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Abandono de entrevista e ataque à imprensa são rotina de Bolsonaro após pergunta incômoda

Gustavo Uribe, Talita Fernandes e Ricardo Della Colleta
25 ago 2020 às 08:45

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- Marcello Casal Jr./Agência Brasil
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"A vontade é encher tua boca com uma porrada, tá?"


A frase usada por Jair Bolsonaro neste domingo (23) para responder a um repórter que lhe perguntou sobre depósitos feitos por Fabrício Queiroz à primeira-dama é o mais recente capítulo de uma prática adotada pelo presidente desde o início do mandato: encerrar de maneira abrupta declarações à imprensa, por vezes de forma agressiva, e evitar perguntas incômodas durante crises políticas.

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O hábito foi mais frequente a partir do segundo semestre do ano passado, com a repercussão de crises e de escândalos no governo.

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Neste domingo, durante uma visita de cinco minutos a ambulantes da Catedral de Brasília, um repórter do jornal O Globo questionou o presidente sobre os motivos para Queiroz e sua mulher terem repassado R$ 89 mil para a conta de Michelle Bolsonaro. Após a insistência do repórter, sem olhar diretamente para ele, afirmou: "A vontade é encher tua boca com uma porrada, tá?".

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Amigo do presidente há 30 anos, Queiroz atuou como assessor de Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ) na Assembleia Legislativa do Rio, quando o filho do presidente era deputado estadual. Queiroz está em prisão domiciliar e, assim como Flávio, é investigado sob suspeita dos crimes de peculato, organização criminosa e lavagem de dinheiro.


Nesta segunda-feira (24), em conversa reservada relatada à reportagem, o presidente reconheceu que exagerou na declaração, mas ele ainda não definiu se pedirá desculpas públicas. Ele tratou do assunto com ministros como Fábio Faria (Comunicações) e Luiz Eduardo Ramos (Secretaria de Governo).

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Nas conversas, disse que não pretende repetir nos próximos dias a retórica inflamada, já que, na avaliação dele, ela pode prejudicar o anúncio de pautas positivas, como o Renda Brasil.


"Conversei agora com o presidente. Aviso aos torcedores do caos e do conflito diário: perderam. A paz continua", escreveu Faria nas redes sociais.

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Bolsonaro também foi lembrado de que o aumento de sua popularidade ocorreu justamente quando ele adotou uma postura "paz e amor" e deu uma pausa em confrontos diretos com veículos de imprensa e com o STF (Supremo Tribunal Federal).


A declaração do presidente foi avaliada como desastrosa tanto por integrantes da cúpula militar como da equipe econômica.

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Para eles, Bolsonaro criou sem motivo uma pauta negativa contra a sua própria gestão em um momento no qual ​vinha recuperando a sua imagem pública. O ideal, na opinião de assessores do governo, é de que o presidente viesse a público pedir desculpas.


As respostas agressivas de Bolsonaro a repórteres e as negativas a responder perguntas tiveram uma trégua nos últimos meses. Isso ocorreu após jornalistas terem parado de comparecer à portaria do Palácio da Alvorada por razões de segurança e depois que o próprio mandatário passou a conversar com seus apoiadores dentro da residência oficial, onde profissionais da imprensa não têm acesso.

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Mas o hábito revivido neste último domingo foi uma constante em 2019, nos primeiros meses deste ano e no início da pandemia, nos meses de março, abril e maio.


A maior parte teve relação com denúncias envolvendo auxiliares presidenciais, como o ministro Marcelo Álvaro Antônio (Turismo) e o secretário Fabio Wajngarten (Secom), e controvérsias relacionadas a seus filhos, como o senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ) e o deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP).

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Em março, por exemplo, o presidente encerrou duas entrevistas ao ser questionado por jornalistas sobre se ele teria provas para justificar a suspeita feita por ele de que houve fraude na eleição de 2018. Durante uma visita a Miami, nos EUA, Bolsonaro disse, se não fossem essas fraudes, teria vencido a eleição já no primeiro turno da disputa.


Também em março o presidente escalou o comediante Márvio Lúcio dos Santos Lourenço, da TV Record, conhecido por interpretar o personagem Carioca, para evitar responder as perguntas dos repórteres sobre o baixo crescimento do PIB (Produto Interno Bruto) em 2019, que ficou em 1,1%.


