Em entrevista exclusiva ao Estado nesta quinta-feira (15) na sede da CBF, no Rio, o técnico da seleção brasileira, Tite, falou sobre Copa do Mundo, Neymar e os últimos preparativos para o Mundial. "A seleção está em um processo de consolidar e evoluir ainda", disse o treinador, esperançoso que o auge seja alcançado durante o torneio na Rússia. Ele também apontou que o time pode ter novidades na sua convocação para a competição. "Para usar um termo próprio de carnaval, eu preciso de um ritmista".
Sobre a derrota do Paris Saint-Germain para o Real Madrid na última quarta-feira, no jogo de ida das oitavas de final da Liga dos Campeões da Europa, o treinador procurou tirar o peso do resultado das costas de Neymar. "O PSG está construindo uma equipe para ser forte lá na frente, no ano que vem."
Confira a entrevista:
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Estamos a quatro meses da Copa do Mundo. Em que estágio está a seleção brasileira?
Ela está em um processo de consolidar e evoluir ainda. Eu tenho repetido isso há algum tempo, dei essa mesma resposta um tempo atrás. Os estágios que ela vai atingindo a gente procura de alguma forma consolidar e ampliar. Sendo mais específico em termos táticos, os enfrentamentos contra linhas de cinco defensores, com três meio-campistas e dois que marcam mais atrás, mecanismos que a gente possa encontrar para ser mais objetivos mantendo um equilíbrio da equipe.
Isso foi pouco testado, você não teve oportunidades de atuar contra seleções que jogam desta maneira. Isso torna ainda mais importante esses dois amistosos em março, contra Rússia e Alemanha?
Um dos aspectos que eu gostaria de ter mais e que a gente procurou agora foi de jogar contra equipes que têm essa característica. Para sentir essas dificuldades, para encontrar mecanismos que possam furar esses bloqueios sem se fragilizar. O grande mérito contra a Inglaterra foi ter um primeiro e um segundo tempo mantendo posse de bola, sendo agressivo, não sendo muito contundente, não criando muito, porque o adversário nos neutralizou. Em contrapartida, em nenhum momento a equipe se desestruturou e deu ao adversário a possibilidade de jogar, mesmo sendo em Wembley, mesmo sendo a seleção da Inglaterra jogando em casa, que tinha conseguido contra Alemanha. Então, manter essa estrutura e encontrar atletas armadores que possam jogar no campo adversário, nas entrelinhas adversárias, de dar amplitude, esses mecanismos.
Esse encontro de atletas significa que podemos ter novidades na próxima convocação. Esses amistosos fecharão o grupo?
Eu gosto de falar de merecimento, mas o merecimento tem um limite, que é a necessidade da equipe. O que quero dizer com isso é que daqui a pouco vou ser injusto. Alguém que merecia ser convocado, não vai ser convocado. Vou dar um exemplo: talvez um lateral-esquerdo que merecia ser convocado não vai ser convocado. Mas, pela necessidade da equipe, não posso botar três laterais esquerdos, porque daqui a pouco preciso de um articulador, um jogador de armação. Para usar um termo próprio de carnaval, eu preciso de um ritmista. Aí, para encontrar esse jogador, mesmo que ele não esteja na melhor das condições, mas pela necessidade da equipe, que a seleção precisa, vai ser convocado um atleta.
Você falou que não pode convocar três laterais-esquerdos, mas, por exemplo, testar o Marcelo no meio de campo não seria uma opção?
Esse seria um dos grandes objetivos que eu teria se tivesse mais tempo. Vou te dar um exemplo claro do jogo do PSG contra o Real Madrid. Há uma bola em que o Neymar está pelo centro, ele infiltra e o Dani Alves está no lado direito, não mais o Mbappé. Só que ele está tão na pressão do jogo e a cabeça dele funcionando a milhão que ele dá o passe um pouco mais avançado, quando deveria ter sido um pouco mais atrás, porque era o Dani. Quando você mexe na estrutura, aquilo que já está mais organizado se perde. Quando você tem só 17 jogos, quando tem o pouco tempo que eu tenho, é um dilema. Por isso, se eu tivesse mais tempo, eu teria trabalhado com ele nesse setor.
Neymar, quando foi para o PSG, tinha o objetivo pessoal de cortar o caminho para ser o melhor do mundo, mas também a responsabilidade de levá-lo aprotagonismo na Europa. A situação ficou mais difícil com a derrota para o Real Madrid. Você teme que se, em um primeiro momento, ele não atingir esse objetivo de levar o PSG ao protagonismo na Europa isso possa ter reflexo na seleção?
Quem pensa que o protagonismo de uma equipe pode se dar em um ano só da formação dela, pensa muito pequeno, e não sabe como uma equipe é construída, maturada, evoluída, errada, acertada. É um processo de crescimento que o PSG e o Neymar vão passar juntos.
Na cabeça dele funciona desse jeito? Ele tem essa compreensão?
