O jornalista e escritor Nilson Monteiro tem especial queda pelos bares. É em torno das mesas que rolam as conversas, a vida passa com seus encantos doces e trágicos. Nos balcões, o destino descansa os cotovelos, revela segredos, conta histórias. Por essas e outras é que o jornalista dedicou boa parte de seu tempo a escrever crônicas onde fala dos bares e de seus habitantes, que são as pessoas de todo o mundo.
Um apanhado desse material - mais precisamente 40 textos - serviu de matéria prima para o livro "Pequena Casa de Jornal", editado pela Imprensa Oficial, que será lançado amanhã (dia 18), às 19 horas, em Curitiba, no Espaço Arte e Cultura da Telepar Brasil Telecom.
Nas 110 páginas do volume não só os bares estão em cena. Tem também os pardais que são pássaros donos de uma nobreza sempre negada pela cegueira dos mortais; o falcão, que todos os anos migrava para ares mais quentes e deixava os londrinenses embasbacados com sua realeza; o céu de Londrina que, de tão azul, faz com que os ventos soprem azuis.
Leia mais:
Réveillon do Rio terá Caetano Veloso, Ivete Sangalo, Maria Bethânia e Anitta
Eduardo Paes sugere show de Lady Gaga no Rio de Janeiro para 2025
Anitta, Ivete Sangalo, Bethânia e Caetano estão entre as atrações do Réveillon do Rio
Coachella anuncia Anitta e Alok em edição liderada por Lady Gaga e Travis Scott
Na explicação de Nilson Monteiro, os habitantes da "Pequena Casa de Jornal" são pessoas comuns, com as quais se convive no dia-a-dia, aquelas que dividem um lugar na mesa dos botecos - "sofisticados ou em final de linha" -, nos bancos de ônibus, e especialmente nas redações dos jornais. "Grande pedaço da minha vida passei dentro de jornal. São 31 anos de labuta imprensarial", contabiliza o jornalista que em outubro completa seu "primeiro cinquentenário".
A vida passa pelos bares? "Obrigatoriamente", responde Monteiro. "Assim como passa dentro de igrejas, de religiões - algumas mais crentes do que as outras. Tudo tem a ver com boteco que é a instituição mais democrática que existe em todos os sentidos". A começar pelo bolso do freguês que pode estar disponível a uma cachaça ou até ao esnobismo do uísque; tomar na mesa ou no balcão. Defensor perpétuo desses territórios, o jornalista mostra suas razões:
- Você fala de futebol, de saias, discute política, inflação, apagão. Então o bar é uma instituição democrática em si e por si, pela sua própria natureza. Daí que o livro é todo ele feito de bar, e também de várias cidades. Entre elas Curitiba, Londrina, Paranavaí que são marcantes em minha existência. Mas, sobretudo, ele é feito de pessoas.
A terna sensibilidade de Nilson Monteiro torna-se ainda mais intensa quando se detém nos personagens contidos nas crônicas. Todos que estão ali carregam a afeição do autor. Ele confessa que "sem nenhum pedantismo" a diferença que existe nos textos de "A Pequena Casa de Jornal" é a igualdade humana.
O segredo "é você enxergar em qualquer pessoa, seja o rei, o vassalo, o governador, o engraxate, o ascensorista algo mais do que essas funções. Enxergar uma pessoa, o que ela sente, o que corre dentro de sua veia, do seu osso. Qual o sentimento dela diante das coisas?", ensina Monteiro.
Ele se comove às lágrimas quando fala de Garrafa, "magriço, a barriga redonda, os braços balangando, pensos", como descreve no início da crônica. Era um pobre coitado, alcoólatra, acuado na vida: a mãe lavadeira, as irmãs prostitutas. Pedreiro, ia trabalhar de bicicleta, levando a marmita do almoço. Quando voltava, bebia, tomava todas. Em meio ao sufoco, uma réstia de luz: o irmão Mané, funcionário da Prefeitura, que jogava futebol num time de várzea.
Dona Zica, outra de suas personagens retratadas era dona de boteco. "Mãezona. Ela cuidava não só de dezenas de passarinhos, mas de todos nós que estávamos ali. Assim como o Padre, que é dono de um bar fantástico. Acho que é único bar que tem alma", continua Monteiro.
