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Porta de entrada do SUS, atenção primária registra queda de 49% de consultas

Cláudia Collucci e Flávia Faria - Folhapress
26 jun 2021 às 17:08
- Pixabay
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Há um ano a dona de casa Ana Rosa Moura, 38, tenta agendar uma consulta de rotina com um ginecologista e um clínico-geral na UBS (Unidade Básica de Saúde) Ladeira Rosa, na zona norte de São Paulo. Também não teve sucesso em agendar com o clínico-geral.


"Não fiz o papanicolaou no ano passado. Estou com dor de estômago que não passa há meses. Já me falaram para ir lá e tentar um encaixe, mas eu tenho um bebê de um ano e dois meses, não tenho com quem deixar", diz.

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A doméstica Luzineide França Andrade, 47, vive o mesmo drama, mas triplicado. Em fevereiro de 2020, ela se consultou com um clínico-geral, e as duas filhas, com o pediatra. Fizeram exames laboratoriais e desde então não conseguem nem marcar o retorno para saber os resultados dos testes.

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"Já mandei 'zap', já entrei no aplicativo, já fui pessoalmente e ninguém resolve nada", diz. Sua maior preocupação é com a filha menor, Maria Luiza, 9, que precisa de um encaminhamento para o oftalmologista. "A professora já disse que ela não enxerga a lousa, por isso tem dificuldade de aprender."

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Os dois casos exemplificam o cenário de desassistência vivido na atenção primária, porta de entrada no SUS (Sistema Único de Saúde). A área já vinha sofrendo reduções importantes e, com pandemia, sofreu grande impacto. O número de consultas caiu quase pela metade (49%) em 2020.


A redução chega a 69% em abril e maio do ano passado, no início da pandemia, segundo dados do Datasus, do Ministério da Saúde. A comparação leva em conta a média de procedimentos realizados de 2017 a 2019.

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"Essa queda de 50% na atenção primária é muito impactante. A pandemia vem agravando as fragilidades do SUS", diz o médico Adriano Massuda, professor da FGV.


Segundo ele, a atenção primária já vinha num processo de enfraquecimento. "A cobertura vacinal já vinha decrescendo desde 2015. Depois do fim do Mais Médicos, o número de consultas teve uma queda muito importante. A cobertura pré-natal, os exames citopatológicos, tudo já vinha caindo pré pandemia."

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As políticas de austeridade fiscal adotadas desde o governo de Michel Temer (MDB), como a Emenda Constitucional 95, que instituiu o teto de gastos, e a mudança do modelo de financiamento pelo Ministério da Saúde estão entre as causas desse enfraquecimento, segundo Massuda.


"A resposta brasileira à pandemia foi muito diferenciada na atenção primária. Tivemos municípios fazendo diagnóstico precoce, rastreamento de contatos, mas foram exceções. Muitos fecharam serviços. Não houve orientação técnica do Ministério da Saúde."

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Com isso, houve redução de procedimentos preventivos e necessidades não atendidas. "Isso tudo está virando uma bola de neve. Muitos problemas que poderiam ser prevenidos e tratados na atenção primária vão se agravar, aumentando a pressão sobre os outros níveis do sistema", reforça.


Massuda diz que o país ainda não tem um plano de retomada na saúde pública e que o foco de muitos gestores municipais e estaduais da saúde ainda está no manejo da pandemia.

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"O que vamos fazer com essa demanda reprimida? Precisamos de um diagnóstico disso até porque haverá consequências no financiamento do SUS. O cenário é bastante explosivo."


Segundo o médico de família Fabiano Guimarães, diretor da Sociedade Brasileira de Medicina de Família e Comunidade, os locais com uma atenção primária mais forte conseguiram se organizar mais rapidamente, tanto na criação de fluxos diferenciados de pacientes com Covid e sem Covid quanto no seguimento dos pacientes crônicos.

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Em Belo Horizonte (MG), por exemplo, foram criadas listas de pacientes hipertensos, diabéticos e de gestantes que seriam monitorados pelas equipes de saúde da família.


No entanto, durante a pandemia muitos municípios fecharam unidades e deslocaram os agentes de saúde das suas comunidades para organizar filas de pacientes nos hospitais e nos centros que atendem Covid.


"Já está acontecendo a piora dos hipertensos, dos diabéticos. O cenário é de descompensação de casos que estavam sob controle antes da pandemia", diz Guimarães.


Segundo o médico, os pacientes alegam que deixaram de frequentar as unidades por medo de contrair o coronavírus. "Mas há também os que dizem que não foram porque tinham pena dos profissionais da saúde que estavam trabalhando muito na pandemia."


Para a médica Ligia Giovanella, pesquisadora da Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca (Fiocruz), houve uma queda real de consultas, mas, ao mesmo tempo, muitos pacientes foram atendidos virtualmente e isso não ficou computado no sistema.


Ela é coautora de um estudo que mostrou que 70% dos profissionais de saúde da atenção primária utilizaram seus próprios celulares para acompanhar pacientes a distância. "O sistema de informação dos prontuários não tem campo para esse atendimento", diz.


Já as consultas e procedimentos com especialistas e as cirurgias eletivas foram praticamente paralisadas no ano passado e em muitos locais ainda não voltaram ao ritmo anterior.


"Já existia um gargalo muito importante e isso só piorou. Ainda nem conseguimos medir a magnitude dessas filas de espera", aponta.


Giovanella lembra que, além da demanda reprimida, o sistema de saúde enfrentará novas necessidades em saúde criadas pela pandemia, como os pacientes sequelados pela Covid-19, os enlutados e os que passaram a sofrer de alguma doença mental.


Isso tudo com um orçamento do Ministério da Saúde mais enxuto em relação a 2020, já que os aportes extras aprovados no ano passado para o enfrentamento da pandemia não foram incorporados neste ano.


Outro lado


Em nota, a Secretaria Municipal da Saúde, informa que, com a pandemia, os atendimentos eletivos foram reduzidos, centrando-se na assistência a pacientes com doenças crônicas, gestantes e crianças e no atendimento aos sintomáticos respiratórios.


"A prioridade do atendimento da ginecologia no momento é para gestantes. Os casos são avaliados individualmente após análise no acolhimento da enfermagem. Em relação ao atendimento da clínica médica, o processo é o mesmo, com prioridade para o atendimento das pessoas com Covid-19."


Em relação à queixa de Luzinete França Andrade sobre a consulta com oftalmologista, diz que a "paciente precisa passar em consulta com o médico clínico e, se necessário, ter um encaminhamento para ser agendado em um equipamento que ofereça essa especialidade." A paciente diz que já fez isso ano passado e que não consegue o encaminhamento.

Segundo a secretaria, as demais consultas e procedimentos serão retomados de acordo com o cenário da pandemia. "Essa medida é necessária, pois o agendamento dos serviços impacta diretamente no planejamento das equipes para organizar suas agendas e poder dar o melhor atendimento e assistência às procuras espontâneas."


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