O atleta compreende futebol e compreende a estrutura do futebol muito mais longe do que vocês imaginam. Às vezes, ele não tem a condição de externar a ideia dele, mas ele sabe muito. Eu vi uma manifestação numa grande equipe brasileira onde houve troca de técnico e dois atletas falaram que enquanto não houver estrutura mais consolidada, a gente fica sem saber o rumo. Os atletas falaram isso. Na hora que as pessoas têm a responsabilidade, o comando tem que compreender dessa forma. Isso se chama não ficar em cima de um resultado. Eu estou falando isso do PSG, ele está construindo uma equipe para ser forte lá na frente, o ano que vem.
PSG e Real Madrid têm seis jogadores que devem ir para a Copa do Mundo. Alguns deles vão ficar pelo caminho, porque o time vai ser eliminado agora. Ficar quatro meses cumprindo tabela é bom ou é ruim?
Tem os dois lados. Sem formatar em grau de importância maior. Todos os atletas que são convocados ficam entre clube e seleção, pensando: "não posso me machucar porque tem a seleção, e é o Mundial". Vão trabalhar isso conforme a maturidade deles. A minha orientação é jogar de forma competitiva, tal qual faz sempre. Se quiser se segurar, aí aumenta a chance de poder se machucar. Mas isso trabalha na cabeça do atleta. Jogar em alto nível até a final te dá ritmo de competição mas te desgasta física e mentalmente. Para nós fazermos esta entrevista, mentalmente ela nos absorve, para a capacidade de dar uma resposta, em cima da resposta vocês pegam um gancho e reformatam uma outra pergunta. Em contrapartida, você pode não ter um desgaste físico, mas não está em ritmo de competição.
Vamos ter na Copa do Mundo, pelo perfil dos jogadores que você tem, daqueles 15 ou 16 que você tem definido, vários jogadores que viveram a frustração de 2014. Já aconteceu em outras Copas também de jogadores não ganharem na primeira experiência e na segunda Copa, mais experientes, quatro anos depois, com mais cancha, acabarem conquistando o título. O que tem de bom e o que tem de ruim em relação a esses jogadores que porventura vão estar no seu time?
Sem ter um resposta definitiva, mas para que as pessoas apenas refletirem. Por um lado, imagino o orgulho que é estar técnico e atleta da seleção brasileira em um Mundial em que teu país é sede. Mas, por outro lado, vi o quanto isso é "pressionante". É uma pressão desumana, porque a exigência é ganhar de todo mundo, passar por cima de todo mundo, menos que isso não serve. Em contrapartida, ela te gera experiências, aprendizados que se dão ganhando, empatando e perdendo também. Então, traz-se sim uma experiência, alguns atletas que tiveram um desempenho abaixo da expectativa, mas também porque a expectativa era muito alta.
Por que o amistoso com a Alemanha?
Fantasminha aqui na frente. Se tiver de enfrentar na Copa, não vou ter de responder tantas e tantas vezes, "a Alemanha veio aqui, venceu e foi campeã" e tudo mais. Está aqui, vamos jogar de novo, passou uma nova etapa, como passou a etapa da Alemanha de 2002.
Você vai querer desempenho ou resultado?
Desempenho antes. Isso é convicção. Você não muda com o tempo a sua opinião? Para essa situação, não. Ela é primeiro de desempenho, vou cobrar jogar bem. Atleta tem de estar mentalmente forte e jogar bem. Isso eu vou cobrar e isso eu cobro de mim antes. O resultado eu não posso controlar. E lá nós vamos ter um desafio inclusive mental. Contra a Alemanha, que nos venceu, dentro da nossa casa, jogar lá na casa deles e ter que jogar bem. O atleta tem de sentir prazer em jogar futebol. Se ele não sentir prazer, ele não vai jogar na sua plenitude.
Você falou em jogar bonito. Existe, ainda que de uma forma incipiente, no Brasil uma discussão sobre drible e passe. Temos poucos dribladores hoje em dia e temos bons passadores, mas não o ideal, dizem. Quanto driblar e quanto passar?
Futebol bonito, jogar bem, corre paralelamente a bom resultado. Uma coisa não é excludente da outra, é paralela a outra e aumenta a tua chance de vencer. Não falo isso por ser filósofo, falo porque tendo um pouquinho de inteligência, sabemos que jogando bem eu estou um pouquinho mais perto de ganhar. Desempenho e resultado vai estar sempre associado. No futebol menos, vôlei mais, basquete mais, mas vai estar sempre associado. Afora te gerar confiança. Quando tu perde um jogo e joga bem, a tua confiança permanece, mas quando perde e joga mal, a confiança cai.
Nesse contexto, é preciso saber quando fazer uma coisa, quando fazer outra e o que fazer?
Entrando no lado passe e drible. No último terço do campo, é a nossa essência, é o drible, a finta, o lance pessoal. É procurar isolar o William ou isolar o Douglas Costa no um contra um, atravessar uma bola, fazer um lançamento, uma inversão que a marcação de cobertura esteja longe para que o talento apareça, a caneta apareça, a carretilha apareça, que a finta apareça e que desmonte a equipe adversária. Mas essa situação de drible não pode acontecer no primeiro terço do campo, porque ali é zona de segurança, então ali é o passe seguro. Numa faixa intermediária, segundo terço do campo, a responsabilidade é encontrar onde eu vou atacar.