O jornalista José Castelo, autor de diversas biografias sobre nossos escritores, entre eles Vinícius de Moraes e Rubem Braga, e dono de uma coluna semanal no Caderno Dois do jornal O Estado de São Paulo, está se lançando como romancista. Com 20 anos de carreira e 50 de idade, Castelo há sete anos mora em Curitiba, e a convite da Editora Record escreveu seu primeiro romance, que tem a cidade como cenário. "Fantasma" foi lançado na capital oficialmente na Livrarias Curitiba da Boca Maldita, mas a data não foi das melhores. A imprensa estava inteiramente voltada para o Festival de Teatro.
No entanto "Fantasma" vai construindo, por si, sua carreira. "A primeira coisa que sinto é que a reação das pessoas a ele é diferente em relação a meus livros anteriores. Estes eram biografias ou retratos, então tinha o chamativo dos personagens que eu retratava", comenta Castelo. No romance faltam personagens, argumenta o autor. Mesmo assim ele se diz surpreso com a resposta do público: são telefonemas, e-mails, "gente me procurando para falar coisas interessantes".
O desenrolar da obra se passa na obsessão de um arquiteto que depois de concluir um tratado acaba por destruí-lo. Esse homem mora próximo ao Jardim Botânico, um dos cartões postais curitibanos, é cheio de manias e dores, hipocondríaco, amargo. A esse quadro vem a somar-se a frase dita por uma mulher, que o aborda numa de suas caminhadas: Paulo Leminski não morreu. A frase que vaga na cabeça do personagem é mais um dos sintomas obsessivos do homem. "Leminski não chega a ser um personagem", observa Castelo.
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A história deste livro começou ano passado quando a Record convidou o jornalista a escrever um ensaio sobre Curitiba. Depois de uns dois meses "quebrando a cara e odiando" aquilo que estava fazendo, Castelo começou a rascunhar a história de um arquiteto que recebera encomenda semelhante e fizera o livro. Mas por não gostar daquilo que criara, passa a narrar suas confissões. "Aos poucos comecei a perceber que essas anotações estavam muito mais interessantes do que o ensaio que estava tentando escrever", lembra o autor. Assim surgiu o romance, cujo tema principal é o fracasso, segundo afirma.
Esse homem quase envolto em brumas, teria uma pegada com Curitiba? José Castelo diz que sim: "Uma das marcas da cidade é a introspecção". O curitibano padrão ele disseca como sendo "reservado, discreto". Por outro lado há um aspecto negativo: "São pessoas muito cheias de suspeitas, desconfiadas".
Apesar dos muitos "estrangeiros" residindo aqui - no qual o escrito carioca se situa - o habitante padrão ainda cultiva a idéia de que Curitiba "paira sobre o Brasil", com todos os exageros de capital perfeita, ecológica, cidade modelo. É uma cidade como as outras, uma metrópole com as mesmas mazelas das demais. O arquiteto do livro faz parte desse reduto, com a distinção de que ainda carrega um perfil psicológico doentio. "Ele é um sujeito basicamente afogado nas palavras", explica seu criador. "Na verdade o tema central do Fantasma não é nem o Leminski, nem Curitiba. É a língua, a relação da gente com as palavras".
Apesar do tema ser o labirinto na cabeça de uma pessoa, o escritor aproveita para fazer algumas considerações sobre o incensado poeta. Enfim, Leminski é outra das inevitáveis referências locais, mas para Castelo "ele me interessa mais como personagem que como escritor, até porque tenho a impressão que Curitiba fez dele um personagem, o santificou, tentou usá-lo como símbolo de uma série de coisas às quais não estava relacionado". O escritor continua em suas observações:
- Eu acho que Leminski foi basicamente um grande rebelde, um cara de uma inquietação enorme, de não gostar das coisas mornas. Eu me interesso muito mais por esse personagem e pelas coisas que aconteceram com ele depois de morto, a maneira como a imagem dele é manipulada hoje do que propriamente pela sua poesia. Entre a poesia e os ensaios dele, gosto mais dos ensaios, embora ache que ficaram datados e não concorde com grande parte das idéias que defendia. Mas, como digo, Leminski não é um personagem do livro, na medida em que ele não aparece. Ele é apenas uma obsessão de que o arquiteto sofre.
Sendo o romance "o gênero da liberdade absoluta", o campo está aberto para a fantasia. O exercício dessa particularidade encantou sobremaneira José Castelo, que retomou um outro livro que vinha escrevendo há dois anos. "Essa liberdade absoluta que a ficção dá é uma coisa apaixonante, embriagadora. Estou adorando. E é por isso que tomei a decisão de trabalhar com ficção".
Na verdade, o escritor está se rendendo a uma evidência que vem tomando corpo nos últimos tempos. Começou assim que se mudou para Curitiba. "Talvez tenha a ver com o clima da cidade, com essa introspecção das pessoas, uma certa solidão que faz parte daqui, as pessoas vivem muito em casa, o frio...", tenta explicar. Mas os últimos dois anos foram decisivos, e com "Fantasma" definiu-se de vez o caminho. Mesmo as crônicas que publica no "Estadão" são contos, tanto assim que uma editora de São Paulo propôs editá-los como um volume de contos.
A experiência vivida por Castelo ao tentar escrever um ensaio e ver surgir um romance que transbordou sobre o projeto inicial, foi benfazeja. Ele conta:
- O que essa experiência me trouxe de forma definitiva é deixar claro de uma vez, para mim, que o meu campo é a ficção. Se as pessoas vão gostar do Fantasma ou não, se é um livro bom ou ruim isso é outra discussão. Independente disso, é o que eu quero fazer e vou continuar fazendo. Claro que minha expectativa é que as pessoas gostem, qualquer escritor quer isso. Mas eu falo de coração: mesmo que não tivesse as reações positivas que estou tendo com o livro, ainda assim nada me afetaria nesse projeto em que estou, porque sinto que é uma coisa que se impôs para mim. É o que gosto de fazer e é o que farei daqui a frente.