Quatro pastas e uma caixa repletas de recortes de jornais, certificados, documentos, fotografias e materiais produzidos pelo próprio estabelecimento, como lâminas de papel personalizadas para as mesas e textos que davam um toque cultural até ao cardápio. Esse é o registro material que Arnaldo Falanca vai levar para casa no dia 30, quando encerrar as atividades do Tomate Seco Café Teatro.
Inaugurado há nove anos com a proposta de ser um bar e restaurante onde se consumia também cultura (em exposições nas paredes, nas apresentações musicais diárias, lançamentos de livros, exibições de filmes e outros eventos especiais), o Tomate Seco vai fechar as portas por várias razões, mas uma em especial deveria ser motivo de reflexão para toda a sociedade: o cerceamento da liberdade de proprietários e frequentadores de bares com as inúmeras leis criadas e/ou propostas nos últimos anos.
A última delas foi a que proíbe os fumantes de acenderem seus cigarros dentro das imediações de qualquer estabelecimento, mesmo em áreas abertas. Mas houve também as desgastantes polêmicas sobre o horário de fechamento, sobre a obrigatoriedade de bares oferecerem estacionamento e de contratarem seguranças. Projetos de lei exigindo canudos e guardanapos embalados individualmente, tentando proibir a venda de long necks, querendo exigir até bebedouros.
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No último dia 3, clientes presenciaram fiscais determinando que a música ao vivo fosse interrompida imediatamente. Como as cantoras tentaram terminar ao menos aquela última canção, os fiscais ameaçaram chamar a polícia. Mal tinha dado 23h.
Ao tentar explicar o porquê de fechar as portas, Falanca começa alegando não ter tempo para visitar seus pais e suas filhas, que moram em outros Estados. Desde que abriu o bar, ele nunca teve. Só que, conforme o negócio ia dando mais dores de cabeça, esse motivo começou a pesar mais. Com 58 anos, aposentado e atualmente ocupando o cargo de presidente-executivo da Abrasel Londrina, o empresário mantinha o bar por prazer. Com tantos dissabores, continuar pra quê?
''Se eu montasse um carrinho na rua, venderia as massas que produzo por um quarto do preço, não pagaria imposto e não teria tantas preocupações. Nós trabalhamos dentro da lei, e estão cerceando o nosso direito de administrar o próprio negócio'', compara.
Historicamente, os bares sempre tiveram sua importância como ponto de encontro de artistas e intelectuais. Quantas obras importantes não foram rascunhadas no meio dessa boemia? No caso do Tomate Seco, a ligação com a cultura foi além: durante os nove anos de atividades, o estabelecimento promoveu 81 exposições artísticas e abriu espaço para 160 grupos musicais e/ou cênicos - tudo devidamente arquivado.
''Demos espaço para artistas novos e de renome. Teve um jovem que trabalhava em um lava-rápido, expôs aqui e ainda vendeu dois quadros. Algumas bandas também começaram suas trajetórias aqui, como o Terra Celta e o Acústico Blues Trio. Até o Ivo Pessoa uma vez disse que foi com o dinheiro ganho aqui que conseguiu comprar o primeiro equipamento de som. Então é muito gratificante'', relembra Falanca.
Todo esse histórico que não cabe em caixas e pastas vai ficar arquivado na memória de muita gente. Questionada se está sendo difícil acompanhar os últimos dias do bar onde trabalhou nos últimos oito anos, Suellen, braço direito de Falanca, sai correndo da sala, chorando. E, mais uma vez (como vem ocorrendo nos últimos dias), Falanca chora também. ''Mas não tem jeito'', suspira após um breve silêncio, como a se desculpar. Para mais à frente garantir: ''Pode escrever aí que o sonho ainda não acabou.''