Telefonia, planos de saúde e bancos respondem pelo maior número de queixas de consumidores duas décadas após a criação do CDC (Código de Defesa do Consumidor), comemorados hoje. Com queixas quanto à informação prestada, qualidade do serviço e cobranças indevidas, eles superaram ao longo dos anos os setores de locação de imóveis e mensalidade escolar, pesadelos quando a lei foi criada.
Desde então, a superinflação acabou e vários serviços foram privatizados e se massificaram, como a telefonia. No passado, um telefone era um bem comemorado pela família, mas hoje é motivo comum de reclamações. O setor lidera pelo 13º ano seguido a lista de reclamações ao Procon-SP, segundo balaço parcial de 2010, com o total de queixas até julho (364,8 mil).
Especialistas afirmam que o CDC trouxe muitos benefícios. Entre eles a maior conscientização do consumidor sobre seus direitos. Mas, segundo eles, a aplicação precisa ser aperfeiçoada.
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Segundo um dos criadores do código, o advogado e ex-procurador geral de Justiça de São Paulo, José Geraldo Brito Filomeno, uma das conquistas foi permitir que abusos de empresas fossem vistos como um prejuízo coletivo. Antes do CDC e da Constituição, os problemas eram tratados como questão individual. Dependendo do caso, usava-se o Código Civil, Comercial ou Penal.
Ele afirma que, nesses 20 anos, o código mudou a visão do consumidor e das empresas. Ele cita uma pesquisa do órgão de pesquisas DataSenado, de 2009, que mostrou que 46% das pessoas conheciam o código, haviam recorrido a ele ou conheciam alguém que o havia usado.
As empresas, diz Filomeno, "viam o CDC como um perigo à ordem econômica, mas hoje o aplaudem". "Até porque, com a globalização da economia, o código tem sido encarado como o indutor da qualidade dos produtos colocados no mercado nacional e internacional."
Agências
Um dos setores que mais temeram a criação do código foi o financeiro. Em 2006, o setor financeiro protagonizou uma das principais disputas jurídicas desses 20 anos: a confirmação por parte do STF (Supremo Tribunal Federal) de que relações entre clientes e bancos estão sujeitas ao código. Os bancos tentavam com ação judicial eximir-se de cumprir a lei.
O setor é um dos que ainda demonstram resistência em cumprir as regras afirma Maria Elisa Novais, gerente jurídica do Idec (Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor). Para ela, o crescimento do número de brasileiros com conta em banco e a expansão do crédito nos últimos anos não foram, muitas vezes, acompanhados de uma relação correta entre empresa e cliente.
"Há muitas queixas por falta de informações dos contratos e dos pacotes de tarifas. Também não são poucas as vezes em que o consumidor recebe um cartão de crédito sem saber por que e sofre alguma cobrança", diz Maria Elisa. Ela cobra uma atuação mais firme do regulador do setor, o Banco Central.
Apesar da resistência de empresas ao CDC, Maria Elisa avalia que a lei permanece atual, capaz de ser aplicada até em novos tipos de relação comercial, como as transações pela internet.
Maria Inês Dolci, coordenadora da associação de defesa de consumidores Pro Teste, também critica a atuação das agências reguladoras. Segunda ela, em vez de criar uma relação de equilíbrio, privilegiam as empresas, por exemplo, quando abrem consultas públicas por apenas um mês, em linguagem de difícil entendimento para o consumidor.
Multas
A atuação dos Procons, que devem fiscalizar empresas e mediar soluções, é vista como limitada pelo governo federal, que enviou ao Congresso um projeto de lei para fazer com que as negociações dos Procons sejam levadas em conta nos juizados de pequenas causas. Desde 2007, o Procon-SP autuou 8.633 empresas; dos processos administrativos abertos, 3,1 mil resultaram em multas pagas - outros não foram finalizados ou renderam outras punições.
"Podemos convencer as empresas a assumir compromisso de redução de queixas, inscrevê-las em dívida ativa, cadastro de inadimplentes e até influenciar o Judiciário a determinar pagamento de multa. O principal é a empresa corrigir a conduta", diz Roberto Pfeiffer, do Procon-SP.