Na maioria das companhias brasileiras, grandes ou pequenas, jovens ou tradicionais, já não é mais possível escapar do "oou", o grito de guerra do software ICQ, que hoje pertence à América Online (AOL). Para muitos gerentes, ele corrompe a produtividade, já que permite que os funcionários se distraiam conversando entre si ou com amigos de fora da empresa - e sem dar bandeira, como quando estão ao telefone.
Se pelo pecado de causar "distração" o ICQ ainda não foi condenado, por um outro já há quem queira crucificar os inventores da geringonça: a possibilidade de se fazer ligações interurbanas via Internet. Na verdade, o ICQ Phone, como é chamada a ferramenta do ICQ que possibilita as ligações por meio da Web, não é o desbravador nessa área - antes dele vieram o Connecthere, Mediaring e muitos outros. Mas, sem dúvida, é ele quem traz consigo a marca mais conhecida e que, portanto, tem o maior impacto na opinião pública. Com o ICQ Phone, é possível falar com aquele primo distante, que agora mora na Suíça, ou com um amigo que está de férias na Malásia, tudo a preço de ligação local, já que tudo acontece via Internet.
Para Alan Rivier, diretor de assuntos regulatórios da Intelig, essa é uma concorrência predatória, porque as operadoras piratas não pagam impostos como ICMS, Cofins e PIS. "Segundo estudos que fizemos, o governo brasileiro deixou de arrecadar em 2000 cerca de 150 milhões de reais em tributos por causa dessa prática", afirma. A Intelig e a Embratel se consideram diretamente apunhaladas pelos softwares de ligações pela Web, uma vez que são as únicas legalmente habilitadas a prestar serviços de chamadas internacionais no Brasil, e não têm economizado protestos junto à Anatel. Para Ulysses Nogueira dos Santos Filho, gerente geral de negócios e contas internacionais da Embratel, as provedoras piratas desviam receitas da ordem de 400 milhões de reais ao ano.
A AOL - único provedor a oferecer esse tipo de serviço - se defende e nega ter qualquer culpa nisso. De acordo com Fernando Figueredo, vice-presidente de comunicação da AOL para a América Latina, a empresa nunca fez nenhum tipo de propaganda nesse sentido no país ou incentivou alguém a utilizar a Web para fazer ligações telefônicas. "Estamos dentro da lei, esperando as autoridades se pronunciarem", diz.
E, para a infelicidade das companhias telefônicas, a Anatel, órgão regulador do setor, também não vê mal algum nesse tipo de software. Apesar de ser reconhecido pela agência que, em ligações internacionais, somente a Embratel e Intelig têm aval para operarem, os técnicos do governo não encaram o tipo de serviço prestado por uma ferramenta como o ICQ Phone como "telecomunicação." "Falar pela Internet não é algo que possamos proibir, simplesmente porque não há um órgão regulador ou legislação específica", diz Luiz Perrone, vice-presidente da Anatel.
SER OU NÃO SER IP
Por trás dessa discussão, há uma outra não menos polêmica: afinal, como pode ser definida (legalmente) uma ligação via Internet? Que tipo de serviço é uma chamada realizada por um instrumento de nome ICQ Phone ou qualquer um de seus concorrente, como o Mediaring, Buddy Phone e Net2Phone? Para Perrone, da Anatel, é justamente um problema de definição que tem gerado tantos protestos. "A mídia saiu por aí dizendo que isso é voz sobre IP, e não é."
A resposta, aparentemente mais complicada do que a pergunta, refere-se a um tipo de tecnologia (voz sobre IP) que consiste em pegar uma informação falada, comprimi-la em forma de dados, e desempacotá-la na hora em que atinge o aparelho telefônico do usuário final. Quando o meio de transmissão chamase Internet, o caminho é batizado de "protocolo IP." Com um raciocínio simples, chegaríamos à conclusão de que todo tipo de voz que trafega pela Web, por um caminho, é "voz sobre IP." Mas não é.
Segundo o especialista do setor, Carlos Magalhães, da Deloitte Consulting, para ser considerado voz sobre IP, a transmissão precisa ter uma qualidade mínima. É como se, para ser "futebol", um jogo tivesse que ser, no mínimo, da terceira divisão. "O que esses softwares oferecem por aí é muito ruim. Quase não dá para ouvir nada na ligação... não têm qualidade comercial", afirma Magalhães. Para ele, as operadoras se sentem prejudicadas porque muitas pessoas que usavam o telefone para ligar para outros países estão apelando para a Web, mesmo que a nitidez da voz deixe a desejar.
