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- Valéria Felix
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Elisabeth Camargo foi uma das grandes figuras do cenário cultural de Londrina. Durante quase 15 anos, Beth foi dona do Sebo e Livraria Lido, o primeiro do interior do Paraná. Beth também era apaixonada por pintura.

Beth nasceu em São Paulo, na década de 1950. "Cidade que ela adorava, aliás", acrescenta Claudia Silva, uma de suas filhas. "Mudamos para Londrina em 1984. Meu pai, João Bosco da Silva, passou em um concurso da Universidade Estadual de Londrina (UEL) na época e, minha mãe, que era psicóloga, foi dar aulas no Cesulon [atual Unifil]. Em São Paulo, ela dava aula na PUC-SP, também de psicologia, e também foi professora temporária na UEL."

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Claudia conta que o sonho de seus pais era de montar uma academia. "Venderam um apartamento em São Paulo na época do Plano Sarney, época da inflação desenfreada, entre outros problemas. Acabaram perdendo tudo." E ela também estava cansada de dar aulas e queria muito abrir seu próprio negócio.

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Sebo Lido

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"Foi aí que surgiu a ideia do sebo. Ela não tinha muita grana, mas tinha uma imensa biblioteca em casa, que foi, em grande parte, o acervo inicial do sebo. Logo começou a fazer eventos, o que atraiu muita gente. Escritores, músicos, artistas, professores, entre outros, começaram a frequentar o local", descreve.


"No início, o sebo era pequenininho, uma lojinha num shopping da Rua Pio XII. Em pouco tempo, ela alugou a loja ao lado, já com os recursos do próprio sebo. Mas depois de mais um tempo, ela queria dar mais um passo. Encontrou um imóvel na Rua Piauí, abaixo da Rua Souza Naves, mas a grana não dava para ocupar o salão todo. Então, ela teve uma ideia ótima: reunir outros parceiros de áreas afins. Então, ela se juntou à Bat Banca, de Eloyr Pacheco, e à Livraria Maluquinha, de Sueli Bortolin. Montaram o 'Shopping dos Livros'. O espaço se tornou uma espécia de centro cultural."

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A jornalista e escritora Karen Debértolis lembra bem da época em sua homenagem à Beth nas redes sociais. "Beth, uma mulher guerreira, inteligentíssima, bem humorada, comandou a livraria mais importante da cidade, a Lido. Mais que uma livraria, era um ponto de encontro, de realização de eventos, de lançamentos de livros, de bate-papos entre amigos. Inclusive, ali, conheci amigos e amigas para a vida toda, como Elisabete Yunomae e Cristina Thomé.


Karen conta que, muitas vezes, no final da tarde, passava ali para participar das rodas de conversa sobre literatura, política, filosofia, música, vida. "Lancei meu primeiro livro, Calidoscópio, sob as bênçãos de Beth Camargo, em uma noite regada pela música da banda Chaminé Batom, com Simone Mazzer no vocal. Muitos escritores de Londrina faziam da Lido ponto de encontro, porto seguro, casa", valoriza.

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Assim como lembrou a jornalista, editora e colunista da Folha de Londrina Celia Musilli. "Foi ela [Beth] uma das primeiras pessoas a fazer uma conexão alternativa de livros e literatura especialmente para o público jovem e para pessoas de todas as idades. Uma de minhas primeiras entrevistas como repórter de cultura na Folha foi com a Beth. No Sebo Lido comprei um volume de 'Cem Anos de Solidão', de Gabriel Garcia Márquez, e meu exemplar de 'O Século das Luzes', de Alejo Carpentier, entre outros."


Segundo Claudia, esta foi a fase profissional mais gostosa da vida dela. Mas com o tempo, a Livraria Maluquinha fechou, a Bat Banca se mudou e ela seguiu sozinha ali por muitos anos. "Ao todo, foram cerca de dez anos. Mas acabou fechando quando os filhos foram embora de Londrina. E também por um problema respiratório que ela teve em relação aos livros usados. Apesar de que, naquela época, ela também vendia livros novos."

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"Ela lia muito. E gostava muito de gente. Este foi um dos maiores trunfos da livraria. Ela indicava livros, conversava sobre e buscava livros pensando no público que tinha. Ela realmente foi muito feliz ali. E, nesta época, as faculdades particulares estavam começando a crescer. E procuravam o sebo pra adquirir os livros. Foi nesta época que ela enxergou um novo filão. Montar bibliotecas pra escolas particulares", lembra Claudia.


