Um estudo realizado pela Fundação Abrinq pelos Direitos da Criança e do Adolescente apontou que mais de 700 mil crianças abaixo de 5 anos sofrem com algum problema de desnutrição no Brasil, resultando em peso e altura abaixo do ideal em muitas delas. O estudo também mostrou que o número de crianças com renda familiar de até um quarto do salário mínimo aumentou mais de 2 milhões no Brasil.
O Brasil tem 213.317.639 habitantes, dos quais 70.406.587 entre 0 e 19 anos de idade (33%). A Região Sul, com 30.402.587 habitantes, tem uma população de 9.251.336 na faixa abaixo de 19 anos (30,4%). Desse total, 7.822.741 estão na área urbana e 1.428.595 na zona rural.
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A população vivendo nas classes de rendimentos mais baixos, de até um quarto do salário mínimo, é de 1,4 milhão e os que vivem com uma renda de um quarto a meio salário mínimo é de 3,4 milhões (2020) na Região Sul. No Brasil são 22,5 milhões com renda de até um quarto do salário mínimo, e 38,9 milhões com uma renda de um quarto a meio salário mínimo.
A líder de programas e projetos de saúde da Fundação Abrinq, Cíntia Cunha, ressalta que esse cenário de desnutrição está diretamente relacionado à queda da renda. “Isso acontece principalmente por conta desse cenário de pandemia, que a gente tem enfrentando ao longo desses dois anos. Com a inflação, as famílias têm dificuldades de acesso à compra de alimentos mais saudáveis, com alto valor nutricional. Muitas delas não têm condições de comprar frutas, verduras ou legumes e só têm arroz ou macarrão para fazer para as crianças.”
Outro ponto que vale destacar, diz ela, é que, ao longo desse período pandêmico, as crianças deixaram de frequentar a escola. “A escola é onde se consegue ofertar uma refeição minimamente balanceada para essas crianças. No Brasil, muitas crianças só fazem a única refeição lá na escola, então nesse período elas ficaram sem essa alimentação escolar.”
Ela afirma ainda que o número de desnutridos pode ser ainda muito maior, já que município algum é obrigado a alimentar essas informações no Sisvan (Sistema de Vigilância Alimentar e Nutricional). “Há muitos municípios que não alimentam o sistema com esses dados, porque fazer isso não gera renda alguma para o município. A gente consegue ter um dado mais concreto porque também trabalhamos com os dados do Pnad (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua)”, ressalta Cunha.
Danos
“As crianças vão ter danos ao longo da vida. A desnutrição afeta todo o seu desenvolvimento cognitivo. As crianças mal nutridas são mais suscetíveis a infecções, à diarreia, mas o principal é como isso influi no desenvolvimento. O rendimento escolar pode ser afetado e ela pode apresentar um déficit de estatura, que é irreversível. O peso a gente ainda consegue reverter com uma oferta de alimentos”, destaca.
Cunha ressalta que a melhor solução para proporcionar outra direção a isso é por meio de políticas públicas voltadas para a redução da desnutrição, com garantia de acesso a alimentos para essas famílias que estão em condição de vulnerabilidade e por intermédio de programas de transferência de renda. Ela reforça que o retorno dessa criança ao ambiente escolar também auxilia na melhoria da alimentação desses jovens que ficam meio período na escola.
Muitos dos que deixaram a escola durante a pandemia, mesmo não tendo idade mínima para trabalhar legalmente, o fizeram para ajudar os pais nesse cenário de crise econômica. “Esse é outro problema, que é uma bandeira que a Fundação Abrinq atua, que é a erradicação do trabalho infantil."
O levantamento da Abrinq foi baseado em dados compilados do MS (Ministério da Saúde)/Datasus (Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde)/Sisvan, e foram extraídos do período compreendido entre 2016 e 2021, associados com dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) - Pnad Contínua (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua).
COMIDA INSUFICIENTE
De acordo com pesquisa do Datafolha, contratada pela "Folha de S.Paulo", um em cada três brasileiros afirma que a quantidade de comida em casa nos últimos meses não foi suficiente para alimentar a família. A pesquisa ouviu 2.556 pessoas em 183 cidades de forma presencial na quarta (27) e quinta-feira (28).