A empresária mineira Renata Drumond é uma das adeptas do sistema. Grávida de oito meses, ela usa semanalmente um desses softwares, o Connecthere, para conversar com André, o namorado que mora na Espanha, e com a irmã, que mora na Alemanha. "Antes de saber que existia essa possibilidade, pagava uns 35 reais por ligação feita pelo telefone, o que é um absurdo", diz. Segundo ela, conseguir uma boa conexão é questão de sorte quando se usa esses softwares e, muitas vezes, quem atende a ligação do outro lado não ouve nada, mas ainda assim vale a pena tentar. "As empresas de telefonia cobram mais do que deviam por uma ligação", diz.
Mas a má qualidade do serviço não é um problema insolúvel. Já existem empresas oferecendo voz sobre IP propriamente dita, com toda a qualidade necessária para se ter uma conversa perfeita. São transmissões em banda larga, chamadas de ligações de camada "quatro", numa escala que vai até sete e mede o nível de perfeição na circulação de dados pela Web. O serviço só foi adquirido até hoje por grandes corporações e é oferecido por empresas igualmente colossais, tais como Cisco, Alcatel, Avaya, Ericsson, Nortel e Siemens.
"A voz sobre IP veio para substituir o sistema de comunicação tradicional por representar um custo muito menor com uma qualidade idêntica", diz Magalhães. Segundo ele, várias multinacionais e até governos já utilizam essa tecnologia para conversar com suas subsidiárias até mesmo em outros países.
De acordo com a União Internacional de Telecomunicações (ITU), dos atuais 140 bilhões de minutos gastos todos os anos no mundo em ligações telefônicas, 6 bilhões já são via voz sobre IP e, até 2004, essa tecnologia abocanhará 40% do mercado. Em alguns países onde a regulamentação já aconteceu, o crescimento foi colossal: na Hungria, o serviço de voz sobre IP foi legalizado no primeiro semestre de 1999 e no final do ano já eram 40 empresas licenciadas. Em Cingapura, a telefonia sobre IP acabou sendo autorizada em abril de 2000, quando foi criada uma licença especial que engloba voz baseada na Internet e/ou serviço de dados. Após quatro meses, o país já contava com 70 companhias licenciadas. De acordo com Renato Guerreiro, presidente da Anatel, a partir de 2002 haverá uma regulamentação para o setor e quem quiser oferecer essa tecnologia estará liberado no Brasil.
Se pelo pecado de causar "distração" o ICQ ainda não foi condenado, por um outro já há quem queira crucificar os inventores da geringonça: a possibilidade de se fazer ligações interurbanas via Internet. Na verdade, o ICQ Phone, como é chamada a ferramenta do ICQ que possibilita as ligações por meio da Web, não é o desbravador nessa área - antes dele vieram o Connecthere, Mediaring e muitos outros. Mas, sem dúvida, é ele quem traz consigo a marca mais conhecida e que, portanto, tem o maior impacto na opinião pública. Com o ICQ Phone, é possível falar com aquele primo distante, que agora mora na Suíça, ou com um amigo que está de férias na Malásia, tudo a preço de ligação local, já que tudo acontece via Internet.
Para Alan Rivier, diretor de assuntos regulatórios da Intelig, essa é uma concorrência predatória, porque as operadoras piratas não pagam impostos como ICMS, Cofins e PIS. "Segundo estudos que fizemos, o governo brasileiro deixou de arrecadar em 2000 cerca de 150 milhões de reais em tributos por causa dessa prática", afirma. A Intelig e a Embratel se consideram diretamente apunhaladas pelos softwares de ligações pela Web, uma vez que são as únicas legalmente habilitadas a prestar serviços de chamadas internacionais no Brasil, e não têm economizado protestos junto à Anatel. Para Ulysses Nogueira dos Santos Filho, gerente geral de negócios e contas internacionais da Embratel, as provedoras piratas desviam receitas da ordem de 400 milhões de reais ao ano.
A AOL - único provedor a oferecer esse tipo de serviço - se defende e nega ter qualquer culpa nisso. De acordo com Fernando Figueredo, vice-presidente de comunicação da AOL para a América Latina, a empresa nunca fez nenhum tipo de propaganda nesse sentido no país ou incentivou alguém a utilizar a Web para fazer ligações telefônicas. "Estamos dentro da lei, esperando as autoridades se pronunciarem", diz.