Ventura Livros

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Em seguida, os filhos estavam em São Paulo. Beth também foi. "Juntos montamos uma livraria que atendia, exclusivamente, faculdades. Cruzávamos as informações do mercado livreiro com as necessidades das faculdades. Vendíamos para o Brasil inteiro. E depois de algum tempo, ela voltou a abrir uma livraria no centro de São Paulo, a Ventura Livros. O que foi muito apaixonante pra ela. Voltou a atender público, o que ela adorava e se envolveu no Viva o Centro, um projeto de revitalização do centro de São Paulo. Mas apesar de feliz da vida com a nova livraria, os tempos já não eram fáceis para uma pequena livraria. As grandes redes tomavam conta do mercado e a competição era injusta."


Junto com tudo isso, veio o primeiro câncer. Este, no pulmão, com metástase no cérebro. Conforme Claudia, foi muito agressivo. "Neste período, foram três cirurgias e muita quimioterapia e radioterapia. Decidimos fechar a livraria. E ela decidiu voltar pra Londrina, cidade que gostava e na qual seria possível ter uma vida mais confortável do que em São Paulo."

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De volta para Londrina


Quando voltou a Londrina, começou uma nova etapa na vida de Beth. Ela retomou um antigo sonho: as artes plásticas. "Ela sempre quis estudar desenho e pintura, mas antes a vida a levou pra outros caminhos, mas em Londrina pode se dedicar à sua paixão. Voltou pra cá, em 2004, e a pintura virou sua vida. Estudava pintura e pintava. Pintava incansavelmente. Morava no Vivendas do Arvoredo, numa casa na qual fez seu ateliê."


Um período depois, manteve a pintura, mas trabalhou durante um tempo na biblioteca do Instituto de Educação Infanto Juvenil. "Voltou a indicar livros, desta vez para as crianças, o que ela adorava também. Mas aí a pintura já estava na veia. Dava aulas sobre pinturas e pintores para professores a alunos do instituto. Em 2012, enfrentou mais um câncer e mais um período de quimioterapia." Depois, deixou o instituto como profissional, mas manteve o vínculo. Algum tempo depois, o instituto homenageou a galeria com o nome de minha mãe.


Grande incentivadora


"Minha mãe foi uma grande incentivadora, parceira, mas sempre muito firme também. Sempre preocupada com os estudos. Ela achava que todos tinham que, além de estudar, aprender uma língua e um instrumento. Nos instrumentos ela não conseguiu, mas os filhos todos aprenderam inglês. Para isso ela se desdobrava. Minha irmã, por exemplo, foi fazer intercâmbio nos EUA. Minha mãe adorou a experiência e, depois disso, muitos estudantes estrangeiros viveram por curtos períodos em casa. Gente da Suíça, Austrália, Groenlândia, entre outros. Eu, Claudia, vivi um tempo em Londres, sem todo apoio que ela podia me dar. Eu precisava trabalhar pra me manter lá, mas ela ajudava em tudo o que podia."


Em abril do ano passado, o câncer no cérebro voltou. "E como ela já tinha feito muita radioterapia no cérebro, ela não podia fazer mais. O oncologista propôs fazer uma biopsia seguida de uma quimioterapia, que poderia dar mais algum tempo, mas não curaria o câncer. Então, nós optamos por não tratar mais. Se era pra ter pouco tempo, que fosse com alguma qualidade de vida. Ela sempre enfrentou a doença de frente. Nunca vou me esquecer uma época em que, após o período de radioterapia, lá atrás, no primeiro câncer em São Paulo, morávamos perto do metrô. E a radio fez ela perder força muscular. Mas ela subia e descia aquelas escadarias gigantes, devagarinho, pra recuperar as forças nas pernas. Acho bonito pensar que ela enfrentou o câncer com muita força. Mas também gosto de pensar que soube parar quando sabia que não dava mais."


Deixa três filhos. Dia 24 de janeiro de 2018, aos 67 anos, de câncer.

O Portal Bonde publica obituários todas as quintas-feiras. O leitor que quiser homenagear alguém nesta seção, pode entrar em contato pelo telefone (43) 3374-2151, de segunda a sexta-feira, das 13h às 18h. O obituário é gratuito.


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