"É um muquifo, não cabem quatro mesas ali, mas foi onde presenciei coisas maravilhosas: desde strip-tease até uma canja maravilhosa do Zeca Pagodinho às 3 da manhã, depois dele ter dado um show num clube. Teve até missa com padre e batina rezada ali dentro às sete da manhã".
Ao citar essas pessoas o autor tenta explicar a finalidade do livro - ele vai além da simples exposição de histórias, para mostrar o tecido complexo da existência. São vidas transitando por suas páginas e não somente nomes impessoais e distraídos como se as histórias de cada um terminassem aí.
Esse olhar aprofundado para dentro da alma, buscando dores e ternuras, é uma das características marcantes de Nilson Monteiro. Ele credita à mistura do sangue espanhol do pai com o sangue baiano da mãe as lágrimas soltas. "Sou chorão emérito", entrega-se. "Não consigo ir na igreja e rezar Pai Nosso sem chorar. Porque não estou simplesmente rezando um Pai Nosso, mas para quem estou rezando. Aí não tem jeito, lubrifica a alma e os olhos".
Com os sentimentos à flor da pele, a alma em carne viva, é claro que o sofrimento é maior, mas em compensação a alegria e o encantamento chegam em doses consideráveis. Monteiro é quem conta:
- Quando você se apaixona, a paixão é muito maior. Sou apaixonado eterno pelas pessoas; não consigo negar isso, nem quero. Não pretendo ficar me mostrando feito cofre fechado para esse tipo de manifestação. Eu sou assim mesmo. Fora isso, tenho paixão muito grande pelas cidades. Adoro e acho que cidade é aquilo que a gente traz no peito. Curitiba, simplesmente adoro. Londrina não posso nem falar, que eu choro. É uma paixão vulcânica, explosiva, grudenta. E assim por diante.
Embora veja o mundo com um otimismo que "chega às raias da imbecilidade", tem momentos em que a frustração obnubila todo o brilho. "A humanidade está cada vez mais horrorosa. Você pega a faixa de Gaza; pega o Brasil, vivendo uma guerra civil declarada... Para onde estamos caminhando? Às vezes me dá acesso de descrença. Daí entro em parafuso."
A intensidade emotiva varre as páginas da "Pequena Casa de Jornal". Assim, quando o diretor da Imprensa Oficial, Miguel Sanches Neto, teve acesso aos originais do livro não pensou duas vezes para publicá-lo. "Mostrei a ele para ler como amigo, como a gente faz com amigos, senão morre com o texto com naftalina", explica o autor. Vendo a obra pronta, não cabia em si de contentamento. "O Miguel foi maravilhoso, fez o livro em papel importado, a capa é fantástica", desmancha-se.
A criação é da Nexo Design, com projeto gráfico de Joba Tridente. Na capa, uma caixa de fósforos em primeiro plano, paira soberana sobre letras de antigas máquinas de escrever. "O artista deu o conceito do que é esse livro - uma mesa de bar com uma caixa de fósforo que a gente fica batucando, os fósforos já meio gastos... O cara foi de uma idéia, de uma felicidade ímpar", rende-se Monteiro.
Toda esta beleza chega amanhã ao público curitibano, mas logo mais estará em Londrina, Maringá, Paranavaí, Cascavel, Presidente Bernardes ("cidadezinha onde nasci"). Está tudo confirmado, falta apenas organizar as datas. O moço nascido sob o signo de Escorpião e eterno apaixonado pelo Corinthians e Atlético - "não tem como falar do fascínio; seria a mesma coisa que tentar explicar o amor" - comenta sobre uma última crônica, a do trem que corta a cidade. "Quando ouço dizer que vão tirá-lo do centro de Curitiba, me dói o coração pois nunca mais vou escutar o seu apito".
Serviço: Lançamento do livro de crônicas "Pequena Casa de Jornal", de Nilson Monteiro. Edição da Imprensa Oficial. Dia 18 de junho, às 19 horas, no Espaço Arte e Cultura da Telepar Brasil Telecom, Avenida Manoel Ribas, 115, térreo. Preço do livro: R$ 10,00.