E, para a infelicidade das companhias telefônicas, a Anatel, órgão regulador do setor, também não vê mal algum nesse tipo de software. Apesar de ser reconhecido pela agência que, em ligações internacionais, somente a Embratel e Intelig têm aval para operarem, os técnicos do governo não encaram o tipo de serviço prestado por uma ferramenta como o ICQ Phone como "telecomunicação." "Falar pela Internet não é algo que possamos proibir, simplesmente porque não há um órgão regulador ou legislação específica", diz Luiz Perrone, vice-presidente da Anatel.
SER OU NÃO SER IP
Por trás dessa discussão, há uma outra não menos polêmica: afinal, como pode ser definida (legalmente) uma ligação via Internet? Que tipo de serviço é uma chamada realizada por um instrumento de nome ICQ Phone ou qualquer um de seus concorrente, como o Mediaring, Buddy Phone e Net2Phone? Para Perrone, da Anatel, é justamente um problema de definição que tem gerado tantos protestos. "A mídia saiu por aí dizendo que isso é voz sobre IP, e não é."
A resposta, aparentemente mais complicada do que a pergunta, refere-se a um tipo de tecnologia (voz sobre IP) que consiste em pegar uma informação falada, comprimi-la em forma de dados, e desempacotá-la na hora em que atinge o aparelho telefônico do usuário final. Quando o meio de transmissão chamase Internet, o caminho é batizado de "protocolo IP." Com um raciocínio simples, chegaríamos à conclusão de que todo tipo de voz que trafega pela Web, por um caminho, é "voz sobre IP." Mas não é.
Segundo o especialista do setor, Carlos Magalhães, da Deloitte Consulting, para ser considerado voz sobre IP, a transmissão precisa ter uma qualidade mínima. É como se, para ser "futebol", um jogo tivesse que ser, no mínimo, da terceira divisão. "O que esses softwares oferecem por aí é muito ruim. Quase não dá para ouvir nada na ligação... não têm qualidade comercial", afirma Magalhães. Para ele, as operadoras se sentem prejudicadas porque muitas pessoas que usavam o telefone para ligar para outros países estão apelando para a Web, mesmo que a nitidez da voz deixe a desejar.
A empresária mineira Renata Drumond é uma das adeptas do sistema. Grávida de oito meses, ela usa semanalmente um desses softwares, o Connecthere, para conversar com André, o namorado que mora na Espanha, e com a irmã, que mora na Alemanha. "Antes de saber que existia essa possibilidade, pagava uns 35 reais por ligação feita pelo telefone, o que é um absurdo", diz. Segundo ela, conseguir uma boa conexão é questão de sorte quando se usa esses softwares e, muitas vezes, quem atende a ligação do outro lado não ouve nada, mas ainda assim vale a pena tentar. "As empresas de telefonia cobram mais do que deviam por uma ligação", diz.
Mas a má qualidade do serviço não é um problema insolúvel. Já existem empresas oferecendo voz sobre IP propriamente dita, com toda a qualidade necessária para se ter uma conversa perfeita. São transmissões em banda larga, chamadas de ligações de camada "quatro", numa escala que vai até sete e mede o nível de perfeição na circulação de dados pela Web. O serviço só foi adquirido até hoje por grandes corporações e é oferecido por empresas igualmente colossais, tais como Cisco, Alcatel, Avaya, Ericsson, Nortel e Siemens.
"A voz sobre IP veio para substituir o sistema de comunicação tradicional por representar um custo muito menor com uma qualidade idêntica", diz Magalhães. Segundo ele, várias multinacionais e até governos já utilizam essa tecnologia para conversar com suas subsidiárias até mesmo em outros países.
De acordo com a União Internacional de Telecomunicações (ITU), dos atuais 140 bilhões de minutos gastos todos os anos no mundo em ligações telefônicas, 6 bilhões já são via voz sobre IP e, até 2004, essa tecnologia abocanhará 40% do mercado. Em alguns países onde a regulamentação já aconteceu, o crescimento foi colossal: na Hungria, o serviço de voz sobre IP foi legalizado no primeiro semestre de 1999 e no final do ano já eram 40 empresas licenciadas. Em Cingapura, a telefonia sobre IP acabou sendo autorizada em abril de 2000, quando foi criada uma licença especial que engloba voz baseada na Internet e/ou serviço de dados. Após quatro meses, o país já contava com 70 companhias licenciadas. De acordo com Renato Guerreiro, presidente da Anatel, a partir de 2002 haverá uma regulamentação para o setor e quem quiser oferecer essa tecnologia estará liberado no Brasil.