Diante de vários relatos de abusos e crimes em navios de cruzeiro, e para aumentar a segurança de tripulantes, o senador Paulo Paim (PT-RS) defendeu, nesta segunda-feira (7), a regulamentação das atividades desse segmento turístico. Durante audiência pública que examinou casos de violência e denúncias de trabalho forçado nos navios, ele adiantou que até o fim do dia iria registrar três projetos de lei com medidas no campo penal e trabalhista.
De acordo com o senador, a bordo desses luxuosos navios costumam acontecer "coisas escabrosas", como furtos, consumo e tráfico de drogas, intoxicação alimentar, homicídios e desaparecimentos, entre outros tipos de crimes. Do ponto de vista salarial, Paim e convidados afirmaram que a rotina dos tripulantes envolve jornadas de trabalho que podem durar até 18 horas diárias, além de precárias condições de alimentação e de assistência médica.
"O que queremos é que o setor continue a crescer, como vem fazendo nos últimos dez anos, beneficiando a economia nacional. Contudo, não podemos de forma alguma negligenciar a segurança de passageiros e tripulantes, nem permitir que brasileiros continuem a trabalhar nesses navios em condições degradantes", disse Paim.
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Autor do requerimento para a realização do debate na Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa (CDH), que também foi por ele coordenada, o senador também informou que será enviado um pedido de esclarecimentos à Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) sobre os requisitos para que esses navios, todos pertencentes a amadores estrangeiros, possam operar em águas brasileiras. Outra medida será buscar meios para a elaboração de uma cartilha para orientar os candidatos a atividades temporárias nesses navios e evitar que caiam em "armadilhas".
Mortes
Paim também anunciou que a comissão acompanhará todas as denúncias levadas ao Ministério Público a respeito de incidentes com brasileiros, sejam tripulantes ou passageiros, no país ou no exterior. Vídeos e relatos de parentes detalharam quatro episódios, como o que resultou na morte de Fabiana Pasquarelli, de 30 anos, que era tripulante do navio MSC Armonia e cumpria jornadas de trabalho extenuantes, tendo ficado doente a bordo. A acusação é de que houve demora na autorização para que ela fosse desembarcada e hospitalizada, em Santos (SP). Cerca de três horas depois, a jovem morreu de infecção generalizada.
Outro caso citado envolve Laís Santiago, que desapareceu em julho de 2012, em águas italianas, enquanto trabalhava no navio Costa Mágica. A armadora alega que foi suicídio, mas a família não aceita a hipótese de que a jovem tenha se jogado ao mar. O caso havia sido arquivado, mas recentemente foi reaberto pela Justiça italiana. Em vídeo, o advogado denuncia a ausência de perícia no camarote e pertences de Laís, além da tentativa de destruição de objetos importantes, como o notebook. Alexandre Ribeiro Frasson, um dos convidados, apontou a hipótese de Laís estar viva e ter sido vítima do crime de tráfico de pessoa.
"No modo da campanha feita no Rio no caso Amarildo, estamos lançando a campanha ‘Cadê a Laís’", informou.
Frasson participou da audiência numa dupla condição: a de líder de movimento que busca a apuração de casos de abusos e de violência contra tripulantes e, ainda, a de pai de jovem apontada como vítima de esquemas de tráfico de drogas, considerados habituais dentro de navios de cruzeiro. Na semana passada, Bruna Bayer Frasson foi condenada em Barcelona, na Espanha, a seis anos e um mês de prisão. Ela foi presa ao desembarcar de um cruzeiro e alega inocência. A Justiça desconsiderou o testemunho do então namorado, tripulante que conhecera no navio, que assumiu ter colocado a droga na mochila dela, sem que ela soubesse.
"Tenho plena convicção de que minha filha é uma vítima", disse o pai, hoje em campanha para que Bruna seja deportada e assim posa voltar ao Brasil.
Outra vítima seria Camilla Peixoto Bandeira, encontrada morta em 2010, no navio em que trabalhava, durante cruzeiro pelo litoral brasileiro. Ela teria sido assassinada pelo próprio namorado, também tripulante da embarcação. A mãe da jovem, Rosângela Bandeira, relatou as dificuldades para que o caso fosse levado à Justiça pelo Ministério Público, o que durou quase três anos. Para a mãe, a operadora turística tem responsabilidade, pois se omitiu diante de pedido de Camilla para que o rapaz fosse transferido para outra cabine, já que ela estava sendo ameaçada.
Shows eróticos
O bailarino Arthur Souza, de Florianópolis, relatou sua frustrante experiência como contratado pela companhia Star Cruises, para shows que deveriam ser musicais, ao estilo Broadway. Em poucos dias, ele disse ter percebido que caiu numa "roubada". Além de trabalho em regime de semi-escravidão, com jornadas exaustivas, as apresentações também tinham cunho erótico. Trechos de espetáculos que ele gravou às escondidas foram exibidos estritamente para a audiência, sem transmissão pela TV Senado.
De acordo com Arthur, os novatos, em sua maioria, desconheciam que as apresentações incluíram shows com esse caráter. Explicou que os turistas pagavam em separado para essas apresentações e alguns artistas muitas vezes eram assediados. Os integrantes do corpo de baile que reagiram contra a inesperada situação, ele inclusive, acabaram sofrendo assédio moral e, por fim, foram demitidos e desembarcados no exterior. De volta ao Brasil, ele disse que entrou com ação trabalhista contra a empresa pela qual foi recrutado, mas perdeu, devido à súmula do Supremo que faz prevalecer a legislação do país da bandeira do navio.
Cassinos flutuantes
Severino Almeida Filho, presidente do Sindicato Nacional dos Oficiais da marinha Mercante (Sindmar), repudiou a forma como os cruzeiros operam no país. Segundo ele, não necessidade de autorização especial nem adequada fiscalização. Afirmou que, além de tráfico, esses navios são "verdadeiros cassinos flutuantes" mesmo em águas brasileiras. Disse que no passado o segmento era parte do sistema aquaviário, mas acabou sendo separado, como resultado de "articulações poderosas".
"Nós temos que cortar o mal pela raiz", disse Severino, cobrando a regulamentação.
O auditor fiscal do Trabalho Raul Capparelli Vital Brasil lamentou que os jovens acabem vivendo situação "trágica", na ilusão de ganhar um pouco mais, aprender outra língua e acrescentar uma experiência ao currículo. Segundo ele, na última temporada de cruzeiros, quase todos os navios foram autuados, depois da constatação de abusos, como trabalho até por 16 horas sem pausa. Conforme assinalou, as operadoras adotam contratos com base na legislação do país da bandeira do navio para "driblar" as regras trabalhistas brasileira.
Aloysio Gomide, do Ministério das Relações Exteriores (MRE), informou que cerca de 2,5 milhões de brasileiros trabalham no exterior e que de 3 mil a 4 mil atuam em temporadas de cruzeiros. Disse que a pasta vem procurando dar atenção especial aos grupos mais vulneráveis, caso dos tripulantes de navios. Renato Sant’Ana, também do MRE, disse que a audiência oferece oportunidade para o início de trabalho articulado com outros órgãos e sociedade. Lembrou que a pasta já tem uma cartilha com orientações para os que querem trabalhar no exterior, inclusive com órgãos que podem ser acionados por quem se encontra em dificuldade.
Para o deputado estadual Jefferson Fernandes, do Rio Grande do Sul, não é mais possível ignorar as denúncias. Ele sugeriu ação conjunta com a Secretaria Nacional dos Direitos Humanos e a necessidade de uma política preventiva para evitar novos casos.