Na ocasião, ele ironizou os questionamentos e soprou no ouvido de Carioca as respostas para jornalistas: "PIB? PIB? O que que é PIB? Pergunta o que que é PIB". ​


Em maio, ao ser questionado por repórteres sobre mudanças na Polícia Federal, Bolsonaro mandou os profissionais que lhe perguntaram calarem a boca e atacou a Folha de S.Paulo, chamando o jornal de "canalha", "patife" e "mentiroso".


Em outra ocasião, também na área em que costumava dar entrevistas à imprensa em frente ao Alvorada, o presidente interrompeu repórteres que tentavam lhe dirigir perguntas e apoiou manifestações de um apoiador que chamou jornalistas no local de "canalhas" e os acusou de "jogar os ministros contra Bolsonaro".


"É [o apoiador] ele que vai falar", gritou o presidente", momento em que os profissionais de comunicação se retiraram da entrevista.


Mais recentemente, no final de julho, Bolsonaro encerrou uma entrevista em Bagé (RS) após ser indagado sobre os estudos do governo para a criação de um novo imposto nos moldes da antiga CPMF. "Acabou a entrevista. Valeu, gente, obrigado", reagiu.


Em administrações anteriores, diante de suspeitas envolvendo o Poder Executivo, Dilma Rousseff (PT) e Michel Temer (MDB), por exemplo, submergiam e preferiam adotar como estratégia o silêncio, posicionando-se sobre o tema em notas oficiais.


No início do governo, Bolsonaro também foi aconselhado a se esquivar de repórteres e fotógrafos em meio a denúncias contra auxiliares presidenciais. Ele, porém, não seguiu a recomendação.


O presidente manteve o hábito de conceder entrevistas diárias, sobretudo ao entrar e sair do Palácio da Alvorada. Bolsonaro cumpriu com a rotina até meados deste ano, quando passou a conversar com apoiadores numa área dentro da propriedade da residência oficial, onde jornalistas não têm acesso.


Quando falava com a imprensa em frente à residência oficial da Presidência, ele mandava recados a aliados, criticava adversários e atacava veículos de comunicação.


O roteiro quase sempre era o mesmo: diante de uma questão delicada, o presidente primeiramente dizia que não iria responder e depois pedia que fosse feita outra pergunta. Se os repórteres insistiam, ele refutava a cobertura feita pelos veículos de comunicação. Em seguida, punha fim à conversa.


"Sem comentários. Não tem coisas boas para perguntar para mim? Ralo o dia todo e não tem uma coisa [boa] para perguntar?", afirmou em outubro do ano passado ao ser questionado sobre se manteria Álvaro Antônio à frente do Turismo, por exemplo.


Na ocasião, o ministro havia sido denunciado pelo Ministério Público de Minas Gerais. Ele é acusado de estar envolvido em um esquema de candidaturas laranjas. O caso foi revelado pelo jornal Folha de S.Paulo.


O presidente também se retirou de conversas com a imprensa quando questionado sobre críticas que sofreu tanto de autoridades brasileiras como estrangeiras.


"Se continuar pergunta nesse padrão, vai acabar a entrevista", afirmou em agosto do ano passado. Após ter sido criticado pelo presidente francês Emmanuel Macron por ter ofendido a primeira-dama Brigitte, ele disse que a imprensa "não merece consideração". ​


Em viagem à Arábia Saudita, em outubro, o presidente abandonou entrevista após ser confrontado sobre declaração do ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Celso de Mello. O decano da corte afirmou que "o atrevimento presidencial parece não encontrar limites".


Questões envolvendo a família do presidente o irritam. Além de interromper entrevistas, Bolsonaro colecionou ofensas a repórteres que o questionaram sobre temas envolvendo seus filhos mais velhos.


"Você tem uma cara de homossexual terrível, nem por isso eu te acuso de ser homossexual. Se bem que não é crime ser homossexual", disse a um repórter, em dezembro, após uma pergunta sobre a investigação do Ministério Público do Rio de Janeiro contra Flávio. O senador é investigado por um suposto esquema de "rachadinha" quando era deputado estadual.


