O Ministério Público da Suíça está investigando a denúncia contra o ex-secretário-geral da Fifa, Jérôme Valcke, e exigiu da Fifa acesso a todas as "diversas contas de e-mail" do dirigente.
Na semana passada, o Estado de S. Paulo revelou como o francês fez parte de um suposto esquema de venda de entradas para a Copa do Mundo do Brasil em 2014, ao lado de empresários que recolocavam os ingressos no mercado a um preço quatro vezes superior ao da tabela oficial. Potencialmente, Valcke poderia lucrado 2 milhões de euros com o pacote. Ele se diz inocente.
Mas quatro horas depois da denúncia, a Fifa anunciou o afastamento do francês e abriu investigações internas contra ele. Agora, é a Justiça suíça que quer saber o que de fato ocorreu. Segundo o Ministério Público do país europeu, documentos foram solicitados à Fifa já na semana passada, mas apenas contratos oficiais foram repassados. Os procuradores admitem que não tiveram a plena colaboração da entidade.
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O maior obstáculo tem sido o acesso aos diversos e-mails de Valcke, mantidos em um servidor dentro da entidade. A denúncia foi apresentada por Benny Alon, empresário israelense e americano que desde 1990 trabalha com a venda de entradas para os Mundiais. Sua empresa, a JB Marketing, ainda apontou para o "desaparecimento" de 8,3 mil entradas para a competição e que teriam de ser vendidas por eles no torneio.
O centro do escândalo é a própria JB Marketing, que fechou um contrato em 2010 com a Fifa para vender pacotes de ingressos VIPs. Pelo entendimento, 11 mil ingressos seriam entregues a eles em locais "nobres" dos estádios do Mundial no Brasil em 2014. A empresa teria o direito de escolher 12 jogos para os quais pediria ingressos para colocar no mercado, com preços acima do valor de tabela. Outros 12 jogos seriam escolhidos pela Fifa e a entidade lhes entregaria partidas sem o mesmo apelo comercial. Esse último pacote envolveria 2,4 mil ingressos.
Em dezembro de 2012, no Rio, Alon procurou Valcke durante a Soccerex e pediu um novo encontro para tratar do assunto. A reunião, porém, ocorreria apenas em março de 2013. O empresário viajou até Zurique e, no escritório da Fifa, explicou que gostaria de renegociar a questão dos doze jogos mais fracos e obter melhores partidas para o Mundial de 2014. Segundo ele, pelo esquema montado, sua empresa perderia US$ 300 mil (R$ 1,2 milhão aproximadamente) se o acordo fosse mantido.
"Valcke foi até seu cofre, colocou suas digitais e tirou dali nosso contrato", contou Alon. "Valcke então me perguntou: 'O que tem aqui para mim?'", disse o empresário. "Eu respondi que poderíamos dividir 50% para cada um. Naquele momento, não pensava que a divisão seria com Valcke, mas com a Fifa e que a entidade ficaria com 50% do lucro que eu fizesse".
Pelo novo acordo, os ingressos que a JB poderia vender não seriam mais as entradas para jogos "fracos", sem muito apelo do público brasileiro, mas sim para os principais jogos do Mundial. Isso envolvia todas as partidas da seleção brasileira e a grande final no Maracanã. O acordo fechado era de que o valor do ágio na venda dos ingressos seria repartido em 50% entre a JB e Valcke.
No dia 2 de abril de 2013, Valcke confirmou o acordo por e-mail. O entendimento era ainda de que os dois iriam se ver no dia 3 de abril de 2013, em Zurique. Na ocasião, Alon traria o dinheiro em uma maleta. "Era um adiantamento", explicou o empresário. O parceiro comercial de Alon, Heinz Schild, conta que foi até um banco em Zurique e retirou de um cofre US$ 250 mil. A mala usada também era um agrado. Valcke, francês, tem uma Ferrari branca e a mala, portanto, tinha o desenho de uma Ferrari branca com uma bandeira da França.
APOSENTADORIA - Mas na manhã daquele dia, às 9h08, o cartola escreveria a partir de seu e-mail oficial, [email protected]: "Estou desembarcando às 11h30, então perto das 11h45 na Fifa", disse. "Tenho um almoço às 12h com Jaime, seguido por encontros às 2h e depois às 3h com funcionários. Não tenho ideia de como podemos nos ver. Para os documentos, feche-os em algum lugar e lidaremos com isso da próxima vez".
Segundo Alon, a palavra "documentos" era usada por eles para falar de "dinheiro vivo". "Não conheço nenhum outro documento que se usa para um fundo de pensão". No e-mail, Valcke ainda se mostrou preocupado com o impacto disso em uma eventual campanha para ser presidente da Fifa. "Numa potencial corrida para a presidência, não posso olhar para eles (documentos) até que eu tome uma decisão sobre o futuro", escreveu em um dos e-mails a que a reportagem teve acesso com exclusividade no Brasil.
Mas ele é claro em apontar o valor da mala. "Documento é meu fundo de pensão se eu procurar algo, se eu não estiver mais na Fifa ao final de 2014 ou meados de 2015, no máximo", completou Valcke. Alon revelou que o dinheiro voltou aos cofres do banco. Mas continuou a atualizar Valcke sobre os lucros da negociata. No dia 23 de abril, um e-mail do empresário a Valcke comemorava: "Estamos nos dando melhor que a Bolsa de Nova York".