Uma das principais bandeiras do governo Lula, o aumento contínuo do salário mínimo acima da inflação, ajudou a dinamizar a economia do país em um primeiro momento, mas também fez as contas públicas chegarem "a um limite", segundo economistas ouvidos pela BBC Brasil.
O principal argumento é de que o salário mínimo "já deixou" de ser um instrumento eficaz de redução da pobreza no país e que os aumentos reais estão apenas "ampliando o rombo" nas contas da Previdência Social.
"A política de aumento do salário mínimo está sendo vítima de seu próprio êxito. Ele funcionou até certo ponto, mas já não está mais ajudando os mais pobres, ou seja, não está mais ajudando os que ficaram para trás", diz o economista Fábio Giambiagi, especialista em contas públicas.
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Durante a gestão do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o valor do salário mínimo cresceu perto de 50% acima da inflação, chegando em 2010 a R$ 510.
Por trás de sucessivos reajustes está a ideia de que um salário mínimo mais forte funciona como um "indutor" do consumo e do aumento da renda no país, contribuindo assim para a redução da pobreza.
Mas segundo Giambiabi, essa política "já se esgotou". "De cada R$ 100 reais de aumento no salário mínimo, apenas R$ 3 chegam às mãos dos mais pobres", diz.
Pobreza
Ainda de acordo com o economista, os reajustes passaram a melhorar as condições de quem "já está protegido", mas não estão mais tirando pessoas da pobreza.
"Precisamos olhar para os que ficaram para trás. O Brasil tem 10% da população vivendo como miseráveis e o salário mínimo não chega a esse contingente", diz Giambiagi.
Além do "esgotamento" do salário mínimo como política de redução da pobreza, os economistas têm apontado um efeito "perverso" dessa política: o peso do reajuste nas contas públicas.
O valor do salário mínimo serve como base para o pagamento de aposentadorias no país, item que mais cresceu nas despesas do governo federal nos últimos anos.
A previsão é de que Lula entregue as contas do INSS para sua sucessora com um gasto equivalente a 7,4% do PIB. Há oito anos, esse valor era de 6,3%.
"O Brasil é um país de despesa alta. Mas ao contrário do que se pensa, o problema não está nos gastos com passagem de avião, com fotocópia ou outras despesas do dia-a-dia. A conta maior e a que mais cresce é a da Previdência Social", diz Mansueto Almeida, economista do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).
‘Chance perdida’
Na avaliação de Giambiagi, o presidente Lula poderia ter usado sua "popularidade" e seu "cacife político" para cortar gastos e, assim, ampliar o nível de investimentos no país.
"Perdemos uma chance histórica de realizar ajustes fiscais. Um presidente tão próximo do povo poderia ter explicado à sociedade a importância do corte de gastos", diz o economista.
Segundo ele, o governo Lula não foi exatamente "gastão", quando comparado com governos anteriores. "É mais correto falar em uma trajetória de gastos que começa muito antes, em 1991, e que foi mantida", diz.
As despesas do governo federal, excluindo o desembolso das estatais e o pagamento de juros, representavam 18,6% do Produto Interno Bruto (PIB) em 2003, devendo fechar este ano em 23% do PIB.
O ritmo de expansão é praticamente o mesmo do registrado nos oito anos anteriores (1995-2002), quando a proporção dos gastos sobre o PIB saiu de 16,7% para 19,51%.
No entanto, na avaliação de Giambiagi, Lula foi o presidente que "de longe teve as melhores condições" de desviar o país do caminho das despesas elevadas.
"Não apenas havia ambiente político, como também a situação econômica se apresentou favorável em vários momentos. Eu diria que a falha desse governo, na questão fiscal, está no que ele deixou de fazer", acrescenta o economista.
Investimentos
Gastos elevados em despesas correntes, que incluem pagamento de pessoal, aposentadorias e outros gastos administrativos, costumam resultar em menos investimentos.
Nos últimos oito anos, houve uma ligeira ampliação do peso dos investimentos públicos sobre o PIB, que passou de 0,3% em 2003 para 1% em 2009. Mas apesar do acréscimo, o valor ainda é considerado "muito baixo" por economistas.
Mansueto lembra que o cenário deverá se tornar mais delicado para a futura presidente, Dilma Rousseff, em função das necessidades de investimentos para a Copa do Mundo de 2014 e para as Olimpíadas de 2016, no Rio de Janeiro.
"Além de o gasto ser muito alto no país, temos pouca margem de manobra para cortes no curto prazo. Os planos de redução das despesas são possíveis apenas se pensados para prazos mais longos, como em três ou quatro anos", diz Almeida.
Isso porque, segundo ele, diversos itens das despesas dependem não de uma "decisão imediata" do presidente, mas sim de um esforço político que envolve também o Legislativo – caso de uma possível reforma previdenciária.
"Como muitas das despesas são engessadas, há sempre o perigo de o governo acabar cortando os investimentos, o que é péssimo para o desenvolvimento do país", diz o economista do Ipea.