Foram mais de 20 anos de luta por melhorias nas unidades de saúde de Londrina. Na manhã de ontem, a aposentada Erineusa Alves Tenório, de 73 anos, parecia não acreditar no próprio destino. Ao retornar do Cemitério Jardim da Saudade, na zona norte da cidade, Erineusa ainda buscava respostas para a morte da filha Marlene Alves Rodrigues, de 52 anos. Segundo a família, Marlene faleceu à espera de um leito de UTI. "Eu me sinto a pior pessoa do mundo. A gente lutou tanto... A gente conseguiu tanta coisa para essa cidade... Ver o pouco caso com que as pessoas são atendidas dói muito. Só Deus sabe a dor que eu estou sentindo", desabafou.
Marlene convivia com a asma e com os sintomas de bronquite agravados após o período em que tentou trabalhar no setor de reciclagem. Mãe de quatro filhos e avó de quatro netos, ela recebia, aproximadamente, R$ 300 do Bolsa Família, dinheiro que representava mais da metade da renda mensal para o sustento da casa. No dia 21 de agosto, as dores se intensificaram e Marlene foi levada às pressas para a Unidade Básica de Saúde do Jardim União da Vitória, na zona sul de Londrina. "Ela também mora no bairro e foi atendida muito rápido. O pessoal faz o que pode por lá. O médico examinou, percebeu que era grave e chamou o Samu. Ele fez a primeira ligação às 20h15. O posto fecha às 23 horas, mas o médico esperou com a gente lá até 23h15 quando o Samu chegou. Demorou demais", reclamou Erineusa.
A paciente foi levada para o Hospital Zona Sul e o quadro de saúde dela se agravou. Conforme Erineusa, desde a última sexta-feira, Marlene aguardava por um leito de UTI. "A gente teve a notícia de que ela ia conseguir uma vaga em Bandeirantes (Norte Pioneiro), mas eu olhei para ela e sabia que não ia dar tempo. Ela não estava para morrer. O descaso é tão grande, a demora é tanta...", lamentou a aposentada que pediu providências à Secretaria Municipal de Saúde e ao Ministério Público. Marlene morreu na manhã desta terça-feira.
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Em nota, a Secretaria de Estado da Saúde (Sesa) informou apenas que Marlene "recebeu todo o atendimento necessário no Hospital da Zona Sul". "A paciente ficou internada por dez dias na unidade e tinha problemas graves de saúde, como cardiopatia e doença pulmonar crônica", diz a nota. O secretário municipal de Saúde, Mohamad El Kadri, não foi encontrado para dar entrevista. Por meio da nota, a secretaria destacou que "vai instaurar procedimentos administrativos para apurar se houve falhas no protocolo de atendimento ou na execução" dos trabalhos realizados pelo Samu. Em caso de irregularidades, os responsáveis poderão ser punidos administrativamente.
A Corregedoria-Geral do município também apura possíveis falhas ao atendimento dado ao vigilante Ernestino Andrade Júnior, de 40 anos. No início de agosto, a família do vigilante aguardou por quatro horas até a chegada da ambulância do Samu. Ernestino morreu após sofrer um ataque cardíaco.
Mesmo após a morte da filha, Erineusa não desanimou. "Essa luta ainda vale a pena. Acho que estou com muito mais forças e mais vontade de lutar. Muitas vidas podem ser preservadas", disse, com os olhos marejados. A aposentada participa do Conselho de Saúde do Jardim União da Vitória e da Comissão de Saúde do Centro de Direitos Humanos.