Jack Estripador foi o mais misterioso assassino já investigado pela polícia britânica no ano de 1888. Suas vítimas apresentavam as mesmas características - mulheres degoladas e com órgãos minuciosamente retirados, em especial o ventre - e Jack instigava a imaginação da população pelo modo repetitivo e peculiar como agia. O assassino que assombra e incomoda até hoje nunca foi capturado. Em 1999, o inglês Alan Moore, popular entre os fãs de Histórias em Quadrinhos (HQs) por obras pertubadoras como "Monstro do Pântano", "Asilo Arkham", "V de Vingança" e "Hellblazer", resolveu dar sua contribuição sobre a identidade de Jack, jamais descoberta ou revelada. Moore reuniu todas (ou quase) as obras e investigações, pistas e vestígios já conhecidos sobre o assassino. Junto com o ilustrador Eddie Campbell, publicou "From Hell", ou "Do Inferno".
A história em quadrinhos de "Do Inferno" não tem personagem principal: a trama apresenta várias linhas de narrativa, cada uma com um fragmento de um complexo mosaico, que, juntas, contribuem para a construção da tese de Moore. Como a descrição é cheia de referências acerca da investigação feita pelo escritor, o ritmo fica um pouco cadenciado. Um apêndice - necessário para entender a obra - familiariza o leitor, quadro a quadro, ao universo da Whitechapel, em Londres, da época. Ruas, detalhes sobre as religiões, costumes, datas, pessoas ilustres e uma série de outras minúcias estão expostas para comprovar a teoria do autor.
A ambientalização gótica feita por Eddie Campbell trouxe uma linguagem sombria, com arte-final tosca feita somente à pena. O resultado foi um trabalho de sugestão mental para o leitor: ao invés de tratar o terror de forma explícita, os autores preferem utilizar o horror psicológico.
Leia mais:
Apresentação no aniversário de Londrina abre programação do Filo
Londrina é destacada como modelo de ecossistema referência no Brasil
Em Londrina, primeira edição do Fiil debate futuro da inovação
CCXP tem cenário da novela 'Vale Tudo' para o público fingir que é Odete Roitman
Com o sucesso da obra, os irmãos Albert e Allen Hughes decidiram transpor "Do Inferno" para as telas. Mantiveram a mesma base da trama, mas mudaram o foco. A trama ficou linear e polarizada, entre Jack e o inspetor Abberline (Johnny Depp - A Lenda do Cavaleiro Sem Cabeça, Profissão de Risco) e a prostituta Mary Kelly (Heather Graham - Boogie Nights, Austin Powers). Os diretores também decidiram dar um ritmo mais dinâmico e só revelaram a identidade de Jack no fim do filme, o que não acontece nas HQs.
A linguagem foi mantida, principalmente na quebra de imagens, com inserções desconexas e abruptas de cenas violentas. A imperfeição humana, tema típico das HQs de Alan Moore, também é mantida, principalmente em Abberline, investigador viciado em ópio que vasculhas os becos atrás de Jack.
Mas, diferenças e semelhanças a parte, diretores e autores de "Do Inferno" são unânimes sobre o papel de Jack nas chagas da sociedade moderna. No início e no fim da versão cinematográfica, uma mensagem profética paira no ar - a mesma que conduz os atos do personagem das HQs. Jack diz: "Eu dei a luz ao século XX". Moore já havia evidenciado que sua maior intenção não era revelar a identidade do assassino, mas também discutir sua imagem perturbadora nos tempos atuais.
Tanto no filme como nas HQs, Jack, o Estripador, é mostrado como o primeiro serial killer da Era Moderna. Hughes e Moore concordam que foi Jack quem concebeu e disseminou o "modus operandi" dos assassinos que são metódicos e matam em série.
Charles Manson, Teddy Bundy, Jeffrey Dühmmer e, entre os tupiniquins, Chico Picadinho são criminosos que consideram seus atos verdadeiras "obras", partes de algo maior. E, talvez, Jack, o Estripador, não seja apenas mais um deles.