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Índice da Fiocruz mede desigualdade social na pandemia

29 jun 2022 às 09:37

O Centro de Integração de Dados e Conhecimentos para Saúde da Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz), em Salvador-BA, criou um índice que torna possível a avaliação dos efeitos das desigualdades sociais na pandemia de Covid-19. Os dados mostram que a maioria dos municípios que melhoraram a situação estão nas regiões Sudeste e Sul. E mais de 90% dos municípios do Norte e Nordeste seguem registrando os piores cenários de desigualdade.


O trabalho foi viabilizado por meio do financiamento de edital internacional, lançado no âmbito da Aliança Internacional para Dados sobre Covid-19 (Icoda) pelo Health Data Research UK, institituto nacional do Reino Unido de ciência de dados em saúde. O índice será lançado oficialmente nesta quinta-feira (30) às 15h, em evento online, e poderá ser acompanhado por todo interessado, mediante inscrição.


Os dados ficarão disponíveis na internet e poderão ser visualizados em um painel dinâmico. A ferramenta vai permitir a exploração de forma a comparar regiões, estados, macrorregiões de saúde, capitais e municípios.


O IDS Covid-19 (Índice de Desigualdades Sociais para Covid-19), com foi nomeado, foi obtido a partir do cruzamento de informações de diferentes fontes, tais como o Censo Demográfico de 2010, o Cnes (Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde), o IBP (Índice Brasileiro de Privação) e levantamentos do IBGE (Instituto Brasileiro de Georgrafia e Estatística). Foram levados em consideração informações  variadas, incluindo a distribuição demográfica, as características das macrorregiões de saúde e a disponibilidade de respiradores e de leitos de UTIs (Unidades de Terapia Intensiva), além de indicadores sociais como percentual de população de baixa renda, taxa de analfabetismo e quantidade de pessoas vivendo em domicílios inadequados.


"Esperamos contribuir para monitorar a pandemia, aprofundando o conhecimento sobre o impacto das desigualdades sociais em saúde na covid-19 e em outras emergências de saúde pública", comenta a epidemiologista Maria Yuri, vice-coordenadora do Centro de Integração de Dados e Conhecimentos para Saúde da Fiocruz.


O índice foi calculado em quatro momentos: primeiro para fevereiro de 2020, antes do início da pandemia no Brasil, e para julho de 2020, março de 2021 e janeiro de 2022. Assim, foi possível comparar as diferenças ao longo do tempo, levando em conta a classificação em quintis, indo de 1 a 5: quanto maior, pior é a situação da desigualdade.


O quadro mais preocupante é o da Região Norte, em que 98% dos municípios já se encontravam nos quintis 4 e 5 antes da pandemia. De fevereiro de 2020 e janeiro de 2022, 92% deles mantiveram o índice. Somente 69 municípios tiveram alguma melhora em algum dos momentos analisados, quando comparado com o momento anterior.


"Não foi suficiente para reduzir os efeitos da pandemia na população. Os municípios da Região Norte encontram-se nos agrupamenos de maior intensidade da incidência e de mortalidade", observa a pesquisadora. Segundo a epidemiologista, a desigualdade pode ser determinante para a saúde ao reforçar diferenças no acesso e na qualidade dos recursos disponíveis.


A análise dos índices dos quatro momentos diferentes também revela que quanto maior a desigualdade, maior a taxa de mortalidade acumulada. "Geralmente são maiores nos municípios com os piores indicadores de renda, de escolaridade, de condição de moradia e de maior proporção de idosos em condição de pobreza", pontua.


De acordo com a especialista, repete-se o discurso de que a pandemia agravou desigualdades pré-existentes, uma vez que afetou a economia. Foi a falta de um índice que pudesse diagnosticar de forma mais precisa essa realidade que motivou os pesquisadores da Fiocruz. Para ela, esta metodologia pode ser aplicada a outros países de baixa e média renda. Instituições científicas do Paquistão já manifestaram interesse em realizar um estudo.


Políticas públicas


Passados mais de dois anos do início da pandemia do novo coronavírus, o Brasil registra mais de 32 milhões de casos e mais de 670 mil mortes, e figura entre os países do mundo que apresentam os dados epidemiológicos mais elevados. A pesquisadora frisa que o IDS Covid-19 pode ajudar no desenvolvimento de estratégias voltadas para melhorar o enfrentamento à doença.


"Esse indicador pode apoiar os gestores públicos e as comunidades na identificação da situação de desigualdade social em saúde para covid-19", destaca. Ela aponta que mesmo quando há investimento e aumento de recursos, o resultado esperado pode não ser alcançado devido a não observação de realidades locais - daí a importância do planejamento com base em dados. Maria cita o exemplo das distâncias na Região Norte.


"Mesmo que aumente o número de leitos na cidade-sede de uma macrorregião de saúde, o acesso depende, por exemplo, das condições e do tempo de transporte. Depende da população ter uma renda melhor para se deslocar. No Sul e no Sudeste, geralmente as distâncias entre os municípios são pequenas e é mais fácil para a população chegar a uma unidade de saúde mais complexa", completa.


Estratégias de transferência de renda, ações de estímulo à geração de emprego, melhoria nas condições de habitação e pavimentação de estradas são exemplos, segundo a epidemiologista, de políticas sociais que podem gerar mudanças nas possibilidades da população de acesso à saúde. Ela reforça a importância de se levar em conta o princípio da regionalização do SUS (Sistema Único de Saúde), pelo qual se pode definir hierarquias e prioridades.


"Devemos tratar os desiguais com outro olhar. Houve uma melhoria no Sudeste e no Sul por causa da capacidade de investimento na área de saúde. O Norte e o Nordeste dependem fortemente do SUS", diz.

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