O Inciso 2 do Artigo 81 do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) proíbe a venda de bebidas alcoólicas a menores de idade. Essa parte do ECA, no entanto, é desrespeitada diariamente em todo país. Em Porto Velho, Curitiba, Florianópolis, Recife, Cuiabá, São Paulo e Brasília, os membros dos conselhos tutelares e especialistas ouvidos pela Agência Brasil admitiram a facilidade que o adolescente tem para comprar bebida alcoólica.
Na avaliação do juiz da Vara da Infância e Juventude do Distrito Federal, Renato Rodovalho, o problema ocorre porque a sociedade tolera que os adolescentes bebam. "Existe uma tolerância de padrão de conduta. Uma vez que o maior já se acostumou com a bebida, então há uma tendência do adolescente iniciar-se nessa conduta".
O presidente do Centro de Informações Sobre Saúde e Álcool (Cisa), Arthur Guerra, acredita que essa conivência é justificada, em parte, porque o álcool é visto como um perigo menor do que as demais drogas. "A família fica muito mais preocupada com o consumo de drogas ilícitas, como maconha e cocaína", considerou.
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"São conceitos, mesmo, de que o álcool faz parte da vida, não faz mal e tem que beber desde muito cedo", disse a pesquisadora da Unidade de Pesquisa em Álcool e Drogas (Uniad), Ilana Pinsky. "Então são aquelas festas de 15 anos, totalmente regadas a bebida alcoólica que os próprios pais fornecem e acham que estão sendo malandros fazendo isso. Alguns pais que acham que não há nada que eles possam fazer a respeito, afinal todo mundo bebe", afirmou.
Para o coordenador do Centro de Referência de Álcool, Tabaco e Outras Drogas (Cratod) de São Paulo, Wagner Abril Souto, a lei que proíbe a venda de bebidas para menores "pega muito pouco" por falta de fiscalização. "Toda lei que não tem uma fiscalização séria se torna frágil", ressaltou.
O juiz Renato Rodovalho defende a adoção de uma postura mais atuante da sociedade e a realização de campanhas governamentais. Para o magistrado, em certas situações, mesmo havendo fiscalização, é difícil impedir que os menores bebam, pois, muitas vezes, o álcool é comprado por maiores e depois repassado para os adolescentes. "A gente encontra barreira para coibir e fiscalizar esse procedimento, uma vez que a própria comunidade fornece a bebida, quando não, alguns pais também", afirmou.
Em Recife, o Pacto Pela Vida, trabalho de conscientização dos donos de bares e restaurantes, tem obtido bons resultados, segundo a coordenadora do Conselho Tutelar, Denise Farias. Ela afirmou que a ação realizada em conjunto com outros órgãos diminuiu significativamente a ingestão de álcool por adolescentes em lugares frequentados pela juventude, como a Praia de Boa Viagem.
O adolescente não pode usar entorpecentes porque não está preparado física e psicologicamente para o uso desse tipo de substância, disse Wagner Souto. "Ele está em profundo desenvolvimento, profundas transformações e quando entra uma droga desorganiza tudo isso", afirmou.
Bebidas alcoólicas são muito acessíveis no Brasil, avaliam especialistas
O comércio de bebidas alcoólicas no Brasil se caracteriza pelo grande numero e tipos de estabelecimentos onde os produtos de diversas marcas são vendidos. Essa condição do mercado facilita o consumo e o acesso dos jovens às bebidas.
De acordo com o secretário de Dependência Química da Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP), Marco Antonio Bessa, medidas restritivas deveriam ser adotadas para reduzir essa exposição que induz ao consumo. "No Reino Unido por exemplo, não se pode vender bebida alcoólica em qualquer lugar. Para uma pessoa ter um bar e vender bebida alcoólica tem que ter uma licença especial", disse.
Segundo Bessa, a venda de bebidas alcoólicas, em alguns locais, contradiz a própria campanha do governo do motorista não dirigir alcoolizado. "No Brasil chega-se ao absurdo de se vender e consumir bebida alcoólica em posto de gasolina, o que é um contrassenso, uma coisa completamente estapafúrdia", afirmou.
Para a pesquisadora do Unidade de Pesquisas em Álcool e Drogas (Uniad), Ilana Pinsky, o grande número de locais que comercializam bebidas, inclusive em frente à escolas, reduz a eficácia das medidas de prevenção. "Quando você tenta fazer uma medida preventiva, que é muito mais difícil do que a educativa, você tem aqueles cartazes mostrando a vida boa relacionada à bebida alcoólica", disse.
A restrição aos pontos e horários de venda de bebidas alcoólica é apontada por Ilana Pinsky como uma das políticas mais eficientes na redução do consumo de álcool. Ela baseia sua posição na literatura internacional que aborda o assunto. "Prevenção de uso de álcool e drogas nas escolas, que é uma estratégia muito popular, infelizmente tem uma eficácia muito pequena", admitiu.
Aumentar os impostos sobre as bebidas também foi uma ação apontada como importante tanto por Ilana Pinsky quanto por Bessa. "O preço da bebida alcoólica é muito importante no início do consumo e também em um consumo mais pesado", afirmou a pesquisadora.
A adoção de políticas eficientes para a redução do consumo de álcool, no entanto, depende da capacidade da sociedade pressionar o Poder Público, segundo a professora de Serviço Social da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), Roberta Uchoa. "O Estado só vai responder se a sociedade pressionar", disse.
Ela destacou ainda que o álcool é a droga cujo o consumo mais cresce no país. De acordo com Roberta Uchoa, entre 1961 e 2000 o consumo de álcool no Brasil aumentou 155%. "Mesmo que seja em 40 anos é um aumento muito significativo", afirmou.
* Reportagem de Daniel Mello