A assentada Zildenice Ferreira dos Santos, de 34 anos, moradora de um casebre simples no Assentamento Zumbi dos Palmares, em Iaras, a 305 km de São Paulo, descobriu que tem quase R$ 1 milhão numa conta aberta em seu nome na Caixa Econômica Federal (CEF). Ela trabalha como colhedora de laranjas na fazenda Santo Henrique, da Cutrale, e ganha salário mínimo. Seu saldo ontem era de R$ 747.751,00, mas o extrato registrava um depósito de R$ 78 mil a ser creditado. "Mesmo se trabalhasse 100 anos sem gastar nada eu não conseguiria juntar a quantia depositada na minha conta", disse.
A advogada da sem-terra, Fernanda Daniele Pereira Mariano, desconfia que a catadora de laranjas virou, ela própria, "laranja" de um suposto esquema de desvio de dinheiro. Em 2007, Zildenice foi procuradora da cooperativa do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST) em Iaras num convênio entre a Caixa Econômica Federal (CEF) e o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) para a construção de moradias no assentamento. A cooperativa está sendo investigada pelo Ministério Público Federal (MPF) por desvio de parte do dinheiro proveniente de outro convênio com o Incra para o corte de madeira do assentamento.
O presidente da entidade, Miguel da Luz Serpa, coordenador do MST na região, está preso desde 26 de janeiro, acusado de liderar a destruição de 12 mil pés de laranja e a depredação da fazenda da Cutrale - a mesma em que Zildenice trabalha como apanhadora da fruta.
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A sem-terra fez parte do movimento até conseguir o lote no Zumbi, em 2007. No ano seguinte, ela se desligou da cooperativa e deixou a função de procuradora.
De acordo com a advogada, funcionários do banco informaram que a conta passou a ser movimentada por um assessor de Serpa. "Os extratos deixam claro que minha cliente ainda é a titular." Hoje, Fernanda denunciou o caso ao Ministério Público Federal (MPF) de Ourinhos. "Minha cliente pode ser processada pela Receita Federal, pois é um dinheiro não declarado."
A superintendência do Incra em São Paulo informou que a assentada não é mais titular da conta e recebeu extratos indevidamente. Segundo o Incra, o recurso depositado faz parte do convênio com a CEF para o projeto de habitação do assentamento. O crédito fica em nome de um representante dos assentados, mas o dinheiro só é movimentado com autorização do órgão para pagamento de fornecedores de materiais e serviços, mediante a juntada de nota fiscal. O gerente da agência bloqueou o envio de novos extratos à ex-correntista. O Incra informou que o erro na emissão do extrato não resultou em prejuízo para ninguém.
O convênio referente ao programa habitacional do Zumbi dos Palmares será encerrado este ano. O MPF de Ourinhos, no entanto, vai investigar o caso. O procurador da República Svamer Cordeiro abriu procedimento preparatório e vai pedir informações à CEF.