César vive debaixo da marquise de um conjunto habitaciona em Nagoya
Um pequeno televisor e um micro-ondas antigo se destacam em meio a um amontoado de roupas, acolchoados e utensílios domésticos. Eles estão cuidadosamente guardados e há meses não são usados.
Mas César Kazutoshi Sogabe, de 52 anos, tem esperanças de voltar a utilizá-los um dia, quando finalmente deixar de morar na rua.
O brasileiro vive num abrigo improvisado debaixo da marquise de um conjunto habitacional na cidade de Nagoya, na província de Aichi.
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Ele vive lá há pouco mais de duas semanas, mas já está sem teto desde novembro do ano passado, quando perdeu o emprego numa empresa de reciclagem de lixo. "Todos foram mandados embora e a firma fechou as portas", conta.
Vítima da recessão econômica, a pior sofrida pelo Japão desde o pós-guerra, o brasileiro foi obrigado a deixar o apartamento que dividia com um colega.
Sem dinheiro, ele foi morar no estacionamento de um supermercado, dentro de um pequeno carro emprestado de um amigo.
No final de julho, esse amigo, também desempregado, teve de se desfazer do veículo e Sogabe procurou abrigo no conjunto habitacional. Lá também vivem outros dois sem-teto japoneses.
O imigrante, que deixou a capital paulista em 1992 para ir ao Japão, passa os dias à procura de emprego. "Já cansei de fazer entrevista. Ninguém me aceita por causa da idade", lamenta o brasileiro.
"Além disso, agora eles exigem carteira de motorista, visto permanente e até conhecimento de kanji (ideogramas japoneses). Para que precisa de tudo isso só para carregar ferro?", questiona.
Novos rumos
Sogabe, assim como a maioria dos brasileiros que foram ao Japão, queria melhorar o padrão de vida.
Conseguiu comprar dois terrenos e construir uma casa no Brasil com o dinheiro ganho como operário de fábrica. Mas com a separação, a ex-mulher acabou ficando com os bens.
Após um acidente de trabalho, em 2001, voltou ao Brasil, onde ficou até 2005, mas acabou retornando ao Japão. Agora, mesmo sem emprego, ele não pensa em pegar o avião de volta ao país natal.
"Não quero chegar lá sem dinheiro, e essa ajuda que o governo japonês está dando não dura nem um mês", diz, ao se referir aos US$ 3 mil dólares que o Japão oferece aos imigrantes brasileiros e peruanos desempregados que queiram voltar aos seus países de origem.
"Prefiro trabalhar e juntar um dinheiro para voltar com uma graninha e não ficar dependendo de ninguém", justifica.
Sogabe também tentou outros auxílios dados pelo governo japonês para quem não tem renda. "Tentei três vezes e eles negaram. Disseram que eu não tenho família e nem filhos, e não querem nem saber se estou passando necessidade", reclama.
Para comer, o brasileiro conta com a boa vontade das pessoas, que lhe dão alimentos. "E lavo roupa e tomo banho todo dia no banheiro da praça", conta ele, que faz alguns bicos lavando carros para conseguir alguns trocados.
"Todo mundo leva tombo na vida", filosofa. "Mas não me arrependo de nada do que fiz. Nunca fiz mal para ninguém e o que mais quero agora é juntar dinheiro para comprar uma chácara, para criar galinhas e ter meus livros", sonha.
O imigrante disse não ter falado com a família sobre a situação em que se encontra. "Tenho vergonha de falar. É um orgulho besta, mas um cara de 52 anos estar nesta situação...", justifica. "Estou na rua porque não quero incomodar ninguém."
Desempregada com a crise, brasileira volta à prostituição na Espanha
Após trocar Goiânia por Madri, livrar-se de uma quadrilha de cafetões e conseguir trabalho de manicure, a falta de dinheiro a levou a um beco com poucas saídas e ela acabou voltando a se prostituir. "Não foi escolha, foi sobrevivência", desabafa.
Imigrante ilegal na Europa, M.S., que prefere o pseudônimo de Elsa, chegou à Espanha em 2005 com a ajuda de uma quadrilha sabendo que iria exercer a prostituição.
O que não sabia era que estaria em regime de semi-escravidão, vigiada 24 horas ao dia e com ameaças de morte.
Fuga
Em 2007, ela fugiu com a ajuda de um cliente e recebeu ajuda psicológica na ONG Apramp (Associação para Prevenção, Reinserção e Atenção à Mulher Prostituída), que a ajudou a encontrar um trabalho como manicure e cabeleireira em um salão.
Mas em fevereiro o sonho da reabilitação acabou. "O salão fechou. Eu, sem documentação, não tinha muita chance de trabalhar. Fiz o que pude, mas sem licença de trabalho, acabei voltando à prostituição", disse à BBC Brasil.
Elsa se emociona ao contar por que tomou uma decisão que ela define como "um passo de caranguejo".
"Não vou mentir e fingir que virei santa, porque quando aceitei vir para cá, já sabia o que tinha pela frente. Vivi o inferno nesta terra", diz.
