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NAVEGAR

20 mai 2014 às 10:50
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James Joyce tinha uma filha, Lucia, esquizofrênica. Nunca aceitou esse diagnóstico e certa vez após mostrar a Carl Jung vários textos escritos por ela, disse-lhe: "Eu escrevo, minha filha escreve. Por que ela é doente e eu não?". Após examinar com detalhe o que ela escrevia o psiquiatra suíço respondeu: "No mar que você navega ela naufraga."

A história é exemplar. A literatura não tem definições. Definir, no sentido de delimitar, desenhar limites, dizer o fim, nunca funcionou. Ela sempre escapa por uma fresta. Mais que isso, constrói frestas imaginarias. Mas num certo sentido a literatura estabelece para nós o estreito e eternamente indefinido limite entre a razão e a loucura, o real e o imaginário, a verdade e o mito, o que é e o que deveria ser.

A vida não basta. Acordar, repetir os afazeres do cotidiano, comer, beber, dormir. O mundo rasteiro da normalidade cotidiana, o tédio, a vida repetitiva nos obriga a navegar. E a nos expor ao constante risco de naufragar. A literatura com suas infinitas possibilidades tem sido para muitos, uma espécie de bússola, que aponta o norte, não por que sabe o caminho correto, mas por que mostra múltiplas maneira de nos manter à tona.

Sem entrar nas considerações sempre polêmicas entre normalidade e loucura, o que Jung não diz, mas deixa nas entrelinhas é que se Joyce não escrevesse a ponto de navegar, talvez ele também recebesse o rótulo de alguma doença mental. Na literatura universal justamente os personagens que ultrapassam a normalidade cotidiana são os nos mostram a irracionalidade do mundo. Nossa humanidade talvez resida exatamente nessa loucura.

Dom Quixote e Sancho Pança no equilíbrio instável da fantasia e realidade, dos dragões e moinhos de vento. Rei Lear, o velho imaturo que se recusa a ouvir a única filha que verdadeiramente o ama. Ou mesmo Paulo Honório, personagem de São Bernardo, do nosso Graciliano Ramos que de tanto ver o mundo real sem qualquer fantasia ou subterfugio, só promove dor e tristeza à sua volta.
Para continuarmos a navegar, fantasiar é preciso. A literatura não é exatamente uma salvação, mas pode muito bem ser um pedaço de madeira que nos mantém à tona.
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