Em julho, ele chamou de "idiota" pergunta feita pela Folha de S.Paulo sobre a Presidência da República ter oferecido carona a seus parentes em um helicóptero da FAB (Força Aérea Brasileira) para participarem do casamento de Eduardo no Rio de Janeiro.


"Tem familiares meus aqui. Eu prefiro vê-los do que responder uma pergunta idiota para você. Está respondido?" De novo, encerrou a entrevista poucos segundos depois.


O presidente tenta impor condições para conceder entrevistas. As regras nunca são seguidas pela imprensa. No entanto, ele insiste em perguntar previamente quais temas serão abordados pelos jornalistas, além de escolher a que veículos de comunicação quer responder.


"Fora, Folha de S.Paulo, você não tem moral para perguntar", afirmou em janeiro, ao ser indagado se Wajngarten permaneceria no cargo mesmo após o jornal ter mostrado que ele possui uma empresa que recebe dinheiro de contratadas do governo. "Cala a boca", disse.


O presidente já afirmou também que só voltaria a conversar com jornalistas após a publicação do que chamou de uma "matéria real" sobre sua primeira participação na abertura da Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas, nos Estados Unidos, em setembro.


Em janeiro, Bolsonaro impôs uma nova condição, que também não foi cumprida. Ele disse que só falaria com a imprensa quando a Fenaj (Federação Nacional dos Jornalistas) retirasse uma ação judicial contra ele.


"Eu quero falar com vocês, mas a associação de jornalistas diz que, quando eu falo, eu agrido vocês. Como eu sou uma pessoa da paz, não vou dar entrevista. Não posso agredir vocês aí. Manda tirar o processo [levantamento] que eu volto a conversar", afirmou. A entidade, no entanto, não havia processado o presidente.


No ano passado, Bolsonaro foi o responsável por 121 dos 208 ataques contra veículos e jornalistas compilados no Brasil pela Fenaj, o que representa 58% do total.


"Uma autoridade tem a obrigação de falar dos atos de governo, mas obviamente não queremos que use o pretexto da entrevista para ofender profissionais", disse a presidente da entidade nacional, Maria José Braga.


Em meio à tensão, Bolsonaro também recua. "Pessoal, [quero] pedir desculpa aí. Eu estou com a cabeça quente. Desculpa", disse, mesmo quando exigiu e não foram feitas novas reportagens sobre o encontro da ONU.


A interrupção de entrevistas ou a negativa para que elas nem comecem é usada também como uma "muleta" para que ele evite temas incômodos.


Um exemplo foi em fevereiro, na ocasião da morte do ex-capitão Adriano da Nóbrega por uma ação da Polícia Militar da Bahia. O ex-policial era acusado de comandar a mais antiga milícia do Rio de Janeiro e suspeito de integrar um grupo de assassinos profissionais do estado.


Na manhã seguinte, em 10 de fevereiro, Bolsonaro não permitiu que a imprensa fizesse perguntas e optou por fazer um discurso crítico sem nenhum motivo ou reclamação específica aparente.


O ex-PM é citado na investigação que apura a prática de "rachadinha" no antigo gabinete do senador Flávio.


"[Queria] compartilhar com vocês, mas tudo será deturpado. Então lamento, mas não vou conversar com vocês. O dia que vocês, com todo o respeito, transmitirem a verdade, será muito salutar conversar meia hora com vocês. [Falar de] problemas dos mais variados possíveis, dá para resolver, gostaria de compartilhá-los. Repito: não o faço porque, ao haver deturpação, a solução ficará mais difícil, talvez impossível", disse, se recusando a responder perguntas e entrando no carro.


A fala do presidente foi respondida com aplausos pelos apoiadores que dividem a área cercada com a imprensa. Na sequência, o presidente usou as redes sociais para compartilhar o vídeo em que ele faz uma espécie de "sermão" para os jornalistas. "PEÇO ASSISTIR", escreveu.


O comportamento do presidente com os repórteres oscila. No dia 6 de fevereiro, o presidente concedeu uma entrevista de 50 minutos na porta do Alvorada, durante a qual não se recusou a responder sobre nenhum tema.

Geralmente, os períodos de silêncio coincidem com novos desdobramentos das investigações envolvendo Flávio. As suspeitas contra seu filho são tema sensível ao presidente, que já confessou a aliados seu temor de que o primogênito seja detido.


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