Uma pesquisa norte-americana identificou uma via cerebral que regula a vulnerabilidade dos indivíduos às propriedades da nicotina que causam dependência. A descoberta, de cientistas do Instituto de Pesquisa Scripps, na Flórida, Estados Unidos, sugere um novo alvo para terapias contra o tabagismo.
A pesquisa teve seus resultados publicados na edição online da revista Nature neste domingo, 30. O trabalho examinou os efeitos de parte de um receptor, uma proteína àquela em que se ligam determinadas moléculas sinalizadoras, que responde à nicotina no cérebro.
Fumar tabaco é uma das principais causas de morte em todo o mundo, matando mais de 5 milhões de pessoas anualmente, de acordo com estatísticas citadas no estudo. O tabagismo é considerado a causa de mais de 90% das mortes por câncer de pulmão.
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Os cientistas determinaram que a tendência ao tabagismo pode ser herdada: mais de 60% do risco de se tornar dependente da nicotina pode ser atribuído a fatores genéticos.
Os pesquisadores descobriram que os modelos animais com uma mutação genética que inibe essa subunidade do receptor consumiram muito mais nicotina do que o normal. Este efeito pode ser revertido com o aumento da expressão da mesma subunidade.
"Acreditamos que esses novos dados estabelecem um novo cenário para a compreensão das variáveis que motivam o consumo de nicotina e também das vias cerebrais que regulam a vulnerabilidade à dependência do tabaco", disse o coordenador do estudo, Paul Kenny. "Essa descoberta também abre caminho a alvos promissores para o desenvolvimentos de potenciais terapias contra o tabagismo."
O novo estudo teve foco, especificamente, na subunidade α5 do receptor de nicotina, em uma via discreta do cérebro conhecida como trato habenulo-interpeduncular. A descoberta sugere que a nicotina ativa os receptores nicotínicos que contêm essa subunidade na habênula, desencadeando uma resposta que atua para diminuir o desejo de consumir mais a droga.
"Não era esperado que a habênula e as estruturas cerebrais nas quais ela se projeta, tivessem um papel tão profundo no controle do desejo de consumir nicotina", disse Christie Fowler, primeira autora do estudo e pesquisadora do laboratório de Kenny.
"A habênula parece ser ativada pela nicotina quando o consumo da droga alcança um nível adverso. Mas, se as vias não funcionarem devidamente, o indivíduo simplesmente consome mais", disse ela.
Os resultados, de acordo com Christie, podem explicar dados recentes que mostram como indivíduos com variação genética na subunidade α5 do receptor nicotínico são muito mais vulneráveis à nicotina e, também, muito mais propensos a desenvolver doenças associadas ao fumo, como câncer de pulmão e doença pulmonar obstrutiva crônica.
A nicotina age no cérebro estimulando proteínas denominadas receptores nicotínicos de acetilcolina (nAChRs). Esses receptores são compostos por diversos tipos de subunidades, entre elas a subunidade α5, foco do novo estudo. No experimento, os autores procuraram determinar o papel das subunidades que continham nAChRs (α5* nAChRs) na regulação do consumo de nicotina.
Em primeiro lugar, avaliaram as propriedades que causam dependência na nicotina em camundongos geneticamente alterados para terem limitação de α5* nAChRs. Os resultados mostraram que, quando os camundongos com as subunidades "desligadas" recebiam altas doses de nicotina, consumiam quantidades muito maiores que os camundongos normais.
Em seguida, para determinar se a subunidade era responsável pela mudança súbita no apetite por nicotina, os cientistas utilizaram um vírus que "resgatava" a expressão de α5* nAChRs apenas na habênula medial e áreas do cérebro em que ela se projeta. Os resultados mostram que os padrões de consumo de nicotina dos camundongos com as subunidades "desligadas" retornavam a uma escala normal.
Os pesquisadores repetiram o experimento com ratos e produziram resultados semelhantes. Neste caso, utilizaram um vírus para "desligar" as subunidades α5 nAChR na habênula medial. Qaundo a α5* nAChRs era diminuída, os animais se tornavam mais agressivos, buscando doses mais altas de nicotina. Quando a subunidade permanecia inalterada, os animais se mostravam mais contidos.
O grupo passou a trabalhar com os mecanismos bioquímicos por meio dos quais a α5* nAChRs opera na habênula medial para controlar as propriedades da nicotina. Descobriram que a α5* nAChRs regula o quanto a habênula responde à nicotina e que a habênula está envolvida em algumas das respostas negativas ao consumo da droga.
Assim, quando a α5* nAChRs não funciona direito, a habênula responde menos à nicotina e uma quantidade muito maior da droga pode ser consumida sem uma reação negativa do cérebro.
Os pesquisadores estão otimistas com a possibilidade da descoberta vir a auxiliar, um dia, os fumantes que querem abandonar o hábito. Com base nas novas descobertas, o grupo do Instituto Scripps iniciou um novo programa de pesquisa, em colaboração com colegas da Universidade da Pensilvânia, para desenvolver novas drogas que estimulem a sinalização de α5* nAChR e diminuam as propriedades da nicotina que causam dependência.