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Opinião de pesquisador

'A lição da pandemia será reconstruir um sistema educacional solidário', diz pesquisador

Paulo Saldña - Folhapress
17 mar 2021 às 10:00
- Pixabay
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Diretor da Faculdade de Educação da Universidade de Genebra (Suíça), Abdeljalil Akkari visitou o Brasil com regularidade nas últimas três décadas. Isso lhe permitiu uma visão privilegiada sobre a realidade educacional brasileira na comparação internacional.

A educação comparada é uma de suas áreas de atuação, com especial atenção para as desigualdades. Nascido na Tunísia e radicado na Suíça, Akkari voltou ao país na terça-feira (16), de forma remota, para falar sobre o legado do educador Paulo Freire, intelectual brasileiro mais reconhecido no mundo, mas alvo de ataques por parte do governo Jair Bolsonaro e de seus apoiadores.

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Ele participou do Seminário Internacional Arte, Palavra e Leitura, realizado pelo Itaú Social e Sesc São Paulo. A mesa "Paulo Freire, presente!" celebra o centenário do educador. À reportagem, Akkari diz que o pensamento de Freire se tornou ainda mais necessário no contexto da pandemia.

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O professor diz não ver condições de o governo atual melhorar a educação, embora os problemas sejam estruturais. Segundo ele, é essencial não ter pânico com relação à interrupção de aulas, mas o sistema educacional tem de ser repensado.

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Pergunta - O senhor acha que a pedagogia de Paulo Freire, que é uma referência internacional, tem ganhado atenção especial durante a pandemia?

Abdeljalil Akkari - É uma vergonha para o Brasil fazerem uma conexão entre Paulo Freire e os problemas da educação. A questão de Paulo Freire ser atento atento à desigualdade, pobreza, ao oprimido, é realmente muito importante nessa época da pandemia. O segundo ponto é a questão da educação humana. A educação tem que passar pela emoção, pela relação pessoal e descobrimos na pandemia que a tecnologia não pode tomar esse lugar.


Há ainda a questão da fragilidade da democracia. Na obra de Freire, uma parte importante é que ele queria educar os trabalhadores sem-terra para que pudessem votar. Daí a relação com o período atual, porque viver em democracia sempre tem ameaça. Tenho interesse em trabalhar com refugiados, e muita gente está usando a pedagogia de Paulo Freire. Várias universidades da Alemanha usam sua pedagogia com refugiados.

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O Brasil é um país continental, marcado por fortes desigualdades. Podemos aprender algo com outros países em meio à pandemia ou nosso caso é muito singular?

AA - Não acredito que o Brasil seja tão singular. A desigualdade existe em todo mundo, em vários países continentais. O Brasil melhorou no crescimento econômico, investimento, infraestrutura, mas no nível de educação não fez o mesmo progresso. Justamente porque não seguiu políticas estruturais para melhorar o sistema educacional.


Ainda há uma indefinição de quem cuida da educação fundamental, média e superior. Normalmente tem que municipalizar toda a educação básica, mas no Brasil vai se encontrar escolas municipais, estaduais e até federal. Tem a questão de financiamento, um problema político. O Brasil gasta muito em educação, mas não de forma estrutural. Tem que pensar quanto uma criança brasileira merece dos gastos e ter uma estabilidade da estrutura do país de norte a sul.

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Sabemos ainda que o fator mais importante é o tempo que os alunos passam na escola. Se quer melhorar o resultado, tem que melhorar a permanência. O tema central é a escola de tempo integral, essa deveria ser a agenda nacional.


O Brasil tem milhões de crianças e jovens excluídos do sistema educacional e, em paralelo, uma crise de aprendizagem. Como lidar com isso tudo?

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AA - O desafio é muito grande, mas tudo é possível. Sempre que vou ao Brasil vejo muitos jovens saindo de noite com caderno para o EJA [Educação de Jovens e Adultos], o que não se vê em outros lugares. Essa ideia de esperança na mudança pela educação existe, temos que encontrar meios para manter essa dinâmica.


Muitos jovens preferem sair do ensino médio, ir trabalhar e entrar no EJA. Isso mostra que a escola tem de mudar. E se o Brasil não conseguir trazer a volta da classe média para a educação pública não vai conseguir melhorar a qualidade.

