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Rejeição à máscara contra Covid passa por visão política, mas não só

17 ago 2021 às 10:12


Basta dar uma volta nas ruas para ver que, mesmo após um ano e meio de pandemia, ainda tem gente que não se convenceu da importância de usar máscara, medida que comprovadamente evita a disseminação do coronavírus.

Cálculos mentais incorretos sobre risco individual, visão política e até questões de gênero influenciam a adesão das pessoas às máscaras, mostram estudos científicos.


Um dos motivos que podem explicar a recusa de uso da proteção é a identidade política, aponta estudo publicado em dezembro de 2020 na revista Latin American Politics and Society (política e sociedade latino-americana, em livre tradução), da Universidade de Cambridge.


Os pesquisadores Tiago Ventura, brasileiro que cursa o doutorado em governo e política na Universidade de Maryland, e Ernesto Calvo, professor da pós-graduação da universidade, investigaram como as preferências partidárias no contexto brasileiro alteram a visão das pessoas sobre o risco da Covid-19.


Na pesquisa, Ventura e Calvo aplicaram questionários a apoiadores e críticos do governo de Jair Bolsonaro (sem partido) com o intuito de investigar as percepções individuais de risco, levando em consideração a pandemia de coronavírus, e opiniões político-partidárias.


"Eleitores que responderam que votariam em Bolsonaro em uma nova eleição também se sentiam menos expostos ao risco de ser contaminados ou de perder seu emprego por conta do vírus", afirma Ventura.
Embora a pesquisa trate de visão política e perspectiva de risco sobre a Covid-19 sem especificar o uso de máscara, o pesquisador diz que o fato de a pessoa se sentir menos exposta ao perigo que o vírus traz tem conexão direta com não acatar os protocolos sanitários.


"Estudos mostram que cidades com maior quantidade de votos em Bolsonaro tiveram também maior mortalidade, provavelmente porque as pessoas têm menor percepção de risco e menor adesão a medidas sanitárias", diz Ventura.


Outras pesquisas internacionais também abordam como a identidade política influencia padrões comportamentais no contexto pandêmico.


"Em 2020, foram feitos vários estudos nos Estados Unidos sobre atitudes na pandemia, que mostram uma correlação muito forte entre a pessoa ser do partido republicano [do ex-presidente Donald Trump, também negacionista da pandemia] e não adotar medidas [de prevenção] ou ela ser eleitora do partido democrata e acatar essas ações", diz Ricardo Horta, professor do curso de neurociência e comportamento da Enap (Escola Nacional de Administração Pública).


Outra explicação para a resistência à proteção facial é o meio social, afirma o pesquisador. Seres humanos não calculam a probabilidade de algo ocorrer somente com base em dados estatísticos, mas também se baseiam no contexto social.


"Nós calculamos a probabilidade de um evento acontecer conforme a facilidade que ele vem à nossa memória. Se você teve casos [de Covid-19] em seu entorno, você vai sentir a necessidade de se resguardar. No entanto, se nada está acontecendo ao seu redor, mesmo que seja uma realidade no resto do país, você tende a flexibilizar, por achar que o risco não é tão grande. Na economia comportamental, chamamos isso de falácia do jogador", afirma o pesquisador.


Estudos na área da economia comportamental também apontam que exemplos de comportamento dados por celebridades ou líderes políticos influenciam a população a mudar de atitude.


Outra razão que pode explicar a não adesão à máscara se relaciona com o gênero. Segundo pesquisa Datafolha de março de 2021, 75% das mulheres pretendiam se vacinar, ante 64% de homens. Pesquisas anteriores do instituto, ao longo de 2020, também indicavam que um percentual maior das mulheres diziam ficar em casa ou só sair em caso de necessidade do que dos homens.


"Por conta da divisão de gêneros do trabalho, há uma responsabilidade maior assumida por mulheres em relação ao cuidado de pessoas mais vulneráveis, como idosos, indivíduos que estão doentes e crianças. Isso pode levar a uma adesão maior a práticas no sentido de evitar a própria contaminação e também a contaminação de pessoas próximas", diz Flávia Biroli, professora de ciência política da UnB (Universidade de Brasília).


Mesmo assim, a professora ressalta que práticas de cuidado, como uso de máscaras de proteção, não devem ser vistas como algo natural às mulheres. Ela também afirma que não há como confirmar que mulheres realmente se protegem mais do coronavírus que os homens. "As mulheres estão em uma situação muito ruim em termos de inserção nas relações de trabalho e por isso elas estão, possivelmente, menos expostas [ao vírus] do que os homens."


Jean Segata, professor de antropologia da UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul), afirma que razões financeiras também influenciam a não utilização de máscaras. O antropólogo faz parte da Rede Covid-19 Humanidades MCTI, que realiza pesquisas para entender os impactos da pandemia em profissionais da saúde e em grupos vulneráveis, como idosos e trabalhadores essenciais.

Ele diz que há necessidade de políticas públicas de conscientização sobre o uso de máscaras e também distribuição delas para a população vulnerável, que não tem condições de arcar com seus custos. "A distribuição de máscaras seria muito mais barata, quando comparada à de medicamentos como cloroquina e ivermectina", diz Segata.


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