Beirada nipônica

Modernizando as relações

27 mar 2016 às 09:42

O Japão tem fama de país próspero, limpo, organizado. Tudo isso é verdade, mas o custo para manter essa fama é dura. O pessoal trabalha dia e noite, e as coisas não param. Durante a madrugada, as estradas estão lotadas de caminhões carregando encomendas, é um vai vem frenético e ninguém se incomoda se está frio ou calor. O movimento é intenso, louco. As manutenções dos sistemas elétricos, dos cabos de alta tensão, dos trens, dos trilhos, do metrô, do Shinkansen e da frota de aviões, tudo isso é feito de madrugada.
Durante o dia são os escritórios, as escolas, o comércio e as indústrias. Tudo em ritmo acelerado, como o mudo fosse terminar amanhã.
As resposta para toda essa carga de trabalho são pessoas solitárias, algumas inseguras e sem energia para outras coisas importantes da vida.
A cultura de valorizar o esforço excessivo talvez seja o principal responsável tanto pelo crescimento do país, como dos problemas causados à população.
Aumenta de ano para ano casos de incapacidade laboral por derrames, stress e depressão. Mortes por trabalhar sem controle, superiores despreparados para lidar com os funcionários, hierarquia abusiva. Tudo isso tem contribuído para um desequilíbrio entre a vida profissional e pessoal.
Mas parece que as coisas estão mudando. Pelo menos é o que prometem algumas empesas.
A Fast Retaling, a controlado da marca Uniqlo, pertencente ao homem mais rico do Japão, está implantando a jornada semanal de quatro dias para um quinto dos seus funcionários. Cerca de dez mil profissionais terão a opção de ter um fim de semana de 3 dias, caso possam trabalhar dez horas nos outros dias da semana. Não é o ideal, mas já significa um grande avanço.
Fanuc, empresa que fabrica robôs, está querendo melhorar as condições de suas instalações para atrair e reter funcionários. Está ampliando o ginásio de esportes, construindo outra quadra de tênis e um campo de beisebol. Todo esse investimento é porque a empresa fica na base do Monte Fuji, local de acesso difícil e isolado.
A Itochu, um conglomerado de empresas, está alterando os horários de entrada e saída dos funcionários para aqueles que possuem filhos e para facilitar o acesso de novo colaboradores. A Ricoh proíbe seus funcionários de trabalharem após às 20 horas. Alguns órgãos do governo também fizeram o mesmo.
O Japão é o único país do mundo que tem uma palavra para designar alguém que morre por excesso de trabalho. "Karoshi" é o termo utilizado nesses casos.
Os japoneses sentem-se culpados por saírem no horário de trabalho, e muitos ficam na empresa apenas para mostrar dedicação, mesmo que não tenham absolutamente nada para fazerem. É uma espécie de "puxa-saquismo" gratuito.
Acredito que ainda demorará algum tempo para que os patrões percebam que melhor qualidade de vida significa melhor produção, menos demissões e para que os verdadeiros talentos da empresa permaneçam em seus lugares. As coisas mudam lentamente, mas mudam.
Romper com o passado é doloroso, principalmente se tudo até agora vinha dando certo. As escolas também podem e devem contribuir em passar alguns valores, principalmente os familiares, já que a garotada por aqui não são de valorizar muitos essas coisas. Como um sentimento é ligado ao outro, se as mudanças forem na base, o futuro será mais promissor em termos afetivos.
Agora é o momento dos japoneses aprenderem a dar um abraço, olhar nos olhos, apertar as mãos, dizer o que sentem e buscar outro sentido para a vida.
Trabalhar é ótimo, necessário e importante, mas a vida é muito mais do que só isso, e acho que eles começaram a descobrir um novo tempo.

Salary man


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