Em Curitiba, os encontros são completamente diferentes do que em qualquer outro lugar do Brasil. Aqui há jeitos e modos, digamos, especiais de se ver o outro. E isto, acreditem, pode marcar a sua vida. Para o bom, para o ruim e para o hiato. Por exemplo: eu já encontrei muitas vezes o Dalton Trevisan, pois somos vizinhos de bairro. Ele faz compras na mesma feira-livre que eu. Nunca o abordei. Respeito-o. Aliás, Dalton é o mestre dos encontros. Entendo-o. Por outro lado, tem aqueles que você passa a entender décadas depois. São os encontros-hiatos. Como esse que tive com Ary Foutoura em uma noite fria curitibana lá no início dos anos 80. Eu estava com uma amiga, cruzando a Praça Santos Andrade, e nos deparamos com o ator, que vinha no sentido contrário, provavelmente voltava do Guaíra. E a minha amiga, entusiasmada com a presença da figura (ele já era um "global"), disse-lhe em voz alta: "Ary Fontoura, ele é poeta" - apontando pra mim. Eu quis sumir. Mas o Ary Fontoura nos olhou, parou e, em tom educado, levemente ranzinza e debochado, disse-nos: "Ainda existe isso?". Eu devia ter 22 anos e o Brasil estava saindo de uma ditadura militar. Por isso, por causa desse insólito encontro, e por ter vivido no mesmo Brasil nesses quase 30 anos, digo-lhe, caro Ary Fontoura: "Você continua chato e ranzinza?"
Ricardo Corona é escritor e poeta, editor da Medusa Editora e Produtora, formou-se em Comunicação em 1987 (Febasp), e pós-graduação em Estudos Literários na UFPR.