O tom formal tomou conta dos menos de 50 minutos da primeira conversa entre a presidente Dilma Rousseff e o seu vice, Michel Temer, depois da divulgação da carta, na segunda-feira, quando o peemedebista desfiou um rosário de queixas da petista.
A coreografia oficial foi de mostrar que o "cachimbo da paz" foi aceso, com acordo de convivência sendo selado. Mas, na prática, os dois já disputam o poder e um sabe, claramente, que não pode mais contar com o outro. Na conversa Temer aconselhou Dilma a "não interferir" na guerra que está sendo travada na Câmara para evitar que deputados consigam antecipar a convenção do PMDB, que está marcada para março, e assim, o rompimento com o governo possa ser também antecipado, "agravando a crise".
Os dois combinaram as declarações a serem dadas. Temer convocou os jornalistas para se manifestar e disse: "combinamos, eu e a presidente Dilma, que nós teremos uma relação pessoal e institucional que seja a mais fértil possível". Dilma, preferiu distribuir uma nota, assinada por ela, onde afirma que "na nossa conversa, eu e o vice-presidente Michel Temer decidimos que teremos uma relação extremamente profícua, tanto pessoal quanto institucionalmente, sempre considerando os maiores interesses do País".
Leia mais:
Jair Bolsonaro pode pegar até 28 anos de prisão por tentativa de golpe
Golpismo pode levar Bolsonaro a 28 anos de prisão e a mais de 30 inelegível
Coordenador de equipe de Tiago Amaral fala em ‘portas abertas’ durante transição de governo
PF liga tentativa de golpe e caso da 'Abin paralela' ao indiciar Bolsonaro
Segundo informações obtidas pelo Estado, a conversa começou com uma avaliação sobre os pontos da carta escrita por Temer para Dilma, que acabou vazada para a imprensa, o que gerou profunda irritação no vice-presidente. A presidente Dilma teria dito que "ficou refletindo" sobre vários trechos descritos por Temer na carta que davam clara demonstração de desconfiança dela em relação a ele e ao PMDB. De acordo com estas fontes, a presidente teria chegado a reconhecer que errou em alguns casos, fazendo uma espécie de "mea-culpa".
Em seguida, a conversa evoluiu para os problemas que estão sendo enfrentados pelo governo com o PMDB. Temer explicou que, como presidente do partido não pode defender qualquer uma das alas da legenda porque ele está completamente dividido. Aconselhou a presidente Dilma a ouvir mais o partido e lembrou que se mantém há 14 anos neste posto de presidente do PMDB porque dialoga e ouve todas as correntes.
Na conversa, Temer aconselhou Dilma e o governo, em geral, a evitar interceder neste conflito que está instalado na Câmara porque ele "pode agravar a crise". O vice presidente disse a Dilma que "deixe o problema entre os deputados com eles porque, se o governo quiser interferir ali pode haver muito problema muito maior". Em seguida, relatou à presidente que já tem deputado dizendo que quer antecipar a convenção e que isso iria "agravar ainda mais a crise". Dilma teria "ouvido atentamente", mas não disse o que pretende fazer. Ao final, os dois construíram "esta fórmula de convivência pessoal e institucional fértil", anunciada por ambos.
Os dois teriam terminado a conversa "aliviados". Mas, o fato é que não há mudanças drásticas nas relações, nem no quadro de convivência. Na verdade, foi selado uma espécie de "acordo de boa convivência".
Após a reunião com Dilma, Temer seguiu para um jantar na casa do senador Eunício
Oliveira, líder do PMDB. Dilma, por sua vez, foi para o Palácio do Alvorada, onde se reuniu com os ministros Ricardo Berzoini, Jaques Wagner e José Eduardo Cardozo.
Durante o dia, enquanto Dilma estava em Roraima, entregando casas do Programa Minha Casa Minha Vida, Temer estava em Brasília, onde se reuniu com o novo líder do PMDB na Câmara, Leonardo Quintão, que assumiu o posto de Leonardo Picciani, aliado de Dilma que foi destituído do cargo por seus pares. Temer se reuniu também com um grupo de senadores que está apoiando o processo de impeachment contra a presidente Dilma.
Em rápida declaração na manhã de quarta-feira, Temer considerou "legítima" a escolha da comissão do impeachment por votação secreta, que é considerada inconstitucional pelo governo. Na interpretação do vice-presidente, a decisão foi tomada no exercício legítimo da competência dos parlamentares.