Soro obtido a partir do sangue de cavalos pode ter anticorpos neutralizantes contra o coronavírus até cem vezes mais potentes do que os de plasma de pessoas que tiveram a Covid-19, mostra estudo inédito que será apresentado nesta quinta (13) em sessão científica da Academia Nacional de Medicina, no Rio de Janeiro.
A descoberta de pesquisadores do Instituto Vital Brasil e da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), que pode levar a uma soroterapia contra o coronavírus (como no caso da raiva e do tétano, por exemplo), gerou uma patente que também será depositada nesta quinta.
O uso de anticorpos para tratamento de viroses vem sendo bastante estudado, especialmente a partir do plasma de pessoas em fase convalescente da doença, quando anticorpos com capacidade neutralizante estão presentes no sangue.
Leia mais:
Veto a procedimento de aborto legal já afeta atendimentos a meninas estupradas
Brasil tem média de 11 mortes por dia por dengue em 2024
Com envelhecimento da população, casos de câncer de próstata devem dobrar até 2040, diz estudo
Entenda como é o mecanismo de agravamento e morte por dengue
No caso da Covid-19, vários grupos tiveram sucesso na descoberta e no desenvolvimento de anticorpos monoclonais. Alguns produtos já estão em fase 3 da pesquisa clínica.
Por serem anticorpos humanos, a tolerância, a segurança e o efeito antiviral têm sido promissores, mas a eficácia só poderá ser atestada ou não ao fim dos ensaios clínicos. O custo também é alto.
Ao mesmo tempo, o uso de anticorpos derivados de animais capazes de neutralizar o vírus também tem sido pesquisado na China e na Argentina, por exemplo.
Segundo Jerson Lima Silva, pesquisador da UFRJ e presidente da Faperj (Fundação de Amparo à Pesquisa do Rio de Janeiro), em maio plasmas de cinco cavalos do Instituto Vital Brazil foram inoculados com a proteína (S recombinante) do coronavírus, produzida no Coppe, um instituto de pesquisa da UFRJ.
"Poucos lugares do mundo estão produzindo uma proteína tão pura e tão grande, com mais mil aminoácidos. E ela tem a conformação que tem no vírus", explica.
A proteína tem sido purificada no laboratório da professora Leda Castilho (Coppee/UFRJ). Durante seis semanas, foram feitas inoculações semanais nos cavalos.
"Fomos acompanhando a resposta imune nesses cavalos e, em quatro deles, a resposta foi impressionante. O quinto já teve uma resposta mais lenta, o que demonstra uma variabilidade. O sistema imune é complexo."
A partir da quarta semana, os pesquisadores avaliaram também se os anticorpos que estavam no soro do cavalo eram capazes de neutralizar o vírus. "Quando comparado com o plasma de convalescentes, ele chega a ser até cem vezes mais alto", diz Silva.
A patente depositada é referente a invenção de soro anti-Sars-CoV-2, produzido a partir de equinos imunizados com a glicoproteína recombinante da espícula (spike) do vírus Sars-CoV-2.
O pedido se apoia em todo o processo de produção do soro, a partir da glicoproteína: preparação do antígeno, hiperimunização dos equinos, produção do plasma hiperimune, produção do concentrado de anticorpos específicos e do produto finalizado, após a sua purificação por filtração esterilizante e clarificação, envase e formulação final.
O trabalho científico envolve parceria da UFRJ, IVB e Fiocruz e está sendo depositado no MedRxiv, um repositório de resultados preprint (antes da publicação em revista científica).
Agora, deve passar por todas as etapas de estudos pré-clínicos e clínicos, que ocorrerão em parceria o Instituto D'Or de Pesquisa e Ensino.
Só após a comprovação da eficácia e da segurança e de ser submetido à aprovação da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) é que ele se tornará, de fato, um tratamento para pacientes com Covid-19.
Segundo Jerson Silva, ainda que até lá já exista uma vacina aprovada contra o coronavírus, a soroterapia continuará sendo uma opção.
"Mesmo tendo uma vacina para raiva, para tétano, continuamos tendo soro. Em um acidente, usa-se o soro", afirma.
Além disso, ele lembra que as vacinas têm limitações. Há anos, por exemplo, que a gripe (H1N1) só tem 40% de proteção devido à mutação do vírus ocorrida entre a fabricação e a imunização das pessoas.
Fora isso, pelo menos no início, a vacinação contra o coronavírus estará limitada a grupos de risco.
Para o infectologista Esper Kallás, professor e pesquisador da USP, a vantagem do uso anticorpos a partir de plasma de mamíferos, como os cavalos, é que, por terem grande volume de sangue, o rendimento é maior.
Algumas desvantagens, explica ele, são a irregularidade da produção dos anticorpos dependendo do animal e o fato de serem diferentes dos anticorpos produzidos por humanos (em cavalos, são habitualmente do tipo IgT), o que resulta em maior reação das pessoas que recebem o produto.