A humanidade chegou até aqui caminhando. Na verdade, deu um passo além: foi até à Lua. O fato é que, em nossa origem, éramos nômades. Para sobreviver, fazíamos longas caminhadas diárias, quando não nos deslocávamos do habitat natural, abandonado por alguma razão que deixara de propiciar as mínimas condições de vida. Íamos para outras regiões – muitas vezes longínquas, mas menos inóspitas.
Milhões de anos depois evoluímos muito. Criamos tecnologia para quase todos os nossos desafios. Mas adquirimos também hábitos pouco saudáveis, muitos dos quais estão na origem dos principais males modernos. Um deles é o sedentarismo que, aliado ao consumo abundante de alimentos pouco saudáveis, está provocando uma verdadeira epidemia de obesidade, mal que é gatilho para várias doenças modernas como as cardiopatias, diabetes, a hipertensão arterial, câncer, colesterol nocivo, problemas respiratórios, renais e digestivos - para citar os mais recorrentes.
A Organização Mundial da Saúde (OMS) já classifica a obesidade como uma epidemia, pois contabilizou mais de 300 milhões de obesos no mundo, um terço nos países em desenvolvimento. E vai além: para OMS, a obesidade está entre os dez principais problemas atuais de saúde pública internacional.
Leia mais:
Lula evoluiu bem à cirurgia, está estável e conversa normalmente, dizem médicos
'Presidente encontra-se bem', diz boletim médico após cirurgia de Lula
Vacinas contra covid-19 serão enviadas aos estados até esta terça
Brasil mantém tendência de aumento de cobertura vacinal infantil, diz ministério
No Brasil não é diferente. Segundo o Ministério da Saúde, a parcela da população cujo Índice de Massa Corporal (IMC) é igual ou superior a 30, considerada obesa de primeiro grau, passou de 11,4% para 13,9% em apenas três anos, entre 2006 e 2009. E a tendência é aumentar. Estima-se ainda que quatro milhões de brasileiros tenham atingido o estágio de obesidade grau três, ou mórbida, quando o IMC chega a 40.
Tudo isso é preocupante. Claro, ninguém vai voltar às cavernas. Mas está cada vez evidente o equívoco que se comete quando se considera a obesidade apenas um problema estético. Não é – é questão de saúde. E é sob esta perspectiva que deve ser combatida, assim como o sedentarismo. Com bom senso, ponderação e, sobretudo, sob supervisão médica. A boa notícia é que a medicina evoluiu muito e vem, a cada ano, realizando descobertas, revendo parâmetros ultrapassados – enfim tornando acessíveis diagnósticos, métodos e protocolos que auxiliam os indivíduos a buscar uma vida mais saudável e mais longeva.
Informação e moderação são aspectos cruciais nesse combate aos males do século 21. Por exemplo, há pessoas que por razões estéticas buscam medicamentos para emagrecer como se estes fossem panacéias universais. Não há dúvida que esses recursos podem ser muito úteis para alguns indivíduos claramente diagnosticados como obesos mórbidos. Mesmo para estes, no entanto, é fundamental a informação de que a administração deve ser monitorada pelo médico, uma vez que pode implicar em efeitos colaterais deletérios.
Tenho enfatizado que cada indivíduo é único, daí a relevância de acompanhamento constante a cada intervenção que mexa com seu organismo. Isto vale tanto para medicações como para a prática de exercícios físicos. A prevenção da obesidade é relativamente simples e consiste em equilibrar a ingestão calórica com o dispêndio energético. Se um indivíduo ingerir 3 mil calorias por dia e gastar o mesmo, manterá seu peso corporal. Se ingerir o mesmo, e despender em exercícios 1 mil calorias a mais, emagrecerá.
Mas, até a recomendável prática de exercícios físicos precisa ser orientada e supervisionada por profissionais qualificados para identificar em cada indivíduo suas peculiaridades, vulnerabilidades e potenciais. Uma simples caminhada pode ter consequências indesejáveis, perversas ou inócuas, dependendo do caso, se não for bem avaliada por profissional que leve em conta os limites e características de cada pessoa que o procura.
Isso não quer dizer que não existam algumas regras gerais. Por exemplo, é consenso que praticar exercícios físicos e diminuir os excessos em ocasiões naturalmente prazerosas, como os happy hours – dos quais ninguém deve se privar – são recomendações para todos. Assim como a indicação para se evitar a ingestão de alimentos com altas concentrações calóricas e ficar atento para manter o diâmetro abdominal abaixo de 90 cm.
Sabe-se igualmente que a ingestão de gorduras nem sempre causa danos. Ao contrário, há as gorduras benéficas com relevantes funções fisiológicas que protegem nossos órgãos vitais e são fontes cruciais de energia, coadjuvantes das proteínas e dos carboidratos – estes com notória limitação em sua capacidade de retenção pelo organismo. Além disso, está comprovado que em torno de 4% das gorduras corporais agem para absorver choques, um espécie de escudo protetor contra traumatismos, externos e internos, e abruptas variações térmicas.
Em suma, evoluímos muito desde as ancestrais cavernas até as nuvens contemporâneas da internet. Acumulamos conhecimentos que podem tornar a caminhada humana mais prazerosa e saudável. Devemos, porém, desenvolver mais uma habilidade que, se pudesse sintetizar em uma palavra, diria que é equilíbrio. Afinal, como bípedes, somos inatos nisso. Falta ampliar este atributo para todos os aspectos de nossa vida cotidiana.
Américo Tângari Junior é médico, especialista em cardiologia pela Sociedade Brasileira de Cardiologia e Associação Médica Brasileira. Integra a equipe de cardiologia cirúrgica do Hospital Beneficência Portuguesa de São Paulo.