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Duelo (de palavras) de Adélia Woellner

11 abr 2010 às 13:11

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Adélia Woellner é escritora e poetisa. - Isabel Furini (fotógrafa)
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Do livro: "Loucura Lúcida" de Adélia Woellner

A palavra ali estava, inerte, perdida no meio de tantas outras palavras, na folha insensível, apática, do dicionário. Fui eu que dei vida a ela, que a escolhi. Ganhou fôlego e, ingrata, de repente, decidiu assumir o comando, Insurgiu-se. Quis ser independente, senhor do seu destino. Agora não aceita mais o lugar onde a ponho. Ela se rebela, coloca-se onde quer que deseje. Tento dominar a palavra, para colocá-la naquilo que eu quero dizer, mas ela não aceita. Volta-se contra mim, que lhe dei vida; eu que lhe dei razão, que lhe dei motivo para aparecer, para se destacar no meio de tantas outras palavras, mas ela não aceita o meu domínio, a minha imposição, a minha força. Ela quer ter vida própria, ser independente. Criou autonomia. Não entra onde quero que entre e entra onde não desejo que ela fique. Descobri, então, que não sou eu que domino a palavra. Ela não se submete. Ela é que me tem. Acabo me tornando escrava da palavra. Preciso dela. Ela é imprescindível. Em vez de a palavra servir aos meus propósitos, eu é que sou conduzida por ela, para todos os caminhos. Ela passa a ser dona de mim. De autora da vida, torno-me escrava do que criei. A palavra se decompõe e se multiplica, para me azucrinar. Provocante, divide-se. Corro atrás da palavra, mas ela se esconde em suas partes. Deixa visível apenas uma letra, que me desafia. Aquele "O" tirano fica me olhando sem pestanejar. É um olho escancarado que quer enxergar minha alma, para ver até onde vai o meu desespero para reencontrar a palavra necessária. Tento livrar-me buscando outra palavra, um sinônimo, mas ela é única. Somente ela se encaixa na minha emoção. Por isso se aproveita da minha dependência. Sem ela, não digo exatamente o que quero dizer. Fico capenga na expressão. E ela sabe disso. Não foi à-toa que me jogou o "O" na cara. Olhando bem para ele, descubro que ele parece uma bocarra desafiadora. É puro deboche, porque me vê impotente, submetida, submissa. Deixo o orgulho de lado e imploro. A palavra não se revela, continua escondida, atrevidamente oculta. Sempre a tratei com atenção, carinho. Porque ela se revolta? Ingrata é o que ela é. A irritação ameaça tomar conta. Torno-me agressiva. Rasgo tudo. Destruo registros, na tentativa de eliminar a frustração, a incapacidade de seguir adiante sem ela. Num relance, ela desfila diante de minha memória. Nem chega a deixar marca e foge outra vez. Corro atrás, persigo o sentido da palavra. Quero resgatar a ideia. Luta insana, inútil. A palavra vem quando quer. E quando ela quer, nem há necessidade de esforço Ela se insinua, sensual, apaixonada pela função que exerce. Entrega-se, esfrega-se na frase, movimenta-se, provoca, atrai outras palavras, companheiras da mensagem. Passo a fazer parte do jogo. Não mais me debato; só me deixo arrebatar.

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