"No começo fiquei 15 dias sem trabalhar (para a quadrilha) porque só chorava e pedia para voltar para o Brasil. Nenhum cliente queria ir comigo por isso. Aí ameaçaram me matar e matar a minha família. Foi tão horrível que depois daquilo perdi o medo, a dignidade, perdi tudo", relata.
Depois de largar a prostituição, sobre a qual a família em Goiânia nunca ficou sabendo, Elsa achava que tinha fechado um capítulo em sua vida, até ser surpreendida pela crise.
Sonho
Para ela, os 950 euros (cerca de R$ 2.500) mensais por doze horas de trabalho, seis dias por semana, num salão modesto da capital espanhola, valiam mais a pena do que o salário mínimo de secretária no Brasil.
"Todo imigrante vem com o sonho de ter uma casa, um carro, ajudar os pais... Voltar sem ter conseguido nada é duro também para a família que ficou lá esperando muitas coisas", justificou.
Elsa, que pertence a uma família de evangélicos, e não esteve no Brasil desde que imigrou, sonha com o retorno quando puder ter recursos financeiros para comprar um imóvel e ajudar o pai a ter seu próprio negócio.
Prostituindo-se numa casa em um bairro nobre de Madri com outras onze mulheres imigrantes, ela consegue em torno de 700 euros (aproximadamente R$ 1.850) por semana.
Poderia ganhar mais trabalhando por conta própria nas ruas, mas tem medo das batidas policiais ordenadas pelo governo municipal, que considera a prostituição um "ataque à dignidade da mulher", como descreveu à BBC Brasil a diretora geral de Igualdade da Prefeitura de Madri, Asunción Miúra.
Deportação
A lei espanhola permite a prática da prostituição, mas criminaliza a exploração de mulheres e a estadia de imigrantes ilegais. Por isso, se fosse pega na rua, a deportação de Elsa seria imediata.
"Uma política repressiva, absurda e ridícula", disse à BBC Brasil Cristina Garaizábal, diretora da ONG Hetaira, que defende os direitos das prostitutas e afirma que apenas 5% das mulheres que praticam a prostituição na Espanha estão controladas por máfias.
Para a ONG, mulheres como Elsa estariam em melhores condições se pudessem ter garantias trabalhistas.
"Ela agora poderia estar recebendo seguro desemprego em lugar de ter de voltar à prostituição se não quisesse", afirmou Garaizábal.
Para a brasileira, o sonho da carteira assinada é uma utopia. A maior preocupação é ficar marcada para sempre por ter escolhido uma forma de ganhar a vida.
"O pior nem é o sexo. O pior agora é a sensação de fracasso, sabe? Eu sei que vou sair disso, mas essa mancha nunca vai desaparecer da minha vida. Espero ganhar o suficiente para voltar para o Brasil, começar uma vida nova, mas sei que isso não vai dar para apagar", observa.
Um panorama sobre a imigração mundial com a crise
Apesar de fortemente afetados pela crise econômica global que atingiu de maneira intensa os países desenvolvidos, a maioria dos imigrantes econômicos abrigados nesses países preferiu permanecer a voltar aos seus locais de origem, segundo indica uma pesquisa preparada com exclusividade para o Serviço Mundial da BBC.
O estudo, feito pela pela organização americana Migration Policy Institute (MPI), também indica que a crise reduziu o fluxo de migrantes em busca de melhores condições pelo mundo.
Os dados levantados pela pesquisa mostram ainda que os imigrantes estão entre os grupos mais atingidos pela crise e que as remessas de dinheiro enviadas por eles aos seus países sofreram uma queda na maioria das regiões.
Apesar dessa queda nas remessas, esse envio de dinheiro vem ganhando importância relativa para os países que a recebem, já que outras fontes de ingressos de divisas vêm se contraindo.
Brasil é exceção
Apesar das tendências globais apontadas pela pesquisa, há algumas exceções como o caso do Brasil, como aponta o vice-presidente da MPI e co-autor do estudo, Michael Fix.
Imigrantes brasileiros, principalmente nos Estados Unidos e no Japão, estão retornando em grande número ao Brasil, mas apesar disso as remessas de dinheiro ao país vêm aumentando.
Para Fix, uma das principais razões para o retorno de um grande número de imigrantes brasileiros ao país é econômica, já que a economia do Brasil vem se saindo relativamente melhor do que a dos países de destino dos imigrantes.
"Em estudos anteriores, verificamos que as decisões dos imigrantes sobre retornar ou não aos seus países de origem tinham mais relação com as condições econômicas em seus países natais do que nos seus países de destino", afirma Fix.
Outra questão apontada por ele para justificar o retorno em grande número dos imigrantes brasileiros é o fato de que muitas de suas ocupações nos países de destino foram mais afetadas pela crise econômica global.
Esse seria o caso, por exemplo, da construção civil nos Estados Unidos, onde há uma grande concentração de imigrantes brasileiros. Segundo a MPI, 21% dos imigrantes brasileiros nos Estados Unidos estavam empregados na construção civil, em comparação com os 8% dos trabalhadores americanos empregados pelo setor.
