"Para que vou usar isso na minha vida?”. A pergunta é uma das mais comuns dentre os alunos do ensino básico, de acordo com os estudantes de engenharia mecânica Letícia Barcala e Marco Andrade. Para responder à questão, foi criado em 2019 o projeto Pistobusão, uma iniciativa de estudantes e professores da UTFPR (Universidade Tecnológica Federal do Paraná). "Nós usamos a engenharia mecânica, o que aprendemos dentro de nossa sala de aula na faculdade, e ensinamos a eles de maneira prática, com jogos e dinâmicas, os conteúdos que eles aprendem na teoria”, conta Andrade, um dos 14 estudantes que participam do projeto, que é coordenado por dois professores do curso.
Tudo começou com um velho ônibus abandonado. Integrantes do departamento de engenharia mecânica da universidade decidiram reformá-lo e levá-lo às escolas de Londrina. O 'Pistobusão', como o nome sugere, é um ônibus-laboratório, no qual os alunos do ensino básico podem aprender conteúdos de matemática e das ciências da natureza de forma criativa, por meio de brincadeiras e experimentos, sem que as escolas precisem pagar por isso.
"Foram retirados todos os bancos de dentro, virou um laboratório mesmo. Então tem bancadas, tem algumas cadeiras, para trabalhar no ônibus”, explica Andrade. "O nosso trabalho é basicamente trazer as matérias para a realidade do aluno. Para conseguirmos colocar na cabeça de uma criança por que um mais um é dois, por que o céu é azul, como é o uso de cálculo no dia a dia, para os alunos mais velhos, nós buscamos mostrar de uma maneira criativa, que não fique maçante”, pontua.
Leia mais:
2024 é o ano mais quente da história da humanidade, calcula observatório Copernicus
Governo poderá decidir futuro de colégios que não registrarem quórum mínimo em votação
Após reforma e ampliação, Londrina entrega Escola Municipal na Zona Norte
Estudante de Rolândia vai jantar com Lula e representar o Paraná em evento nos EUA
Convidar os alunos a fazer parte da produção do conhecimento é um dos pontos fundamentais do projeto. "Nós vimos nessa maneira de ensinar uma forma de criar interesse pela educação”, afirma Barcala. "É importante que o aluno veja a educação não como uma obrigação, mas sim algo que ele goste. Queremos que eles pensem: ‘Eu vou à escola porque lá aprendo coisas bacanas, porque entendo pra quê isso serve na minha vida e onde isso vai ser utilizado’”, frisa.
Evasão Escolar: uma das grandes dificuldades da educação no Brasil
Barcala e Andrade esperam que o projeto contribua para diminuir os índices de evasão escolar no Brasil. Segundo a Pnad (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios) Contínua de 2019, a média brasileira de estudantes que não concluem o Ensino Médio é de 36,5%.
Os dados posteriores ao início da pandemia, porém, são ainda mais chocantes: 4 milhões de estudantes brasileiros entre 6 e 34 anos de idade abandonaram os estudos em 2020, segundo pesquisa do Datafolha/C6 Bank. Nesse último estudo, os dados apontam que 10,8% dos alunos de Ensino Médio, e 4,6% de Ensino Fundamental do Brasil, deixaram a escola somente em 2020.
Problemas financeiros e dificuldades para acompanhar o ensino remoto foram as principais razões apontadas no levantamento para os alunos deixarem os estudos no ano em que começou a pandemia. Os integrantes do Pistobusão, no entanto, apontam para mais um motivo que tampouco pode ser ignorado: a falta de identificação do aluno com o que está sendo ensinado. "Depois de entrarmos nesse mundo da educação, nós começamos a estudar sobre as metodologias ativas, como uma forma de gerar no aluno um interesse em aprender”, comenta Andrade.
As metodologias ativas envolvem atividades que incluam o estudante como participante no aprendizado. "Buscamos desenvolver no aluno algumas habilidades interpessoais, comunicação, liderança, trabalho em equipe, pensamento crítico”, aponta. "Nós criamos dinâmicas em que eles são colocados numa situação imaginária, e para sair dessa situação eles tem que usar os conteúdos que aprenderam na escola”, exemplifica.
Além de incitar o interesse nos conteúdos, o projeto busca mostrar aos alunos a variedade de profissões para as quais os conhecimentos de sala de aula serão úteis. "Nós buscamos mostrar, principalmente, todas as áreas das Engenharias e como eles vão usar esses conteúdos”, diz Barcala. "Queremos que o aluno continue na escola por ele gostar de aprender, e que conheça as áreas nas quais poderá ingressar depois”, ressalta.
Pistobusão na pandemia
Desde o início da pandemia de Covid-19, o projeto tem focado em transmitir conteúdos por meio de suas páginas no Instagram, no Facebook e no canal do YouTube. Andrade e Barcala informam que têm desenvolvido vídeos, metodologias e modelos de atividades que possam ser utilizados por professores de todo o Brasil. "Já trabalhamos com o Acre, com o Piauí, com o Rio de Janeiro, com Minas Gerais”, exemplificam. Os estudantes oferecem consultorias online para professores e já trabalharam com cerca de 10 escolas de várias regiões do país.
Além conteúdos online, o Pistobusão firmou parceria com a secretaria Municipal de Educação de Londrina. A secretaria enviou a grade curricular do 1º ao 5º ano da Rede Municipal para que os integrantes do projeto criem aulas contendo essas matérias, bem como jogos e atividades para que os professores da Rede possam usar com os alunos. "Estamos produzindo vídeos, modelos de atividade, softwares, imagens, e faremos reuniões com os professores via meet para orientar sobre a aplicação”, revela Andrade, ansioso pelo início das atividades. "Ainda é incerto quando começarão a aplicar, por conta da situação do ensino híbrido ainda não estar completamente definida”.
Para o futuro, Barcala e Andrade esperam que o projeto possa expandir para todos os tipos de escola. "Queremos que possa chegar a escolas estaduais, municipais, particulares, na Apae (Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais), temos esse objetivo também”, concluem.
*Sob supervisão de Larissa Ayumi Sato.