Num esforço para demonstrar que é vítima de dirigentes mal-intencionados, e não uma organização criminosa, a Fifa entregou à Justiça dos Estados Unidos e da Suíça o resultado de quase dois anos de investigações internas, incluindo detalhes sobre a Copa do Mundo de 2014, disputada no Brasil, e o papel de ex-dirigentes esportivos do País. O esforço foi lançado depois que, em maio de 2015, cartolas da entidade foram presos e tribunais norte-americanos passaram a avaliar o papel da Fifa em uma corrupção global.
Para sobreviver, a Fifa foi obrigada a iniciar sua própria investigação, liderada pelo escritório de advocacia americano Quinn Emanuel, com um custo mensal de mais de US$ 1 milhão. A meta era mostrar a procuradores dos EUA e da Suíça que a entidade havia sido vítima de dirigentes que cometeram fraude, entre eles Joseph Blatter e Jérôme Valcke.
Oficialmente, membros da Fifa indicaram que os documentos precisam ser mantidos em sigilo e que farão parte dos processos legais em Nova York. Num total, 20 mil peças de evidências foram repassadas aos procuradores, além de um resumo com 1,3 mil páginas. Os documentos servem para mostrar aos procuradores que a entidade quer hoje cooperar e que estaria disposta a entregar todos os detalhes sobre o que ocorreu durante anos dentro da organização.
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Fontes que acompanharam o caso confirmaram ao Estado que a relação da Fifa com os organizadores da Copa de 2014 está dentro do pacote entregue à Justiça. Uma das evidências mostra que Joseph Blatter e seus dois principais assistentes, entre eles Valcke, tinham contratos para receber quase R$ 100 milhões em prêmios e bônus pela realização do Mundial, há três anos. A suspeita é de os pagamentos sejam ilegais e que possam se configurar como propinas.
No total, o que a Fifa deu para Blatter, Valcke e Markus Kattner (vice-secretário-geral) chegou a US$ 80 milhões (cerca de R$ 284 milhões) em apenas cinco anos em salários e prêmios. Os pagamentos geraram suspeitas depois que os contratos revelaram que o dinheiro foi garantido ainda em 2010 e previa que os valores seriam distribuídos até 2019, mesmo que Blatter, Valcke e Kattner fossem demitidos por justa causa de seus cargos.
Blatter tinha contratos de US$ 12 milhões por sua contribuição para realizar a Copa no Brasil em 2014. Valcke, que chegou a sugerir que o Brasil recebesse um "chute no traseiro", recebeu mais US$ 10 milhões, contra US$ 2 milhões para Kattner. A mais rica Copa da história foi realizada com dinheiro público para a construção da maior parte dos estádios. Mas gerou uma renda recorde para a Fifa de US$ 5,7 bilhões.
A relação entre a Fifa e o Comitê Organizador Local (COL), liderado primeiro por Ricardo Teixeira e depois do José Maria Marin, também foi alvo de um exame. Marco Polo Del Nero, atual presidente da CBF, também acumulou o cargo de presidente do COL, depois do fim da Copa.
No ano passado, a mesma empresa envolvida no atual documento - Quinn Emanuel - já havia enviado aos EUA um pedido para que fosse compensada pelos danos financeiros que cartolas brasileiros a geraram. No relato, ela acusou Del Nero, Marin e Teixeira de "corrupção" e de terem prejudicado a "reputação" da entidade máxima do futebol. Apenas pelos danos causados pelos dirigentes brasileiros, a Fifa solicitou nesta sexta-feira à Justiça americana que seja reembolsada em US$ 5,3 milhões.
Del Nero e Teixeira foram membros do Comitê Executivo da Fifa por anos e, segundo a entidade, teriam absorvido US$ 1,67 milhão e US$ 3,5 milhões, respectivamente, dos cofres da Fifa em gastos de viagem, hotéis e salários, sem contar o impacto sobre a reputação. Já Marin consumiu US$ 114 mil.
Segundo o escritório Quinn Emanuel, os três cartolas brasileiros ocuparam "posições de confiança na Fifa e em organizações nacionais". "Ao longo dos anos, eles abusaram de suas posições para se enriquecerem, enquanto causavam danos significativos para a Fifa", indicou o documento oficial enviado para a Justiça americana.
O Estado ainda apurou que, à pedido dos americanos, a Fifa entregou detalhes sobre o caso da falência da ISL, empresa de marketing e que foi alvo de um inquérito sobre um suposto pagamento de propinas para Ricardo Teixeira, ex-presidente da CBF. O brasileiro é um dos indiciados nos EUA e entre a Justiça americana e a suíça já existe uma estreita colaboração sobre contas bancárias envolvidas nesse caso.
CULPA - Enquanto os novos documentos são entregues, cresce também o número de cartolas que se declararam culpados no esquema de corrupção. Mas um deles, José Maria Marin, continua declarando sua inocência e, no segundo semestre do ano, terá seu julgamento.
Outro foco do processo também é o caso do pagamento de US$ 10 milhões por parte da África do Sul para comprar votos para sediar o evento em 2010. Um dos beneficiários do dinheiro teria sido o ex-vice-presidente da Fifa, Jack Warner.
Na Suíça, o caso também tem sido investigado, assim como as suspeitas sobre as compras de votos para a Copa de 2018 e 2022. Detalhes sobre a votação que deu a sede para o Catar e para a Rússia também estariam dentro das evidências apresentadas nesta sexta-feira. Segundo fontes envolvidas no processo, porém, os documentos não trazem conclusões se tais atos foram ou não ilegais e deixam a decisão para os procuradores.
Para justificar seu silêncio sobre o que está no material repassado à Justiça, a Fifa indicou que estava "legalmente impossibilitada de comentar as conclusões de sua investigação interna", já que as investigações na Suíça e nos EUA ainda estavam em curso.
Mas, para o presidente Gianni Infantino, a entrega dos documentos é uma prova de que a Fifa está "comprometida em conduzir uma ampla investigação sobre os fatos para que possamos punir quem cometeu ilegalidades". Ao assumir o cargo, no ano passado, ele garantiu que "a crise terminou".
"Completamos a investigação e entregamos as evidências para as autoridades, que continuarão a processar aqueles que se enriqueceram e abusaram de suas posições de confiança no futebol", disse Infantino. "A Fifa vai agora voltar seu foco ao futebol", prometeu.
O Estado revelou na semana passada, porém, que a investigação interna que existe contra o atual presidente da CBF, Marco Polo Del Nero, está parada.