Segundo o levantamento, o percentual de eleitores com comida menos que suficiente em casa passou de 26% em maio para 33% em julho. Outros 12% dizem que foi mais que suficiente, mesmo percentual nas duas pesquisas. Para 55%, a comida foi o suficiente - queda em relação aos 62% de maio.
O percentual dos que não possuem comida suficiente é maior entre mulheres (37%), famílias com renda de até dois salários mínimos (46%), aqueles que se declaram pretos (40%) e no Nordeste (42%).
A pesquisa também mostra que 17% dos entrevistados estão em famílias que, nos últimos meses, venderam algum bem ou objeto de valor para comprar alimentos e itens básicos de supermercado. O índice vai a 24% entre os mais pobres, 27% para famílias que recebem o Auxílio Brasil e 32% entre desempregados.
Em um cenário de alta da inflação de alimentos, queda na renda dos trabalhadores e aumento da informalidade, 33 milhões de pessoas passam fome no país, de acordo com o 2º Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia, divulgado em junho.
Segundo as Nações Unidas, 61,3 milhões de brasileiros (cerca de 3 em cada 10 habitantes) conviviam com algum tipo de insegurança alimentar, e 15,4 milhões passavam fome no período de 2019 e 2021.
Dificuldades
Manter uma alimentação adequada com os altos preços dos alimentos tem sido um desafio para quem reside na periferia. A dona de casa Aline da Silva Pimentel, 31 anos, sobrevive com um benefício de R$ 400 que recebe do poder público. O marido trabalha como pedreiro, mas a renda dos dois somadas ainda é pouca diante da inflação que tem corroído os ganhos da família. Ela é mãe de duas crianças, uma de dez e outra de dois anos e está grávida de sete meses.
Moradora da ocupação Nossa Senhora Aparecida (Assentamento do Aparecidinha), na zona norte de Londrina, ela relata que está cada vez mais difícil alimentar os seus filhos. “O produto mais difícil de comprar é o leite, que está caro demais.”
Ela relata que tem necessidade de uma alimentação mais saudável, mas está tendo dificuldades de manter uma dieta adequada. “Eu estou com 31 semanas de gravidez e estou com diabete gestacional, ou seja, minha gestação é de risco. Por este motivo tenho que mudar a minha alimentação.” Ela explica que a diabete tem forçado a buscar hábitos mais saudáveis e a escolher um cardápio mais nutritivo, mas vem encontrando dificuldades em fazer isso.
“Tive de trocar o arroz branco pelo arroz integral e tive de deixar de comer frituras e optar por alimentos assados. Mas como fazer isso com o preço do gás de cozinha tão alto? Quando acendo o forno, tenho que aproveitar e fazer assados suficientes para consumir em dois ou três dias, porque para assar qualquer coisa gasta-se muito gás”, declara Pimentel, que veio de Alagoas para Londrina há três anos em busca de melhores oportunidades de vida para a família.
“Temos que consumir mais frutas e elas estão mais caras”, declara. A família também precisa comer proteínas e, diante do alto preço da carne, a opção mais barata é o ovo. “O ovo está muito caro. Quando cheguei a Londrina há três anos pagava R$8 pela bandeja com 30 ovos e hoje pago R$18 pela mesma bandeja.” Quando recebeu a reportagem, o almoço foi macarrão sem molho.
Outra moradora do Aparecidinha é Daiara Freire Marques, 24 anos, mãe de uma filha de 4 anos, que também relata passar dificuldades para adquirir alimentos. “Se você vai comprar R$ 400 no mercado, nem banana dá para comprar para a minha filha. Eu tenho que optar pelo arroz, porque senão você fica sem. Manteiga eu não compro, porque nem compro o pão. O pão endurece e a bolacha não, logo a bolacha sai mais em conta. O que está mais caro é o leite, que é importante para o desenvolvimento dela.”
Ela ressalta que está difícil para comprar carne e o substituto natural, que seria o ovo, também está caro. “A bandeja de ovos está entre R$ 16 e R$ 18. Você vai fazer as compras e está difícil comprar até arroz e feijão.” Ela afirma que às vezes recebe ajuda de doadores de cestas básicas. “Mas quando vem gente doar aqui sai até briga. Eu até evito ficar muito tempo na fila.” Ela ressalta que o CRAS (Centro de Referência de Assistência Social) também ajuda os moradores locais.”