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A figura do professor sairá fortalecida da pandemia?


AA - Sai muito fortalecida. Todo mundo está convencido de que o aprendizado é presencial, mesmo na universidade. A tecnologia sempre fica como instrumento de reforço. Depois da pandemia vamos retornar a uma perspectiva mais holística.
Mas o Brasil tem que formar melhor os professores. A maioria dos alunos de pedagogia é formada a distância. Se o país quer melhorar, tem que proibir as universidades de formar professores a distância, obrigar estágio. É um tema importante, mas os interesses econômicos são muito grandes.

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Quando estou no Brasil, em uma escola de elite, pergunto quem quer ser professor e encontro zero. Isso é grave. Se quer melhores resultados no [exame] Pisa, melhorar a alfabetização, tem que pensar primeiro em atrair para a profissão docente os melhores alunos. Se não conseguir fazer isso, não vai dar certo. A profissão docente tem que se tornar desejada.


O problema é que não tem estrutura política e isso é uma crítica também para governos anteriores. Houve momento político para reformas e não foi feito. Precisamos de uma grande reforma para melhorar a formação prática, mas toda reforma vai precisar de consenso político, e parece que isso vai faltar. Não creio que o governo atual com toda sua fragilidade, para não falar loucura, tem força para fazer. Há que se pensar no próximo governo, para que todos se conectem num debate nacional.


Há no governo atual uma visão de que a escola deve ser focada no aprendizado formal em detrimento de uma formação mais cidadã, inclusive com movimentos para barrar determinados temas. Essas dimensões são conflitantes?


AA - É um pouco da herança pedagógica brasileira. Sempre fiquei intrigado que o instrumentalismo tem conotação muito negativa no Brasil. Na escola precisamos de instrumentos. Mas não precisamos fazer uma oposição entre escola que forma cidadão e que forma as bases. Precisamos fazer os dois, e é possível. No Japão tem disciplina, aprende muito matemática, japonês, tem testes, mas ao mesmo tempo tem uma escola que os próprios alunos cuidam da limpeza coletiva.


A pandemia provocou impactos no aprendizado e ampliou as desigualdades. Isso é um resultado impossível de reverter?


AA - Eu sempre falo que é preciso ter calma. Você acredita que antes da pandemia os alunos estavam aprendendo o tempo todo? Estamos em um momento excepcional, tem o distanciamento social e a prioridade é a vida.


A lição da pandemia será reconstruir um sistema educacional solidário que olhe para os mais frágeis, por isso vai necessitar mais recursos. O sistema precisa melhorar sua resiliência, sua capacidade de enfrentar problemas, porque quem mais se fragilizou foram os que já estavam frágeis. Mas também evitar pânico quantitativo. A educação não é como bronzear-se na praia.


O que aprendemos justamente com Paulo Freire é que a educação nunca acaba e sempre tem chance para recuperar-se. Freire trabalhou com gente que estava perdida por todos, analfabetos, pobres, isolados no Nordeste, e acreditou que, mesmo quando há a pior condição, você pode mudar. Na pandemia vejo igual. Precisamos mudar muita coisa mas nada acabou.


O senhor tem otimismo com o Brasil?


AA - Sempre estou otimista pelo Brasil. Vejo que o país está passando por um momento político tenso, mas necessário. O Brasil está descobrindo que pode não ser um país tão progressista. Sou otimista porque vejo diversidade e possibilidades, o Brasil tem potencial de mudança baseado na sociedade civil. E o brasileiro está aberto à influência externa, mesmo que às vezes até um pouco demais.



RAIO-X

Abdeljalil Akkari, 60, é professor e diretor da Faculdade de Educação da Universidade de Genebra (Suíça), responsável pela linha de pesquisa Dimensões Internacionais da Educação. Doutor em Ciência da Educação pela mesma instituição, realiza estudos sobre desigualdades educacionais, pedagogias alternativas, educação comparada e conexões entre culturas multiculturalismo. Já atuou nas universidades de Freiburg, Berne-Jura-Neuchâtel (Suíça) e Maryland (EUA), além de ser consultor regular de organismos internacionais.


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