Diplomatas e autoridades da delegação brasileira avisam: "Não estamos blefando." Se não houver acordo sobre a regulamentação do uso de recursos genéticos da biodiversidade, o País não concordará com mais nada na 10.ª Conferência das Partes (COP-10) da Convenção sobre Diversidade Biológica (CDB), que está em andamento em Nagoya, no Japão, desde o dia 19.
"Se quisermos falar sério sobre biodiversidade, temos de falar do pacote todo", disse ao Estado a ministra do Meio Ambiente, Izabella Teixeira, que chegou a Nagoya anteontem para chefiar a delegação brasileira na reta final da conferência.
A COP-10 é a reunião mais importante da CDB, um tratado internacional lançado em 1992 para promover a conservação e o uso sustentável da biodiversidade do planeta. A adoção de um protocolo de regras para o acesso e a repartição de benefícios (ABS, na sigla em inglês) oriundos da exploração comercial de recursos genéticos é a grande lacuna da convenção, que o Brasil e outros países ricos em biodiversidade têm especial interesse em preencher.
Leia mais:
Um terço das famílias brasileiras sobreviveu com renda de até R$ 500 por mês em 2021, mostra FGV
Taxa de desemprego no Brasil cai para 9,8%, segundo IBGE
Termina nesta terça o prazo para entrega da declaração do Imposto de Renda
Número de inadimplentes de Londrina cai 14% em abril, segundo dados do SPC
As decisões da convenção precisam ser tomadas por consenso entre os 193 países participantes. Se não houver acordo sobre ABS e o Brasil, apoiado por outros países em desenvolvimento, levar a cabo a ameaça de não aprovar outros temas, ocorrerá um fracasso total da conferência.
Os outros dois grandes temas da agenda em Nagoya são a definição de metas para 2020 e a falta de apoio financeiro dos países desenvolvidos para programas de conservação ambiental nos países em desenvolvimento. "Como é que vamos avançar em metas se não tivermos financiamento e se não há regras para acesso e repartição de benefícios dos recursos genéticos?", argumenta a ministra brasileira.
A ideia por trás do protocolo seria garantir que os lucros obtidos com produtos desenvolvidos com base em recursos genéticos da biodiversidade sejam compartilhados com o país de origem da espécie e com as populações tradicionais que eventualmente tenham contribuído para a pesquisa. Por exemplo, no caso de um fármaco desenvolvido na Europa com base na molécula de uma planta brasileira usada na medicina tradicional de alguma tribo indígena da Amazônia.
Faltando quatro dias para o fim da COP-10, a negociação sobre ABS avança madrugada adentro. Países desenvolvidos, como Canadá, Austrália e alguns europeus, resistem à regulamentação, temendo redução da liberdade de pesquisa – e dos eventuais lucros obtidos com ela.
Mas há também divergências fortes entre países em desenvolvimento. O bloco africano, por exemplo, insiste que o protocolo deve ter efeito retroativo, o que implicaria pagamento de royalties por todos os recursos biológicos extraídos do continente nas últimas décadas ou até séculos. Uma proposta inaceitável para os países desenvolvidos e também para o Brasil, cuja agricultura é quase 100% baseada em espécies exóticas, trazidas originalmente de outros países e continentes, incluindo arroz, feijão, milho e até a carne.
A ameaça de não aprovar nada caso não haja um acerto sobre ABS e financiamento é uma jogada audaciosa do País, que tem o tema como prioridade número um na agenda. O superintendente de Conservação da WWF-Brasil, Claudio Maretti, acha que a estratégia se justifica. "Os países desenvolvidos foram muito competentes em protelar a discussão durante anos. Chegou a hora de dizer um basta. Quem tem de ceder agora são eles."