O fato de um número menor de imigrantes estar enviando uma quantidade maior de dinheiro ao Brasil poderia ser também uma consequência do bom momento da economia brasileira, na avaliação de Fix.
"É possível que parte desse dinheiro não esteja sendo usado para a compra de produtos essenciais, mas enviado para aproveitar o melhor clima para investimentos no Brasil", diz ele.
Tendência global
O estudo preparado pela MPI para a BBC observa que "não há uma única tendência global que capture a forma como a recessão afetou os fluxos de migração" desde o início da crise econômica global.
"Os efeitos têm nuances e são variados, dependendo em grande parte da característica dos fluxos (permanente, temporário, ilegal e humanitário); se eles são para ou a partir de um país de destinação; e a região do mundo envolvida", observa o documento.
Apesar disso, para traçar um panorama da situação global dos imigrantes, o estudo avaliou os principais corredores de migração pelo mundo – do México para os Estados Unidos, do Leste Europeu recém-integrado à União Européia à Grã-Bretanha e à Irlanda, do Leste Europeu e do norte da África para a Espanha, de/para Índia, Bangladesh, Filipinas e Nepal para/de Estados do Golfo Pérsico, e de áreas rurais para cidades na China.
De acordo com o estudo, em 2005 havia 195 milhões de imigrantes no mundo, um crescimento de mais de duas vezes e meia desde 1960, quando havia 75 milhões de imigrantes pelo mundo.
Pelas estimativas da Organização das Nações Unidas (ONU), há hoje no mundo entre 20 e 30 milhões de imigrantes ilegais, o que representa de 10% a 15% do total de imigrantes no mundo.
A maior parcela de imigrantes, tanto legais quanto ilegais, está nos Estados Unidos, um dos países mais afetados pela crise global.
Um em cada cinco imigrantes de todo o mundo está no país, que abriga apenas um em cada 20 habitantes do globo. O governo americano estima em 11 milhões o número total de imigrantes ilegais.
Para a MPI, muitos dos trabalhadores imigrantes foram mais fortemente atingidos pela crise por uma série de fatores: baixo conhecimento da língua local e baixa instrução; concentração em setores mais afetados por ciclos de expansão e recessão, como a construção civil; o fato de que muitos desses imigrantes têm contratos temporários ou acertos informais; e o aumento da discriminação em tempos de crise.
"Os trabalhadores contratados mais recentemente, assim como os trabalhadores de nacionalidades que entraram no mercado de trabalho mais recentemente, também podem não ter as redes sociais e profissionais que podem ajudar a amortecer o impacto da recessão", afirma o estudo.
Segundo a MPI, apesar de os imigrantes representarem um em cada seis trabalhadores nos Estados Unidos, eles representavam, no início da crise, um em cada dois novos trabalhadores nos Estados Unidos e quase sete em cada dez novos trabalhadores na Grã-Bretanha.
Remessas
Outra questão analisada pelo estudo da MPI para a BBC foi o comportamento das remessas internacionais após o início da crise.
A conclusão geral do estudo é de que na maioria dos casos houve uma queda acentuada dessas remessas, mas que outras fontes de divisas para os países de origem dos imigrantes caíram ainda mais no período, aumentando a importância relativa dessas remessas.
Segundo o levantamento do estudo, o fluxo global de remessas enviadas por imigrantes deve ter uma queda de 7% neste ano, comparado com uma estimativa de 10% de queda no comércio internacional e de 57% nos investimentos estrangeiros diretos.
O estudo observa que entre 2000 e 2006 as remessas cresceram de maneira substancial na América Latina e no Caribe, na Ásia e na Europa, com um crescimento menos vigoroso no Oriente Médio e na África.
Esse crescimento desacelerou em 2006 e 2007 na América Latina, principalmente por conta do efeito da crise no setor de construção nos Estados Unidos, e foi praticamente inexistente em 2007 e 2008.
Com o alastramento da crise para a Europa e a Rússia, as remessas para a Ásia Central e para o Leste Europeu também estagnaram entre 2007 e 2008.
No leste e no sul da Ásia, as remessas continuaram a crescer nesse período, ultrapassando a América Latina e o Caribe como a principal região de destino das remessas.
O Brasil é novamente uma exceção nessa tendência mundial. Estimativas do Banco Mundial indicam um aumento de 16% nas remessas ao Brasil entre 2007 e 2008, de US$ 4,4 bilhões para US$ 5,1 bilhões.
Como comparação, nesse mesmo período, as remessas ao México tiveram uma queda de 3%, de US$ 27,1 bilhões para US$ 26,3 bilhões.
Apesar do aumento das remessas, elas ainda têm uma participação relativamente pequena no PIB brasileiro – 0,3% em comparação aos 2,7% do México, 7% no Equador ou do extremo do Tajiquistão, onde as remessas de imigrantes representam 45,5% do PIB.