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Estudo inédito

Cientistas investigam se mamíferos podem respirar pelo reto

Isabela Lobato - Folhapress
21 dez 2021 às 10:15
- Reprodução/Pixabay
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Diz o clichê platônico que a necessidade é a mãe da invenção, mas no caso do cientista japonês Takanori Takebe o mais correto é falar em paternidade.


Acometido por uma infecção pulmonar, seu pai precisou ser intubado e, diante dos sérios riscos que a ventilação mecânica pode causar aos pulmões, o filho apelou ao inusitado: e se os mamíferos, como alguns peixes, pudessem respirar pelo reto?

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"Felizmente, ele sobreviveu, mas, quando eu vi que foi só por sorte, comecei a pensar com urgência sobre formas alternativas de respiração", contou à reportagem o gastroenterologista, que é professor no Cincinnati Children's Hospital Medical Center (EUA) e na Tokyo Medical and Dental University, instituição japonesa protagonista nessa pesquisa.

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Usada em pacientes com insuficiência respiratória, como aqueles com quadros graves de Covid, ou que passam por grandes procedimentos, a ventilação mecânica é um procedimento invasivo, que pode gerar inúmeras complicações.

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As mais comuns são pneumonias e traumas pulmonares, mas podem ocorrer também complicações cardíacas e circulatórias, segundo Marcelo Alcântara Holanda, pneumologista da Comissão de Terapia Intensiva da Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia e um dos criadores do Elmo, capacete de respiração assistida usado com sucesso em pacientes da Covid-19 no Ceará.


Foi nesse momento de angústia que entrou em cena a curiosidade de Takebe. O pesquisador lembrou que animais aquáticos, como o bagre-americano e a aranha-do-mar, são dotados de mecanismos de respiração intestinal para sobreviver sob hipóxia, condição de escassez de oxigênio.

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O cientista juntou então uma grande equipe para descobrir se o mecanismo poderia funcionar também em mamíferos. Os experimentos realizados com ratos, camundongos e porcos consistiram em privar os animais de oxigênio e testar diferentes formas de inserção pelo ânus.


No primeiro experimento, utilizou-se oxigênio gasoso, que atinge os melhores resultados se aliado à raspagem do muco retal, mas a alternativa foi abandonada: a prática pode ser prejudicial ao sistema digestivo.

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Quando íntegra, a mucosa do intestino tem uma função de barreira, impedindo a passagem de certas substâncias e também de microrganismos, explicam os irmãos proctologistas Bruno e Marcelo Giusti Werneck Cortes, respectivamente presidente e diretor de marketing da Sociedade Mineira de Coloproctologia.


Ou seja, lesar a mucosa intestinal intencionalmente não é um procedimento isento de riscos, uma vez que perde-se a função protetora contra a passagem de agentes potencialmente nocivos, como bactérias e vírus, para a corrente sanguínea e todo o organismo.

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No segundo teste, os cientistas da equipe de Takebe usaram PFC (perfluorocarbono) oxigenado, uma solução aquosa rica em oxigênio, conhecida por ser versátil e compatível com o corpo humano. Inserido por via retal, o líquido facilitou a troca de gases com a superfície do intestino.


No grupo controle, que não teve nenhum tipo de intervenção, nenhum dos animais sobreviveu por mais de 11 minutos. Já no grupo que recebeu oxigênio gasoso e teve o muco raspado, a taxa de sobrevivência foi de 75%, e os animais suportaram em média 50 minutos em privação extrema de oxigênio.

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Os animais que receberam a solução aquosa de PFC tiveram resultados semelhantes e, em ambos os casos, não houve efeitos colaterais –mas os autores destacam que não foram estudados possíveis impactos a longo prazo.


A troca gasosa no intestino só é possível porque o reto dos mamíferos tem uma complexa rede vascular conectada à circulação sistêmica. Isso não é novidade: existem medicamentos que são comumente administrados via retal e são conhecidos por sua ação rápida.

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Podem ser utilizados para ação local ou em casos em que a via oral é contraindicada, como quando o paciente apresenta irritações no sistema digestivo superior ou está impossibilitado de engolir, por exemplo.


A absorção de medicamentos pelo reto pode ser muito rápida dependendo da formulação usada, sendo uma via importante de aplicação de fármacos em situações de urgência, como em convulsões em crianças, contam os proctologistas Marcelo e Bruno Giusti.


Mesmo assim, é importante saber que a técnica de oxigenação está longe de poder ser aplicada em tratamentos humanos. A pesquisa precisa passar por outras etapas, e a incorporação clínica pode levar até uma década.


No momento, não há nenhuma pesquisa em andamento para estudo da ventilação enteral em humanos. Takebe espera que seja possível começar uma em 2022 através da startup que fundou, a EVA Therapeutics Inc (EVA é a sigla em inglês para ventilação enteral via ânus).


"É a primeira vez que o tema é estudado, mas é interessante notar que há 400 anos um método levemente parecido, embora não o mesmo, era usado em práticas medicinais tradicionais", diz o cientista.


Ele se refere a uma prática tradicional de etnias indígenas norte-americanas, o enema de fumaça de tabaco. O método consistia em soprar fumaça de tabaco no ânus de enfermos por meio de um longo tubo. Inicialmente, a fumaça era aplicada para reavivamento e aquecimento, especialmente em vítimas de afogamento.


Com a colonização da América do Norte, os europeus importaram a técnica e passaram a utilizá-la para as mais variadas demandas. Existem registros de usos do enema de fumaça de tabaco para fins simples, como dor de cabeça e resfriados, até hérnias, febre tifoide e cólera.


A prática, no entanto, caiu em desuso a partir do século 17, quando o médico britânico Benjamin Brodie demonstrou a toxicidade da nicotina.


Os cientistas que continuarem os estudos da ventilação enteral terão muitas perguntas a responder e limitações a contornar. Será necessário descobrir, por exemplo, como conciliar o uso do reto para respiração com as necessidades fisiológicas do sistema digestivo, como a própria evacuação.

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