Marco Polo del Nero, presidente licenciado da CBF e que, desde maio de 2015, não sai do Brasil, viajou o mundo entre 2012 e o fim de 2014 munido de passaporte diplomático que lhe garantia imunidade e privilégios em todas as aduanas. José Maria Marin, ex-presidente da mesma entidade, também contou com o benefício, em gesto concedido pelo governo brasileiro. Os passaportes foram dados aos dois cartolas enquanto o FBI já os investigava por corrupção no futebol.
A informação foi obtida com exclusividade pelo jornal O Estado de S. Paulo e confirmada pelo Ministério das Relações Exteriores nesta terça-feira, quando a seleção brasileira entra em campo diante do Paraguai, em Assunção, pelas Eliminatórias Sul-Americanas da Copa de 2018.
Del Nero foi indiciado pela Justiça norte-americana por corrupção e ainda é suspeito de ter dado falso testemunho para a CPI do Futebol ao garantir que não tinha contas no exterior. Em janeiro, ele pediu licença de seu cargo de comando na CBF, depois de manobrar a eleição de seus aliados. Se pisar fora do Brasil, pode ser preso e entregue às autoridades americanas.
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Já Marin foi preso em Zurique em maio de 2015 e, depois de extraditado aos EUA, aguarda julgamento em prisão domiciliar em Nova York. Enquanto a investigação era conduzida a partir de dezembro de 2011 contra dirigentes da Fifa e os nomes de brasileiros começavam a aparecer no radar do FBI, os dois cartolas, porém, viajaram o mundo sob proteção diplomática concedida pelo governo de Dilma Rousseff. Numa das viagens em que foram pegos em grampo telefônico ao conversarem com o empresário J. Hawilla, da Traffic, sobre o pagamento de supostas propinas, os cartolas também contavam com passaportes diplomáticos.
GRAVAÇÃO - Em abril de 2014, por exemplo, Marin e Del Nero se encontraram com Hawilla na Flórida, nos Estados Unidos. Segundo o indiciamento dos cartolas brasileiros, "em determinado momento, quando (Hawilla) perguntou se era realmente necessário continuar pagando propinas para seu antecessor na presidência da CBF", o diálogo prosseguiu com uma resposta clara por parte de Marin. "Está na hora de vir na nossa direção. Verdade ou não?", disse. "Claro, claro, claro. Esse dinheiro tinha de ser dado a você", respondeu Hawilla.
O governo explicou o motivo da imunidade garantida aos cartolas. "Os passaportes foram concedidos com períodos de validade suficientes para cobrir o período da Copa do Mundo e de sua preparação, acrescido de alguns meses, conforme praxe adotada pelo Ministério das Relações Exteriores, uma vez que vários países costumam exigir, para uso em seu território, passaporte com prazo de validade remanescente de no mínimo
seis meses", indicou.
Marin obteve seu passaporte diplomático em maio de 2012, dois meses depois de assumir o cargo de presidente da CBF quando Ricardo Teixeira renunciou temendo ser preso no Brasil. "Na ocasião, o senhor José Maria Marin ocupava, além da presidência da CBF, o cargo de presidente do Comitê Organizador Local da Copa do Mundo de 2014", explicou o governo brasileiro. "A emissão do passaporte diplomático foi autorizada por portaria de 21 de maio de 2012, publicada no Diário Oficial da União nº 102, de 28 de maio de 2012", confirma o Itamaraty à reportagem.
Segundo a reportagem apurou, a CBF fez gestões para que Marin não fosse o único a receber o benefício. Seis meses depois, Del Nero também ganharia o passaporte diplomático. "O Ministério das Relações Exteriores concedeu, em novembro de 2012, passaporte diplomático ao senhor Marco Polo del Nero, que, na ocasião, ocupava, além da vice-presidência da CBF, o cargo de membro do Comitê Executivo da Fifa", explicou o Itamaraty, em comunicado.
RENOVAÇÃO - Mas a CBF julgava que Del Nero deveria manter a imunidade depois do fim da validade do documento, em 31 de dezembro de 2014. "Em 27 de outubro de 2014, estando próxima da expiração do passaporte concedido em 2012, o então presidente da CBF, José Maria Marin, formulou pedido de concessão de novo passaporte para o senhor Marco Polo del Nero, apresentando como justificativa o exercício das funções de vice-presidente da CBF e de membro do Comitê Executivo da Fifa", contou à reportagem o Itamaraty. A renovação, porém, foi negada. O Ministério das Relações Exteriores indicou que não concederia o passaporte nas condições em que foi solicitado, e a CBF retirou o pedido.
Cinco meses depois da negativa, Del Nero faria sua última viagem ao exterior. Em Zurique para reuniões da Fifa, ele abandonou todos os trabalhos que tinha para retornar às pressas ao Brasil, de onde nunca mais saiu. No dia 3 de dezembro, o FBI o apontaria como um dos suspeitos de fazer parte do esquema de corrupção no futebol, com participação em propinas na Copa do Brasil, Libertadores e Copa América. Segundo o governo, a "concessão de passaportes diplomáticos é disciplinada pelo Decreto 5.978, de 4 de dezembro de 2006".
"O Decreto, em seu artigo 6º, enumera os cargos e funções da administração pública que fazem jus a passaportes diplomáticos. O parágrafo 3º daquele mesmo artigo dispõe que, mediante autorização do Ministro das Relações Exteriores (MRE), poderão ser concedidos passaportes diplomáticos a pessoas não citadas no artigo, mas que devam portar o documento em função do interesse nacional", indicou.