Os agentes públicos são maioria entre os acusados de tortura na segunda instância dos tribunais de justiça (TJs) do Brasil. A pesquisa Julgando a Tortura, divulgada hoje (29), analisou 455 acórdãos (decisões de órgãos colegiados) entre 2005 e 2010. Foram julgados 752 réus. Destes, 61% são funcionários do Estado (policiais, agentes penitenciários etc) e 37% agentes privados, incluídos casos de violência doméstica.
O estudo envolveu cinco organizações de defesa dos direitos humanos: Conectas Direitos Humanos, Núcleo de Pesquisas do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCrim), Pastoral Carcerária, Ação dos Cristãos para a Abolição da Tortura (Acat) e Núcleo de Estudos da Violência da Universidade de São Paulo (NEV-USP).
Sobre as condenações, o levantamento indicou que agentes públicos têm maior chance de absolvição que agentes privados nesse tipo de crime. Nos casos de réus funcionários do Estado, 19% das sentenças condenatórias de primeira instância foram convertidas em absolvição e 47,6%´, mantidas. No caso de agentes privados, apenas 10% das sentenças foram revertidas e 61,4% mantidas.
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Quando a decisão inicial era de absolvição, o veredito se manteve em 15% dos casos envolvendo agente público e em 5% relativos a agentes privados. Conforme os números, os públicos acabaram absolvidos em 35% dos acórdãos e os privados, em 11%.
Grande parte das absolvições ocorre por falta de provas. Em 72% das decisões contra agentes privados, as provas foram consideradas suficientes para comprovar a tortura. O percentual cai para 53% quando os envolvidos são policiais e agentes penitenciários.
"Vale refletir se a produção de provas nos casos em que os autores são agentes públicos é mais deficiente que aquelas com agentes privados, ou se, de fato, existe olhar diferenciado dos operadores do direito", ressalta o estudo.
As motivações da tortura variam de acordo com quem a pratica. Relativamente aos agentes públicos, na maior parte dos casos (65,6%) a violência foi usada como método para obter informações ou confissão. Quando o autor é agente privado, o sofrimento é usado como forma de castigo em 61% dos casos.
Foram identificadas 800 vítimas nas decisões analisadas. Destas, 21% eram homens, 21% homens suspeitos da prática de crime, 9% homens presos, 20% crianças, 13% adolescentes, 8% mulheres e 1% mulheres presas. Em 7%, os agredidos tinham outro perfil, ou não puderam ser identificados claramente.
Em relação ao local do crime, 33% dos casos de tortura ocorreram em locais de contenção (prisões, delegacias e unidades de internação), 31% em residências e 16% em via pública.
A partir dos dados, as organizações destacaram a importância de um esforço para adoção das recomendações do Protocolo Facultativo à Convenção Contra a Tortura da Organização das Nações Unidas.
O documento, do qual o Brasil é signatário, exige que países-membros criem, em âmbito federal, uma comissão de especialistas para fiscalizar o respeito aos direitos humanos nos locais de privação de liberdade.
"A necessidade dessa nova forma de lidar com o problema decorre do fato de os locais de detenção serem, por definição, fechados para o mundo exterior. Assim, as pessoas privadas de liberdade estão em posição vulnerável e mais sujeitas à tortura, maus-tratos ou outras violações de direitos humanos", acrescenta o documento.