Se Dilma Rousseff sofrer o impeachment e Michel Temer for confirmado como presidente, o seu governo terá de ser ágil na defesa de um ajuste fiscal firme. Caso contrário, deve se preparar para, em pouco tempo, enfrentar o mau humor do mercado financeiro.
A lua de mel dos analistas com o governo legitimado deve ser curta: se a agenda fiscal não avançar, passado o impeachment, vai até o final de outubro, ou, mais tardar, até a virada do ano. O prazo foi estimado em um levantamento com 18 instituições financeiras e consultorias feito pelo Projeções Broadcast, área da Agência Estado especializada na coleta de indicadores macroeconômicos.
Os economistas, de maneira geral, lembram que a lua de mel, até agora, reflete a credibilidade da equipe econômica, o seu mérito de fazer um diagnóstico certo dos problemas fiscais, propor as medidas necessárias e, principalmente, ter apoio de Temer. "O que difere substancialmente Temer de Dilma é ele saber que, sem o ajuste fiscal, não há crescimento econômico decente, algo que Dilma ignorava", diz Zeina Latif, economista-chefe da XP Investimentos.
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Mas o acerto inicial não garante que a relação vai longe sem uma renovação dos votos - e nisso o governo tem pecado. Zeina reforça que há uma certa compreensão quanto às limitações políticas do momento. Antes do impeachment, o governo interino não tem legitimidade. Mas já causa um certo mal-estar, diz, o fato de parecer que ele usa essa limitação como "desculpa" para fazer concessões.
Nesse momento, o cenário externo também ajuda porque há muita liquidez internacional e poucas boas opções de investimento, o que favorece o Brasil. Mas isso pode virar de uma hora para outra.
"O governo vem cedendo em pontos importantes, como o reajuste dos servidores, está testando os limites do mercado, o que não é sábio", diz Zeina. "Diante das críticas que atrai, o próprio governo diz que tudo será diferente após o impeachment, ou seja, ele mesmo define até onde vai a lua de mel."
Causa especial preocupação o rumo do projeto de lei que trata da renegociação da dívida dos Estados. Entre as contrapartidas iniciais estava a fixação de limites para despesas dos três poderes nos Estados - Executivo, Legislativo e Judiciário. Esse último pressionou para não ser incluído, alterando a proposta.
Apesar de o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, insistir que o governo não cedeu, nem teve perdas, essa não é a avaliação dos economistas. "A percepção é que o governo está perdendo a mão na negociação das dívidas e o ideal é que sejam, de alguma forma, revertidas, nem que seja no Senado", diz Evandro Buccini, economista da Rio Bravo Investimentos.
Contra
A eleição municipal tende a jogar contra. Até o voto derradeiro chegar à urna, em 30 de outubro, no segundo turno, boa parte dos congressistas vai evitar temas espinhosos, como as reformas da Previdência e trabalhista, que fazem parte do ajuste. Ainda assim, a avaliação é que o governo já será obrigado a ser firme. "Entre outubro e dezembro, o mercado vai querer ver o processo do ajuste fiscal se acelerar", diz o economista Alberto Ramos, diretor do Grupo de Pesquisas Econômicas para América Latina do banco americano Goldman Sachs.
O economista-chefe do Banco ABC Brasil, Luis Otavio de Souza Leal, chama atenção para um outro risco, o de que, após o impeachment, a economia engate uma trajetória mais firme de recuperação e isso acabe ajudando a arrecadação de impostos, tirando o senso de urgência no saneamento das contas públicas. "Se o Congresso perder esse senso de urgência, deixar tudo para depois das eleições municipais, o mercado vai cobrar."
Diante de um cenário de cobrança mais apertada, a visão é que talvez fosse produtivo reavaliar a estratégia. Ramos lembra que o governo focou na adoção de medidas com efeito estrutural e de longo prazo, como a PEC do Teto, a Proposta de Emenda Constitucional que limita o crescimento dos gastos públicos. Mas ele ressalta que seriam importantes para o ajuste medidas paralelas de curto prazo.
Ajustes longos são considerados arriscados. Primeiro porque o próprio cidadão pode se cansar e se opor. "Vimos em outros países que a sociedade desenvolve uma certa fadiga ao ajuste se ele se prolonga", diz Ramos. A segunda razão é que o mercado tem baixa resistência a espera.
"Concentrar a estratégia no gradualismo fiscal significa que vai demorar muitos anos até o primário subir a um superávit necessário para estabilizar a dívida e isso requer que o mercado seja paciente por um tempo muito longo", diz.
Adotar medidas de curto prazo teria um duplo efeito positivo: realimentar as boas expectativas, renovando a lua de mel, e antecipar a recuperação econômica, vital para melhorar a arrecadação. "O governo tem considerado a PEC do Teto a mãe de todas as medidas, mas isso me incomoda porque a recuperação será lenta", diz Andrei Spacov, sócio e economista do Gávea
Investimentos
Ele apresenta os números: "O que os economistas gostariam de ver é o primário ir de menos 2,5% neste ano a menos 0,5% ou zero em 2018 - foi a trajetória em países que tiveram urgência com o ajuste", diz. Recorrendo apenas à PEC do Teto, o fim do déficit demora: só viraria em 2021 e a dívida bruta só se estabilizaria em 2026, em níveis acima de 90% do PIB (Produto interno Bruto). Spacov diz que, para agilizar o processo, é preciso melhorar a receita, o que pode significar elevar impostos.
A concretização do ajuste, porém, depende acima de tudo de "vontade política" - e isso será uma prova de fogo para o PMDB, avalia José Marcio Camargo, economista da gestora de recurso Opus. Ele lembra que esta é a terceira vez que o PMDB chega ao poder "por acidente". "A primeira foi com José Sarney nos anos 80 que, preocupado em conseguir cinco anos de mandato, não fez os ajustes necessários - e deu tudo errado.
A segunda foi com Itamar Franco que, impedido de se reeleger, enfrentou o risco de adotar o Real no anos 90 - e deu certo", diz Camargo. "Temer precisa decidir se quer ser Sarney ou Itamar." As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.